Ela é uma das principais atrações da Feira do Livro do Joinville, que começou no dia 8 e vai até o dia 18 de junho.

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É contra isso – e para manter viva a história e a cultura dos afrodescendentes no País – que a mineira escreve desde os anos de 1990, por meio de livros como Ponciá Vivêncio, Olhos d¿Água e Histórias de Leves Enganos e Parecenças, marcados pelas reflexões acerca das questões de raça e de gênero e pela religiosidade.

Aos 70 anos, homenageada numa exposição que atualmente ocupa o Itaú Cultural, em São Paulo, Conceição Evaristo é a convidada desta sexta-feira na Feira do Livro de Joinville. No palco principal do Expocentro Edmundo Doubrawa, ela fala sobre racismo no Brasil às 14 horas e, às 19h30, participa de um debate ao lado de Cristino Wapichana, especialista em cultura indígena. A programação completa está em www.feiradolivro.com.br.

Confira a programação completa da 14ª Feira do Livro, em Joinville

Escrever sobre a luta dos negros sempre foi sua prioridade?

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Conceição Evaristo – É um processo muito natural. Tudo que escrevo tanto uma crítica, uma dissertação de mestrado e doutorado, quanto na ficção, sempre atravesso na minha condição de mulher negra na sociedade brasileira, refletindo essa voz do sujeito mulher negra.

Ser negra, pobre e mulher significou uma batalha tripla para você?

Conceição – Sem sombra de dúvida. São várias condições que me colocaram neste lugar de interdição. A pobreza te coloca na condição de interdição de bens materiais, de estudo, de escrita, de outras editoras. Ser mulher negra é romper com o imaginário que a sociedade brasileira tem em relação à mulher negra, de que são boas cozinheiras, lavadeiras, babás, sambistas, enfim, que sabem dançar e cantar. Temos todas estas potencialidades, sabemos fazer tudo isso e sabemos dar aula, pesquisar, escrever e várias outras coisas. Mas a sociedade brasileira não vê determinadas competências, não as vê como possibilidade para uma mulher negra. Uma mulher negra e escritora é ainda mais difícil.

Sua escrita é sempre baseada em experiências pessoais?

Conceição – Nem sempre. Quando lido com a área da ficção e literatura, não estou escrevendo somente um documentário, um tratado histórico da minha vida ou da vida dos negros. Na verdade, eu utilizo da realidade para criar a ficção. Esta é a escolha de vários escritores, recolher da vivência para a escrita, mas trabalho com a ficção, vejo um fato ou circunstância que vale como ficção, como arcabouço da minha escrita e o utilizo. Tem a ver com a memória da ancestralidade, a história dos negros no Brasil e da minha família, que também tem história com a escravidão. Essa memória do que ficou para trás está presente na minha literatura. Em Becos da Memória, nada que aconteceu no livro é verdade, mas nada é mentira. São ficções da memória, justamente porque a memória esquece e precisa da ficção para cumprir essa lacuna.

O levante de escritores negros como você atenuou a discriminação no País? Acha que o preconceito ainda é velado ou ele ficou mais escancarado?

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Conceição – Não diria nem levante, porque, na verdade, em quantidade, somos poucos em relação à autoria branca e de homens. Essa autoria negra ainda é invisibilizada. Nós, escritores negros, repercutimos a voz da comunidade negra, das mulheres e homens negros, dos escritores, engenheiros, professores e de todo negro brasileiro, desde as classes mais pobres até as que têm mais poder econômico. Sobre o preconceito, a literatura é uma ferramenta que fala direto às emoções, ela tem o poder de mexer nas emoções das pessoas, que permite falar poética e enfaticamente da questão racial.

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A literatura ajudou você a expurgar seus desejos e tristezas, mas fora do âmbito particular, de que forma acha que seus textos fizeram diferença?

Conceição – Fazem a diferença na medida em que percebo que eles caem no sentimento das pessoas, e não é só no sentimento da comunidade negra. Tenho seguidores brancos da minha literatura, como o testemunho de um aluno, Renato Faria, que está lá na Ocupação do Itaú, que mostra que essa literatura faz diferença porque afirma e busca esta identidade negra ao mesmo tempo que seduz e comove negros e não negros, homens, mulheres, jovens. Esse poder, a literatura tem, de dialogar com os outros, independentemente da cor ou condição social.

Há racismo dentro das editoras, entre os críticos, nos prêmios literários?Conceição – As primeiras editoras em que consegui trabalhar foram editoras de mulheres negras, em Belo Horizonte, a Maza e a Nandyala. Atualmente, estou com uma editora negra do Rio de Janeiro, que tem negros na gerência. A questão do racismo no Brasil é estrutural e vai passar por várias instituições, editoras racistas, universidades racistas, acadêmicos racistas, políticos racistas, mídia racista, mas também vai encontrar outras cabeças, mais evoluídas e mais coerentes com a própria história do Brasil. Então, vamos encontrar editoras não necessariamente com gerência negra, mas já voltada pra várias publicações que relatam a cultura afro-brasileira, a religiosidade negra. Com sensibilidade para perceber essa diversidade.

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Ganhar o Prêmio Jabuti indica que há avanços neste sentido?

Conceição – Sem sombra de dúvida, me deu visibilidade, mas apelidei de o prêmio da solidão. Naquele momento, tinha uma publicação coletiva de uma comunidade indígena e eu. Desde a cerimônia até o público, você contava nos dedos as pessoas negras presentes. Foi bom, mas deu solidão, não vi nenhum dos meus iguais. Em termos pessoais é bom, fico feliz, lisonjeada, mas que sirva para despertar a curiosidade no sentido de buscar outras mulheres negras que estão escrevendo. Despertar para o fato de que a competência é igual.

Qual é a principal mensagem que você busca passar nos encontros com leitores?Conceição – Gostaria muito que as pessoas prestassem atenção no meu texto, que lessem o texto mesmo, que não fossem só pela mulher negra, que vejam o trabalho que eu faço. Eu trabalho com a arte da palavra, independentemente se conto a morte de um menino, mulher ou família negra, mas o pano de fundo do trabalho me obriga a fazer um trabalho com a palavra. A literatura vale na medida em que leva ao encontro do outro, independentemente da condição ou da cor da pele.

SERVIÇO

O quê: 14ª Feira do Livro de Joinville.

Quando: de 8 a 18 de junho.

Onde: Expocentro Edmundo Doubrawa e Centreventos Cau Hansen, avenida Beira-rio, 315, América.

Quanto: entrada gratuita.