O tombamento de um caminhão baú na saída da Ponte Pedro Ivo, que liga a área continental à ilha de Santa Catarina, registrado às 5h desta quinta-feira, gerou caos no trânsito da Capital e de cidades da região metropolitana durante toda a manhã. A situação expõe mais uma vez o problema enfrentado por moradores e visitantes da região por conta do gargalo existente para o acesso à Ilha.
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O que mais preocupa os moradores e visitantes que se atrasaram para os compromissos nesta manhã é saber que, caso um problema parecido volte a ocorrer, mais uma vez não haverá por onde “escapar” do caos e filas quilométricas. Somente entre as cidades de Biguaçu e São José, do km 198 ao 205 da BR-101, foram registrados sete quilômetros de congestionamento em decorrência do acidente.
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A reportagem do Diário Catarinense conversou com a urbanista e professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFSC Adriana Rossetto sobre as dificuldades do acesso à Ilha e como isso afeta as condições de trânsito e mobilidade urbana da Grande Florianópolis. Ela destaca que sem vias alternativas ao gargalo, a saída para evitar esse tipo de situação é investimento em transporte público e incentivo a meios alternativos de locomoção.
Confira entrevista:
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Diário Catarinense: O tombamento do caminhão baú comprometeu o trânsito da capital e das cidades da Grande Florianópolis. Há uma razão para que um único acidente tivesse esse efeito?
Adriana Rossetto: O que acontece é que nós temos um gargalo muito grande de acesso à Ilha e uma inversão da distribuição das atividades. Predominantemente, a maioria está fora da Ilha e a concentração das atividades, como serviços, hospitais, universidade, os grandes pólos estão concentrados na Ilha. Como só tem um único acesso, não existe a possibilidade de fazer uma distribuição, diferente de outras cidades, que, mesmo que você concentre na área central a maior parte das atividades, as pessoas vêm de diversos caminhos. O segundo ponto é que também não há uma priorização ao transporte coletivo, de massa, e até há certa dificuldade em fazer isso. Também tem a questão de se ter um único meio de ligação com a Ilha. A gente não tem o transporte marítimo, só temos a ponte, então isso forma um grande gargalo. Sempre que acontece qualquer acidente na ponte, na entrada ou saída, dá esse efeito cascata por toda a Ilha e região metropolitana.
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Hoje o trânsito de Florianópolis gira em torno da ponte, pois ela é o único acesso de entrada e saída da Ilha. Quais ações poderiam ser feitas para minimizar os transtornos gerados em toda região?
Adriana: Uma das questões bem importantes é que existe um foco muito grande no transporte individual. A gente tem uma utilização de carros extremamente alta, que poderia ser minimizado um pouco se houvesse maior investimento em transporte público. Uma das primeiras coisas que uma cidade pode fazer, independentemente até da característica geográfica, que é muito peculiar aqui da Ilha, é ter uma estrutura de transporte público de massa que seja eficiente, pois são poucas as alternativas de fazer conexão entre a Ilha e a parte continental. Evidentemente, a ligação marítima poderia ser uma delas, mas a gente não resolve a questão de transporte com uma única modalidade. Ela é intermodal por natureza, a gente teria que ter todas as modalidades possíveis. Deveria ter maior incentivo para os transportes alternativos, como a bicicleta, e também para que as pessoas pudessem andar mais. Além disso, também há a necessidade que haja uma consonância entre o planejamento do uso e ocupação do solo com essas alternativas. É preciso tentar distribuir melhor essa centralidade, dar mais autonomia aos bairros, dar mais autonomia aos municípios aqui da própria região, pois hoje as coisas se concentram aqui dentro da Ilha. Então a própria região metropolitana não funciona como um sistema autoalimentado. Deveria haver uma política que oferecesse melhor infraestrutura em todos os municípios e também uma melhor distribuição do uso e ocupação. Se não há estratégias para inserir todos os tipos de população, começa a acontecer isso: as pessoas têm que morar cada vez mais longe e precisam se locomover cada vez mais. Não tendo um transporte público eficiente, a gente fica dependendo do rodoviário individual e, neste caso específico de Florianópolis, da ponte.
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O ordenamento urbano de Florianópolis é um fator agravante para os problemas de trânsito?
Adriana: O ordenamento obedeceu na época uma característica de relevo. Nós temos um relevo complicado na Ilha. Temos diversos ecossistemas frágeis, mangues, a cadeia de morros que a gente tem em todo o centro da Ilha fez com que as ocupações fossem muito dispersas, muitos espalhadas. Se fosse uma área plana, seria historicamente mais fácil crescer. Mas não houve uma preparação. Foi utilizada a estrutura inicial, destinada a poucas pessoas, como uma estrutura definitiva e tudo foi construído em cima dessa estrutura. Então a solução não é aumentar a estrutura só para carros, mas aumentar a estrutura principalmente do transporte público. Outro ponto que agrava é a atratividade das praias, um fator que levou a cidade a crescer tão espalhada. Há várias localidades muitos distantes entre si, que demandam longos deslocamentos das pessoas pela Ilha. É preciso rever, inclusive, a questão do mercado imobiliário, que deixa os preços muitos altos e impede as pessoas de morarem próximas ao trabalho por exemplo.
Como você avalia, de modo geral, a mobilidade urbana de Florianópolis?
Adriana: A gente deveria repensar muito a questão do transporte coletivo. Não adianta a gente ampliar a estrutura para carros. Quanto mais a gente amplia, mais carros têm. Quando mais você amplia a estrutura voltada ao transporte individual, mais as pessoas continuam optando pelo carro porque elas demoram muito para ir com o ônibus, que é caro, pois nós não temos uma tarifa muito convidativa. Mesmo as novas tecnologias, como o Uber, é maravilhoso para quem precisa, mas continua sendo um transporte individual. Assim, as pessoas acabam sendo incentivadas a não utilizar o transporte público. Primeiro a gente deveria repensar essa questão do transporte público e também repensar essa questão do uso e ocupação do solo com o Plano Diretor e rever as nossas estruturas para tentar reduzir um pouco os gargalos que a gente têm em pontos específicos, nas vias de ligação, que congestionam em determinados horários.
Uma legislação voltada à restrição da circulação de caminhões em determinados períodos seria uma alternativa viável para lidar com esse problema?
Adriana: O caminhão tombou às 5 horas da manhã, então independentemente de se fazer restrição de horários ele teria que entrar em algum horário. Talvez pensar em tamanhos de caminhão ou coisas nesse sentido. Acho que sim, é uma das alternativas, assim como investir em um plano de contingência, mas nada é resolvido com uma única opção, é preciso atacar várias frentes e essa pode ser uma solução para determinados problemas em determinados locais e horários, mas não é a única solução. Fazendo isso não vai resolver o problema do congestionamento. Ao parar no congestionamento é possível perceber que são poucos caminhões que transitam. O problema realmente é o volume de carros.
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