Um escritor uma vez falou que por mais que nossas histórias possam ser semelhantes, cada uma é especial, de alguma forma. Todas elas possuem ligeiros momentos que as diferenciam e tornam seu locutor mais singular e humano, que o apresente de uma maneira que muitos não esperavam. É fácil se sensibilizar ou criar empatia com alguém que se sacrificou por seus sonhos, pragmatizou-se diante do mundo quando foi necessário e atingiu um sucesso melancólico, pois, por mais que aquilo fosse o que ele desejava, ainda faltava algo. Não era uma nota, uma fagulha ou algo a mais para percorrer. Era apenas algo do seu passado. Um “e se…” vibrante, que gritava todos os dias no seu ouvido e empalidecia delicadamente sua felicidade plena.

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Assim como Sebastian (Ryan Gosling), nós já tivemos aquela garota. Aquela que, por mais estranho que fosse, por menos provável que fosse, de alguma forma, vocês se complementavam. Vocês existiam fora da realidade. Uma garota que você conheceu em uma festa, embora ela já tenha passado por sua vida em algum outro momento. Uma garota que se tornou uma projeção de suas fantasias, de sua loucura e de sua entrega. Qual momento eterniza o instante que vocês passaram juntos? Como diagnosticar o que aquilo significou um ao outro?

Em sua trilogia do jazz (Guy and Madeline on a Park Bench, Whiplash e La La Land), para Chazelle, sacrifícios são elementares. Em diferentes vertentes, talvez. Nós temos o extremo de Whiplash e o sonhador de La La Land. Para o americano de Rhode Island, as jornadas são necessariamente individuais, ainda que a cumplicidade faça parte pontualmente de decisões. La La Land carrega a nostalgia regurgitante de Casablanca, Cantando na Chuva e Cinderela em Paris, ao mesmo tempo que enfeitiça com sua paixão pelos seus próprios personagens e as escolhas que eles têm diante deles. Quando sua Mia (Emma Stone) e seu Sebastian levitam num observatório para dançar entre as estrelas, Chazelle abraça por completo essa transgressão linear da sua narrativa, já que, frente à paixão, ambos não conseguem mais ficar dentro da realidade e o chão não consegue mais segurá-los.

O diretor é pela primeira vez onipresente em sua narrativa, tentando demonstrar que aquele universo nunca para e está sempre em movimento. Só os pequenos detalhes que o fazem perceptível e acolhedor. Sebastian se abraçando num poste de luz para recriar um momento a lá Gene Kelly em Cantando na Chuva ou o glamour das festas hollywoodianas recriadas ao som de Someone In The Crowd são bons exemplos.

Nesse paradoxo entre sonhos, sacrifício, otimismo e romance, Sebastian e Mia se conhecem como se dependessem desse encontro. Nos versos de City of Stars, o casal canta sobre chances, individualismo e o amor (“Sim, tudo o que estamos procurando é o amor de outra pessoa; um olhar, um toque, uma dança”). Mas como transformar essa jornada numa outra coisa? Abdicando de sonhos anteriores? Sendo revolucionário ou tradicionalista, como o personagem de John Legend bem pergunta?

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Na sua narrativa de escolhas, Chazelle nos deixa com o filme de nossa vida, passando aos olhos de duas representações de personagens que transitam entre o otimismo e o pessimismo e que vivem caminhos próprios. Tudo retorna ao cerne da questão: aquele único momento que você terá pelo resto de sua vida. Aquela memória compartilhada que será só de vocês. Mais ninguém terá contato. Vocês apenas sabem. Seja pelo olhar, pela música, pela dança. Vocês apenas sabem.

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