Além da curiosidade despertada, a escolha de Robert Pattinson, por David Cronenberg, para protagonizar Cosmópolis, tem duas consequências opostas. Ao mesmo tempo em que as limitações dramáticas do galã juvenil funcionam à perfeição na proposta de composição de um sujeito andrógino e indiferente ao mundo ao seu redor, sua falta de expressividade é fundamental para tirar do filme qualquer traço de emotividade, ajudando a dar a ele um caráter radicalmente cerebral e, em consequência disso, quase impenetrável.
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Cosmópolis é assim: eficiente em suas metáforas sobre isolamento, artificialização das relações e busca sem limites pelo poder, mas frio e estranho aos olhos do espectador. Qualquer espectador.
Adaptação da obra de Don DeLillo, o longa que está em cartaz no país traz Pattinson como um milionário almofadinha que, obcecado por cortar o cabelo, decide cruzar Manhattan em sua limusine mesmo que Nova York vivencie o caos devido aos protestos pela visita do presidente dos EUA à cidade.
Além de fazer uma ponte com os movimentos recentes de ocupação de Wall Street, o filme marca o retorno de Cronenberg a um cinema de estrutura menos clássica do que seus títulos realizados nos anos 2000 (os ótimos Marcas da Violência e Senhores do Crime e o discutível Um Método Perigoso) e cujo experimentalismo remete a seus trabalhos mais antigos, pré-eXistenZ (de 1999).
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Este experimentalismo é visual, com seu chroma-key propositalmente artificial a ilustrar as imagens vistas através dos vidros do carrão, e também narrativo, à medida que Cosmópolis se constrói de maneira fracionada, com muitos e longos diálogos em poucos cenários.
Em sua falta de vida – sua robotização, o que garante a coerência com a obra pregressa do diretor -, o protagonista faz sexo sem sentir prazer, arrisca sua fortuna sem ter medo de perdê-la, mata um segurança sem remorso e não entende como o dinheiro não pode comprar o que ele quer. No caso, a Capela Rothko, localizada em Houston, Texas.
As aparições de grandes atores como Juliette Binoche, Matthieu Amalric e especialmente Paul Giamatti, todos em personagens com os sentimentos à flor da pele, servem como contraponto à frieza de Pattinson. É como se todos constituíssem um único antagonista. É como se afirmassem reiteradamente que há algo a sentir lá fora, chamando-o a um renascimento. Mesmo que este renascimento, paradoxalmente, possa vir com a morte, como o ameaça o perseguidor interpretado por Giamatti.
Você não precisa ser um fã da saga Crepúsculo para achar Cosmópolis bizarro. Mas deixe o tempo agir sobre o filme. Vai ver que ele cresce com o distanciamento – o que não ocorre à toa, dadas as escolhas de Cronenberg. Nada assim próximo dos dois Wall Street de Oliver Stone, do recente Margin Call (2011), muito menos de A Fraude (com Ewan McGregor): na comparação com outros títulos que falam de mercado financeiro, Cosmópolis é um ensaio muito mais radical sobre a miséria humana revelada pela ambição desmedida.
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