Negro, homossexual, ex evangélico e da periferia. Este é o perfil de um dos convidados da 3ª Semana da Diversidade de Joinville, que começa nesta quarta-feira. Samuel de Paula Gomes é ativista das causas de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros (LGBTs), e estará em Joinville para falar sobre sua história de vida, que ele também conta em seu livro Guardei no Armário.
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O evento segue até sábado e conta com mesas de debates, palestras, oficinas e apresentações culturais. A Semana da Diversidade foi aprovado na categoria mecenato do Sistema Municipal de Desenvolvimento pela Cultura (Simdec).
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Samuel vai conversar com o público na sexta-feira, a partir das 19 horas, na Sociedade Kênia Clube. Ele vai palestrar sobre o tema Nossa História de Pele: desejos ?desviantes? e questões raciais. Samuel defende a volta das pastas do governo federal para que a sociedade evolua:
– Se não olharmos com carinho para cada minoria, não vamos alcançar o respeito. Ver LGBTs sendo mortos, expulsos de casa, sendo mortos psicologicamente, é muito triste. Enquanto as pessoas não tiverem empatia, não se colocaram no lugar do outro, entender que suas palavras podem machucar, acho que a gente não consegue evoluir. Ainda falta muito, mas não podemos retroceder naquilo que já conquistamos – defende Samuel.
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Confira a programação completa da 3ª Semana da Diversidade de Joinville
Em seu livro, o ativista fala sobre como descobriu-se homossexual, a pressão da Igreja, o medo do inferno, o primeiro beijo, o impulso amoroso, a primeira transa e o apoio encontrado em uma ONG. O título Guardei no Armário faz referência à expressão ?sair do armário?. Para Samuel, é essencial que as minorias se unam:
– Os movimentos sociais têm que se unir. Os LGBTs tem que estar com a galera afro, com os deficientes. Cada um tem sua bandeira, mas podemos estar juntos – disse.
Confira a entrevista completa com Samuel:
Sobre o que você vem falar na Semana da Diversidade?
– Eu fui convidado por conta do meu livro, o Guardei no Armário. O projeto nasceu há alguns anos, com a ideia de construção de um Tumblr, que conta minha história. Cresci na igreja evangélica, muito tradicional. E eu sei que sou gay desde os seis anos de idade. Eu sofria muito lá dentro, porque eu não me aceitava. Quanto eu estava na faculdade, sem ter tido nenhum tipo de relação, eu comecei a estudar sobre a homossexualidade. E comecei a frequentar sessões com psicóloga e a frequentar o Projeto Purpurina, criado por pais de homossexuais, aqui de São Paulo. Tudo que eu fui aprendendo, eu deixei registrado nesse Tumblr. Foi aí que meus amigos sugeriram escrever um livro.
Como foi a construção do livro?
– Enquanto eu estava escrevendo, eu pesquisei e descobri que no Brasil, mais de 55% da literatura nacional sequer tem um personagem que não seja branco. Isso me incentivou ainda mais, sendo negro, da periferia, ex evangélico. Fui ensinando meus pais, me desligando da igreja, tirando todo aquele peso, todas aquelas condenações. Eu sei que minha história não é a única, não é pra ser como um manual. Na metade da construção, eu criei um canal no YouTube, para outras minorias contarem suas histórias. No meu canal, eu quase não apareço. O livro foi feito de forma independente. Estava juntando dinheiro para fazer intercâmbio e quando surgiu a ideia, achei que tinha a necessidade de escrever esse livro.
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Como tem sido o retorno?
– O retorno das pessoas tem sido muito legal, elas chegam pra mim e pedem para eu não parar com o projeto. As pessoas falam: ‘A sua história é igual a minha’. Eu quero que as pessoas terminem de ler o livro, com uma sensação de empatia, de se colocar no meu lugar e no lugar dos outros.
Como é o acolhimento da comunidade LGBT?
– Eu coloco também no livro, uma situação que eu passei. No movimento LGBT, já passei alguns casos de racismo, não são todos, são casos isolados. O que eu coloco no livro é sobre a sexualização do negro, seja no movimento LGBT ou fora. É o fato de você só ser visto para o sexo. Dentro do meio LGBT, os negros sequer são vistos para o relacionamento monogâmico. A grande maioria consegue entender muito mais o que é ter empatia, sem tirar o protagonismo dos outros. Isso porque eles passam por homofobia, por preconceito. Muitas vezes, as bandeiras caminham juntos. É mais difícil quando as pessoas não têm essa vivência, não passam por algum tipo de opressão.
No que o Brasil precisa evoluir para afastar todo tipo de preconceito?
– Primeiro, eu acho que devem voltar todas as pastas que tínhamos há alguns meses. Se a gente não olhar com carinho pra cada minoria, a gente não vai conseguir alcançar o respeito. Ver LGBTs sendo mortos, expulsos de casa, sendo mortos psicologicamente, isso é muito triste, acaba com a pessoa. Ela não consegue se imaginar feliz, fica com depressão. Não é só o LGBT, eu como negro não me achava bonito. Eu me olhava no espelho e não me via bonito, porque o padrão de beleza é outro. Enquanto as pessoas não tiverem empatia, não se colocaram no lugar do outro, entender que suas palavras podem machucar, acho que a gente não consegue evoluir. Se você for pensar no Brasil, tem muitos jovens sendo expulsos de casa. Eu acho que ainda falta muito, mas não podemos retroceder naquilo que já conquistamos
Como são as igrejas inclusivas?
– Aqui em São Paulo, são seis. Eu era da Congregação Cristã do Brasil, que não aceita. Quando eu saí da igreja, eu ainda tinha aquela necessidade de exercitar a minha fé. Eu encontrei uma igreja inclusiva. Lá, têm pessoas que foram expulsas da sua igreja de origem. Mas naquele momento que eu fui, eu percebi que ali eu não teria respostas. Eu respeito todas as religiões. Na época que eu era da igreja, eu não respeitava. Eu tenho uma noção particular, de que eu não preciso ir para igreja para ser aceito por alguma divindade. Eu acho que falta para igrejas aprenderem que lidar com a vida não é uma questão apenas espiritual. São desejos, sentimentos, emoções. Para os LGBTs que ainda têm necessidade de ir para igreja, que vão para igreja que aceitem eles como são. Imagina você viver uma vida inteira sem poder amar uma pessoa. Isso é você acabar com sua a vida.
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