As principais ações levadas à Justiça em tom de cobrança por melhorias na saúde municipal de Joinville nos últimos quatro anos carregam a assinatura da promotora Simone Cristina Schultz Corrêa. Titular da 15ª Promotoria do Ministério Público na cidade, voltada à cidadania e ao terceiro setor, ela tem feito uma cruzada por melhores condições de atendimento, como mais agilidade nas filas reprimidas e na entrega de medicamentos.

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A judicialização das cobranças chegou a afastar o então secretário da Saúde, Armando Dias Pereira, por meio de uma liminar concedida em março do ano passado. O MP o acusava de descumprir determinações anteriores da Justiça. O episódio trouxe avanços, como a divulgação das filas para consultas públicas após a nomeação de Larissa Brandão Nascimento como secretária da pasta.

Mas a promotora ainda enxergava omissão do município e pediu também o afastamento de Larissa em abril – a secretária deixou a pasta por iniciativa própria no mês passado. A nova titular da Saúde seria um nome familiar para Simone: foi nomeada Francieli Schultz, procuradora de carreira do município, irmã da promotora.

Os laços fraternos, no entanto, não devem amarrar as mãos de Simone Schultz. Cobranças partindo do gabinete dela continuaram e por pouco não implicaram o afastamento temporário do prefeito Udo Döhler. Se mais dois votos fossem favoráveis à abertura de uma comissão processante pela Câmara de Vereadores, na segunda-feira, para apurar a eventual infração político-administrativa por parte de Udo, ele seria afastado por até 180 dias do Executivo.

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A Notícia – Desde quando suas atenções estão voltadas à saúde do município?

Simone Cristina Schultz Corrêa – Assumi esta promotoria no final de 2011. Começamos a perceber primeiro as filas em quase todas as especialidades. Já em 2012, quando a administração estava mudando, começamos as tratativas para tentar resolver as filas, melhorias nos hospitais e outras unidades. Houve manifestações iniciais de acordo da Prefeitura, mas que nunca se materializaram. Vieram as primeiras ações. Houve tentativa de acordo antes e depois das ações, depois das liminares. Essas medidas, agora, vêm de um descumprimento e de uma falta de interesse em solucionar imensos problemas por parte do município. Os problemas foram criados por esta administração? Não. Eles vêm se avolumando de anos para cá, mas aumentaram nesta administração porque não houve movimento de solução.

AN – A senhora entende que há falta de vontade ou o problema é de gestão?

Simone – Não posso dar minha opinião pessoal. O fato é que, nos processos, não houve comprovação de cumprimento nem justificativa que impedisse o cumprimento dessas liminares. São algumas liminares descumpridas, quatro com intimação pessoal do prefeito. Considerando que decisão judicial descumprida pode configurar crime de responsabilidade, infração político-administrativa, se acontecer de outras não serem cumpridas, elas vão seguir o mesmo caminho. O Legislativo vai ser comunicado, a 13ª Promotoria e o procurador-geral vão ser comunicados.

AN – Se as determinações judiciais não têm sido cumpridas, o que pode ser feito?

Simone – Há vários pedidos no processos, mas na maioria em que há liminar descumprida pedimos aplicação de multa e o bloqueio de valores do município para implementação das filas pelo próprio Poder Judiciário. Estou aguardando a decisão do juiz. Já aconteceu em algumas ações, houve bloqueio de valores em alguns processos. Nessas ações em que houve bloqueio, pedimos que o Judiciário use o dinheiro para implementar as decisões.

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AN – Como a senhora recebeu a nomeação de sua irmã para a pasta da Saúde? Como tem sido a relação?

Simone – Foi uma surpresa para mim, mas o meu trabalho não muda. Não há como mudar. Trabalho é trabalho, família é família. Fiz uma consulta na minha corregedoria para me resguardar sobre eventual impedimento ou suspeição. Não há resposta ainda, mas num primeiro momento não vejo impedimento nessas ações que tramitam porque são contra o município, não contra a pessoa.

AN – Em abril, foi pedido o afastamento da então secretária Larissa Brandão. Houve avanços no início?

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Simone – No início, houve um movimento para solucionar. Depois, não aconteceu mais. Houve uma desídia (tendência a se esquivar) por parte dela, do prefeito. Na verdade, a gestão do município é do prefeito. Ele tem que ter a gestão sobre todas as pastas. Se o secretário não dá conta, ele tem de tomar para si. Não adianta colocarmos só a responsabilidade nos secretários. É um todo. O gestor é o prefeito.

AN – A senhora aguarda posição da Procuradoria-geral quanto a um pedido de intervenção na Saúde do município.

Simone – O pedido não veio por causa do descumprimento de quatro liminares, mas sim pelo contexto de caos na saúde pública do município. Caos que vem estampado na necessidade de se judicializar tudo o que diz respeito à saúde. Quando é preciso entrar com ação para cobrar que o básico na saúde pública seja feito, a coisa está errada. Imagine dezenas de ações para conseguir medicamentos, fraldas, atendimento. Isto é um caos. É por causa deste caos, que representa a falta de capacidade de gestão do município, que fizemos o pedido ao procurador-geral para, se entender que deve, pedir a intervenção no Tribunal de Justiça.

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AN – Seus ofícios à Câmara levaram o Legislativo a avaliar uma comissão processante contra o prefeito. Como a senhora avalia a negativa em relação à comissão?

Simone – Eles têm a legitimidade e atribuição para isso. Se entenderam que não devem, quem sou eu para dizer que devem? Aqui, na minha promotoria, sei o que tenho de fazer. Na casa deles, eles precisam saber. São os representantes do povo, então é uma situação complicada porque eles têm de tomar decisões representando a vontade do povo. Foi assim que aconteceu? Não sei. Fiz o meu papel de comunicar.

AN – A Prefeitura fala em buscar o entendimento, mais prazos, mais alternativas. Há possibilidade?

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Simone – Nesses processos onde há liminares descumpridas, dezenas foram as tentativas do MP para se tentar chegar a um acordo. Reuniões, e-mails, petições. Vários foram os prazos elastecidos, inclusive, pelo juiz. Eu que deixo a pergunta, então: em qual processo não houve tentativa de diálogo, de acordo? Só lembro do périplo do MP em tentar chegar a um consenso nessas ações.

AN – A senhora acredita em decisões judiciais mais rigorosas daqui em diante?

Simone – Espero e acredito que sim. A minha expectativa, como promotora, é de uma resposta do Judiciário quanto às solicitações que o MP fez. As decisões são firmes, fundamentadas, mas espero que haja uma majoração de multa, que esses valores bloqueados sejam revertidos para cumprir as decisões.

AN – Alega-se que seria inviável acabar com a demanda reprimida em tão pouco tempo.

Simone – Claro que deve ser bem mais difícil hoje do que em 2012. Hoje há mais liminares a se cumprir. Será preciso mais dinheiro, mais gestão. A própria omissão do município trouxe esta dificuldade. Se tivessem agido sem necessidade de se judicializar, seguiriam seu cronograma de ações. Mas não agiram, não cumpriram as decisões. É algo que esta administração colheu.

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PDF: clique e confira a íntegra do contraponto enviado pela Prefeitura