Autora do livro Cyber Politics in International Relations, Nazli Choucri fala sobre as dezenas de ataques de hackers que empresas americanas e órgãos do governo sofreram a partir de computadores localizados na China. O tema deve ser um dos mais polêmicos no encontro entre o presidente americano, Barack Obama, e o novo presidente chinês, Xi Jinping, hoje e amanhã, na Califórnia. Para Nazli, os Estados Unidos estão chocados diante da capacidade chinesa, mas não conseguem organizar um front para se defender das ameaças.

Continua depois da publicidade

Zero Hora – Quais são os riscos e os danos que hackers chineses podem já ter provocado?

Nazli Choucri – Depende do ponto de vista, mas se voltarmos no tempo, eles podem fazer uma grande gama de coisas que os Estados Unidos consideram inaceitável. Eles podem ter acesso a qualquer sistema de computadores e dar uma olhada ou poderiam entrar ou modificar alguns conteúdos.

ZH – Eles podem ou eles fazem?

Nazli – Acredita-se que sim. Ou melhor, eles fazem. Eles fazem. Eles fazem. O que não sei é que sobre que tipo de dano para os quais existe evidência de que fizeram. Entrar em computadores de áreas de segurança do governo não é algo que o governo dê detalhes públicos a respeito. Mas também sabemos que há muita evidência de que eles entram para fazer espionagem industrial, então, a motivação não é ameaçar a segurança dos Estados Unidos, mas vazar informações de tecnologia. O alvo das intrusões são basicamente as empresas privadas. Eles estão muito mais interessados em espionagem econômica do que na segurança americana. O setor privado nos EUA está reclamando muito sobre a intrusão chinesa. Os chineses querem informação e conhecimento mais do que dinheiro. Esta é uma importante distinção. Não há respeito ao sistema internacional de patentes na China.

Continua depois da publicidade

ZH – Os chineses são mais eficientes do que os americanos em cibersegurança?

Nazli – Sim. Nos velhos tempos, apenas os Estados Unidos eram um ator cibernética forte, mas agora, a capacidade da China é enorme. Os chineses são mais disciplinados, mais coordenados, são muitos os envolvidos e eles compartilham informações sobre o que estão fazendo. E isso é algo que as companhias e agências americanas não fazem tão bem. Nos EUA, as companhias hackeadas admitem terem sido hackeadas, mas não revelam a extensão da intrusão. Não querem mostrar sua vulnerabilidade. Isso significa que são vulneráveis, que sua reputação pode ser manchada. Se eles fazem, eles acham que os faz parecer fraco. É uma questão de imagem. A capacidade e a habilidade chinesa está aumentando muito rapidamente. Estamos vivendo em um sistema bipolar no ciberespaço. Há uma ciber Guerra Fria. Há algo parecido com a divisão que se tinha entre Rússia e Estados Unidos na Guerra Fria, agora temos entre EUA e China no ciberespaço, mas com uma grande diferença. Antigamente, era apenas o ‘mundo livre’ e o mundo comunista, mas agora há muitos outros países poderosos e mais diversificado. Mas mesmo assim, mesmo com essa diversidade, os americanos e os chineses se sobressaem. Os Estados Unidos não têm nada a ganhar hackeando a atividade industrial chinesa ou no governo chinês, mas os ganhos para a China são bastante consideráveis, os ajuda a se desenvolver. Uma das causas da vulnerabilidade americana é que, entre outras coisas, aquelas empresas que estão sendo hackeadas não cooperam entre si. Não há uma frente forte e unificada.

ZH – O quanto esses ataques estão ligados ao governo chinês?

Nazli – Na minha opinião, a ligação é muito muito alta. Há também dissidentes que podem ser hackers, mas não há dúvida de que a China tenha seu próprio exército de hackers. A China dá pouco espaço para a ação na internet, controla muito a internet. Esse também é um indicador de que o governo está envolvido. O que os Estados Unidos estão certos é a localização de onde partiram os ataques. O que não está claro é quem era o ser humano na máquina naquele momento. Mas a máquina está na China, está muito próxima de uma agência governamental em Xangai e vem da China.

ZH – O que Obama e Xi Jinping podem negociar a esse respeito?

Nazli – Para os EUA serem levados a sério nas negociações, precisam se organizar para se defender. Caso contrário, irão para as negociações com palavras vazias. Acho que Obama fará gestos de boa vontade para negociar, pode tentar convencer os chineses de que tem sérias evidências e pode dar início a uma retaliação. Mas acho que os chineses estão ganhando tempo e vendo quanto tempo eles podem atrasar até admitir que não estão se comportando bem. De um ponto de vista pragmático, eles preferem que isso prossiga por um tempo, sem defender as invasões em público. Eles não dirão “temos o direito de hackear”. Acredito que Obama irá mostrar evidências concretas, mas os chineses devem negar. Esse é um problema de relações internacionais, mas no mundo políticos ainda não aceitamos plenamente que o ciberspaço e o mundo físico é um mundo só.