Há encontros e encontros – apenas alguns marcam a história. Foi assim em Genebra, em 1985, quando Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev abriram caminho para o fim da Guerra Fria. Ou em Ialta, 1945, quando Franklin Roosevelt, Winston Churchill e Joseph Stalin sentaram-se após a II Guerra Mundial. No futuro, quando alguém tratar das relações entre Estados Unidos e China, dificilmente irá ignorar o resort Sunnylands, no sul da Califórnia, e a data de hoje.

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Após anos de relações protocolares entre seus líderes, as duas maiores economias mundiais tentam quebrar o gelo com uma imersão de dois dias. E, desta vez, a lista de temas que ocupam qualquer visita entre chefes de Estado ganha importância menor. A grande missão é despertar a química entre Barack Obama e o novo presidente chinês, Xi Jinping, empossado em 14 de março. A iniciativa partiu do próprio Xi, que disse não estar interessado em uma conversa com “pontos de discussão diplomática”, segundo registros na imprensa americana. Ao contrário do antecessor, Hu Jintao – com quem Obama tentou a mesma abertura -, Xi Jinping é visto como um líder mais descontraído, propenso a uma afinidade presidencial.

E Sunnylands é o ambiente perfeito, conta Douglas Paal, vice-presidente de pesquisa do Carnegie Endowment for International Peace, em Washington D.C., que em 1991, quando era assessor presidencial de assuntos asiáticos, esteve no local preparando o encontro do então primeiro-ministro japonês, Toshiki Kaifu, e George Bush pai. Para Paal, Obama e Xi podem alterar o curso da relação, que se tornou mais contenciosa na última década.

– Temos dois presidentes no começo de novas fases de sua liderança. Xi parece estar tomando o poder com mais dinamismo e mais autoridade que seus predecessores dos últimos 30 anos. É uma oportunidade de enfatizar mais áreas de cooperação e menos de competição – analisa.

Diretora de estudos asiáticos do Council on Foreign Relations, Elizabeth Economy é cautelosa:

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– Xi está propondo uma nova relação entre duas grandes potências. Os Estados Unidos concordam, mas querem saber o que isso significa na prática. O encontro terá valor real se eles enxergarem as coisas do mesmo jeito, se tiverem senso de humor.

Apesar dos 80 hectares de Sunnylands, Xi e a mulher, a popstar Peng Liyuan, irão dormir em outro hotel. Segundo o jornal The New York Times, seria um reflexo das preocupações chinesas com escutas. Afinal, um gigante depende cada vez mais do outro, mas apenas começam a discutir a relação.

Exército de hackers desafia democracia

Se a China ainda permanece uma ditadura de partido único, apesar da economia aberta, a estratégia americana é pragmática. Há suaves reclamações por reformas políticas e é difícil imaginar Obama pressionando Xi Jinping para dar um basta a prisões arbitrárias e à repressão.

– Há questões bilaterais entre os dois países bastante pragmáticas, e são essas as que devem ser tratadas. O tema de direitos humanos, por exemplo, é uma agenda que os EUA perceberam que não vai a lugar algum por enquanto – avalia o professor de Relações Internacionais da PUC-SP Geraldo Zahran, coordenador de pesquisa do Observatório Político dos Estados Unidos.

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Do ponto de vista comercial, os países pretendem avançar em formas para melhorar o ambiente de investimentos. Um dos principais alvos americanos – que acumulam déficit comercial recorde com a China – é o mercado de 300 milhões de chineses de classe média que preferem produtos importados aos nacionais, cita o especialista em temas asiáticos, Douglas Paal, do Carnegie Endowment.

No rol de assuntos para o encontro de Sunnylands, o mais pulsante na imprensa americana é ponto de embaraço entre os dois presidentes: os ataques a computadores de empresas e do governo americano por hackers supostamente a mando das autoridades chinesas.

– Não há dúvida de que o governo da China tem um exército próprio de hackers. Os Estados Unidos estão vulneráveis, e a China tem muito a ganhar com isso – alerta Nazli Choucri, professora de ciência política no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e autora de Cyber Politics in International Relations.

Os dois governos já acertaram que, dentro de um mês, experts em cibertecnologia farão uma reunião técnica para discutir o problema.

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Leia a entrevista com Nazla Choucri