Depois de transformar uma crise política ucraniana no pior impasse mundial desde o 11 de Setembro, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, pisou no freio na manhã desta terça-feira.
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De surpresa, no Kremlin, sede do governo russo em Moscou, Putin anunciou que as divisões que faziam exercícios de guerra na fronteira com a Ucrânia desde quinta-feira haviam recebido ordens de dar meia-volta e retornar a suas unidades.
– A força militar será o último recurso – afirmou o presidente a propósito das cada vez mais tensas relações russo-ucranianas.
O balanço do dia:
> Rússia aceita participar de reunião da Otan sobre Ucrânia
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> Putin afrouxa aperto militar, mas diz que “não há presidente em Kiev”
> Navios de guerra russos atravessam o Estreito de Bósforo rumo à Ucrânia
> Russa Gazprom anuncia suspensão do desconto no gás concedido à Ucrânia
Se a opção militar foi colocada de lado, pelo menos temporariamente, a artilharia política e econômica foi intensificada. Putin afirmou que “não existe presidente na Ucrânia”, que a Rada (parlamento) é apenas “parcialmente legítima” e que o atual governo de Kiev é composto de “nazistas, nacionalistas e antissemitas”. Anunciou que os preços do gás negociados com o presidente deposto, Viktor Yanukovich, voltarão aos patamares de dezembro. Afirmou que a ação de forças russas na Crimeia é uma “missão humanitária” destinada a “proteger cidadãos de nacionalidade russa” e disse que a renúncia do governo autônomo crimeano foi seguida de uma nova eleição pelo parlamento, no qual “mais de 60 partidos” estão representados.
Um dos aspectos mais curiosos da entrevista de Putin não foi expresso de forma verbal. Sentado numa pequena cadeira em frente aos jornalistas (o presidente russo mede 1 metro e 65 centímetros), ele parecia desconfortável. O tronco permanecia inclinado para o lado direito, apoiado sobre o braço da cadeira, as pernas e o casaco aberto. O rosto estava por vezes contraído, e a voz, gaguejante. Durante o encontro, Putin gesticulava com uma folha de papel nas mãos.
A fala de Putin foi o primeiro gesto de desescalada numa frenética sucessão de ameaças, exibições de força e negociações malogradas iniciada com a deposição do presidente ucraniano Viktor Yanukovich, no dia 22 de fevereiro. Na segunda-feira, momento culminante da crise, forças regulares russas e milícias pró-Moscou haviam sitiado unidades ucranianas na Península da Crimeia (politicamente, uma república autônoma da Ucrânia). Em meio a boatos de que Putin teria expedido um ultimato a Kiev, repetidamente negados pelos russos, e à pressão crescente dos Estados Unidos e da União Europeia, o mundo amanheceu nesta terça-feira à espera do primeiro tiro. Tropas russas fecharam os acessos à Crimeia, onde a maioria da população é composta de russos étnicos, enquanto meia dúzia de vasos de guerra com a bandeira vermelha, azul e branca barravam o trânsito de barcos ucranianos na Baía de Sebastopol.
Enquanto Putin atenuava o tom, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha esqueciam rapidamente a ameaça de sanções aventada na véspera pelo secretário de Estado americano, John Kerry, e pelo primeiro-ministro britânico David Cameron. Nenhuma autoridade americana ou europeia considera a sério a possibilidade de abrir mão do mercado russo, responsável por 60% do gás natural fornecido à União Europeia. Ainda assim, os EUA apertaram o nó diplomático em torno da Rússia: anunciaram que não participarão dos preparativos da cúpula do G-8 em Sochi e que suspenderão qualquer tipo de cooperação militar com a Rússia. O gesto mais importante, porém, foi feito em direção ao governo ucraniano. Em visita a Kiev, onde depositou flores em homenagem aos mortos em Maidan, Kerry anunciou um pacote de US$ 1 bilhão e outras garantias em ajuda à combalida economia ucraniana.
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Embora Kerry tenha acentuado que a crise ingressou na “via diplomática”, na Crimeia o clima seguia nervoso na terça-feira. Uma coluna de militares ucranianos que se deslocava em Belbek, no interior da Crimeia, portando a bandeira e cantando o hino nacional, foi recebida com tiros de advertência por soldados russos, sem maiores consequências.
Do correspondente
> Sem fé na oposição, jovens ucranianos falam sobre o futuro do país
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