Na primeira de algumas colunas que pretendo escrever sobre Graça Infinita, de David Foster Wallace, falei sobre a linguagem do autor. Hoje, compartilho algumas impressões de leitura.
Continua depois da publicidade
Leia mais notícias sobre literatura
Confira outras colunas de Thiago Momm
1. Em alguns momentos é inevitável brigar mentalmente com Foster Wallace. “Muito superdotado para o seu próprio bem”, comentou um resenhista na época do lançamento do romance em inglês, no original, em 1996. É isso. As descrições superdetalhadas, a troca constante de tramas, o embaralhamento temporal, as muitas notas de rodapé (que ocupam 134 das 1.136 páginas), muito disso é perfeito para refletir o desnorteamento dos personagens, além de complexificá-los. Parte disso, porém, é só entulho pós-moderno, a cisma de ser excessivo sobre tudo, ainda bastante em alta na literatura norte-americana quando o livro foi escrito. O próprio Wallace admitiu ser impossível dar sentido à história completa. Então o que ele fez em alguns trechos foi deixar escapar um virtuosismo vazio, que irrita especialmente porque parece o resultado de um gênio inseguro reafirmando desnecessariamente que é gênio.
2. Para muita gente, essa petulância da narrativa (não vou nem entrar na questão das dezenas de palavras raras usadas) já motiva a desistir. Mais que compreensível, mas dou aqui meu depoimento de que vale teimar. Comecei o livro em inglês e fui até a página 105, sentindo algo como passar por um corredor polonês literário. Recomecei em português e parei na 262 porque livros menos difíceis surgiram. Então comecei pela terceira vez e agora navego a barlavento, quase na metade do romance e na base de pelo menos 50 páginas/dia, porque a história se encaixou melhor e essa compreensão permite usufruir sua singularidade. Sim, é por isso que vale ler Wallace – porque é singular. Um infinito de ideias vagas, complexas, esfiapadas, inapreensíveis que temos sobre muitos momentos específicos da vida estão ali, verbalizadas palavra a palavra. Quando ganhamos mais intimidade com o livro, o que antes parecia excessivamente cerebral vai se tornando pungente. Apelo ao que disse Jonathan Franzen: “O mais curioso sobre a ficção de David (…) é como seus mais devotos fãs se reconhecem em seus livros, e como se sentem reconfortados e amados ao lê-los”. A ideia é que, se “cada um de nós está preso em sua própria ilha existencial”, as reflexões de alguém radicalmente ilhado como Wallace geram identificação e nos fazem sentir menos sozinhos.
Continua depois da publicidade
3. Saiu agora nos Estados Unidos The End of the Tour, longa que conta a entrevista de cinco dias que um jornalista da revista Rolling Stone fez com Wallace depois do lançamento de Graça Infinita. Não consegui acessar o filme, mas pode ser uma boa opção para se ambientar com o escritor. Também vale, sem dúvida, ler os já traduzidos Breves Entrevistas com Homens Hediondos (contos) e Ficando Longe do Fato de já Estar Meio que Longe de Tudo (textos jornalísticos), do próprio Foster Wallace, para não se sentir em um universo tão bizarro ao abrir Graça Infinita.