O procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury, rebateu as recentes declarações do Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes relativas à portaria do Ministério do Trabalho, publicada no dia 16 de outubro no Diário Oficial da União, que altera critérios para classificar trabalho análogo à escravidão e dificulta a publicação da lista-suja de empregadores. Mendes afirmou que o trabalho que faz é exaustivo, mas que não é escravo e defendeu a adoção de critérios objetivos para a definição do que é trabalho escravo. Fleury esteve em Florianópolis nesta segunda-feira para a cerimônia de posse da nova procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho de SC (MPT-SC), Quézia Gonzales.

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— Eu acho que ele pegou um adjetivo, que fala de jornada exaustiva, e quis fazer uma confusão com excesso de jornada. Excesso de jornada eu também tenho, mas estamos falando de trabalhador que é obrigado a comer carne podre, que não tem água potável, que dorme no chão, que não tem a menor condição de trabalho, tem que tomar banho no rio, o mesmo rio em que os búfalos ficam o dia inteiro como eu já pude presenciar em uma operação que fiz contra o trabalho escravo. Não estamos falando em quem fica no ar condicionado e tem dezenas de assessores – disse Fleury ao ser questionado sobre as declarações de Mendes.

O MPT e o Ministério Público Federal (MPF) expediram no dia 17, um após a publicação da portaria, uma recomendação para que a medida seja revogada. Segundo o MPT, 90% dos processos de trabalho escravo que tramitam estão relacionados a situações que deixaram de ser classificadas como análogas à escravidão em razão da portaria. O prazo para resposta à recomendação é de 10 dias.

— Estamos aguardando que o bom senso e a legalidade prevaleçam. Uma portaria não pode alterar a lei. É uma questão de hierarquia das normas. Você tem a Constituição, as leis complementares, as normas internacionais, as leis ordinárias. A definição de trabalho escravo está nas leis ordinárias. Depois você tem o decreto, as portarias estão lá embaixo. Você não pode permitir que uma portaria subverta essa ordem e altere uma lei. É flagrante a ilegalidade dessa portaria. Se mantida, o MPT com o MPF, nós adotaremos as medidas judiciais cabíveis, visando que a portaria seja revogada ou anulada – afirmou o procurador-geral.

Hoje, o MPT acompanha 709 procedimentos, dos quais 637 envolvem empresas autuadas por manter trabalhadores em condições degradantes, jornada exaustiva ou trabalhos forçados, os três critérios excluídos pela portaria.

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Fleury também comentou a reforma trabalhista, que entra em vigor dia 11 de novembro. Segundo ele, os procuradores, dentro dos preceitos normativos, devem deixar de aplicar o que julgarem inconstitucional ou que viola uma norma internacional. Caso contrário, as regras serão aplicadas.

— Um exemplo disso é um recente caso da Riachuelo, que teve uma repercussão muito grande. Ali o MPT entrou com ação aplicando as regras previstas na reforma trabalhista. Até causou bastante espécie a nós todos a rebeldia do empresário e de parte de políticos do Rio Grande do Norte porque aplicamos o que eles aprovaram. Se eles não aprovaram certo, aí é problema deles, não é nosso.

A varejista é alvo de uma ação do MPT que pede R$ 37,7 milhões de indenização por terceirizar a produção com condições trabalhistas supostamente piores que as dos funcionários diretos da empresa. A Riachuelo nega as acusações.