A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber suspendeu, nesta terça-feira, os efeitos da portaria do Ministério do Trabalho (nº 1.129/2017), publicada no dia 16 de outubro no Diário Oficial da União (DOU), que alterava critérios para classificar trabalho análogo à escravidão e dificultava a publicação da lista-suja de empregadores. Weber concedeu liminar pedida pela Rede Sustentabilidade em ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental, protocolada no dia 19, que apelava para inconstitucionalidade da medida. A ministra é relatora da ação, e a decisão ainda passará pelo plenário do STF.
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A Rede argumentava que a portaria foi editada “com o inconfessável propósito de inviabilizar uma das mais importantes políticas públicas adotadas no Brasil para proteção e promoção da dignidade humana e dos direitos fundamentais: a política de combate ao trabalho escravo”. Segundo o partido, a medida foi feita para que o governo federal conseguisse mais votos na análise, pela Câmara dos Deputados, da segunda denúncia apresentada contra o presidente Michel Temer, marcada para acontecer amanhã.
Em sua decisão, a ministra sustenta que “a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa foram erigidos como pilares da República Federativa do Brasil, na expressa dicção do seu art. 1º, III e IV, o que significa compreender que a efetiva proteção ao trabalho concretiza um meio de assegurar ao ser humano um patamar mínimo de dignidade: a defesa do direito do trabalho é indissociável da própria defesa dos direitos humanos.”
Weber também levou em conta os tratados internacionais dos quais o país é signatário: “Vale ressaltar que, a persistir a produção de efeitos do ato normativo atacado, o Estado brasileiro não apenas se expõe à responsabilização jurídica no plano internacional, como pode vir a ser prejudicado nas suas relações econômicas internacionais, inclusive no âmbito do Mercosul, por traduzir, a utilização de mão-de-obra escrava, forma de concorrência desleal.”
Além da Rede, outras instituições pressionaram pela revogação da portaria. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, havia pedido ao ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, a revogação do ato, e declarou que a alteração era um retrocesso. O Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério Público Federal (MPF) também haviam feito recomendação para revogação.
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Clique aqui para acessar a íntegra da decisão.
Contraponto
O Ministério do Trabalho se manifestou, por meio de nota, sobre a decisão da ministra. Em um dos pontos, cita que o próprio STF já suspendeu liminarmente a divulgação da lista do trabalho escravo. Veja abaixo a íntegra da nota:
“Quanto à suspensão da Portaria n.º 1129/2017/MTb, determinada no âmbito da ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 489, manejada perante o Excelso Supremo Tribunal Federal, o Ministério do Trabalho assim se manifesta.
1 – A minuta de texto legal que originou a Portaria n.º 1129/2017/MTb tramitou perante a Consultoria jurídica do Ministério do Trabalho, órgão setorial da Advocacia Geral da União, e sua legalidade foi subscrita por um advogado público de carreira.
2 – Eventuais medidas jurídicas no curso da ADPF em referência serão tratadas pelo órgão competente, qual seja, a Advocacia Geral da União.
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3 – Embora se trate de uma decisão monocrática de caráter precário, concedida liminarmente sem ouvir a parte contrária por Sua Excelência a ministra Rosa Weber, o Ministério do Trabalho desde já deixa claro que cumprirá integralmente o teor da decisão.
4 – Ademais, refira-se que não é a primeira vez que o assunto “lista suja do trabalho escravo” chega ao exame da Corte Suprema, a qual já suspendeu liminarmente a divulgação da referida listagem no início de 2015, no fluir da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 5209, tendo a divulgação da lista em referência ficado sobrestada por quase dois anos.
5 – Por fim, por absolutamente relevante, reitera-se o total compromisso do Ministério do Trabalho no firme propósito de continuar aprimorando ações de combate ao trabalho escravo no país a fim de livrar trabalhadores dessa condição que avilta a dignidade humana, o que apenas será alcançado quando se garantir a plena segurança jurídica na divulgação do Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo. Tanto é assim que, dentro do processo salutar de debate público afeto às democracias, o Ministro do Trabalho já havia decidido por aceitar as sugestões da Procuradora-Geral da República, Dra. Raquel Dodge, no sentido de aprimorar a portaria recentemente editada, com a finalidade de se aliar segurança jurídica ao primado da dignidade da pessoa humana, certamente os dois pilares sobre o qual se edifica o Estado Democrático de Direito brasileiro.”
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