A união do astro da saga Crepúsculo com o cultuado diretor de A Mosca e Videodrome, David Cronenberg, só podia provocar curiosidade.

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Desde a sua primeira exibição, no Festival de Cannes, em maio passado, Cosmópolis tem dividido os espectadores. Tem tudo para fazer o mesmo quando começar sua carreira nos cinemas brasileiros – o que inclui as salas porto-alegrenses -, a partir desta sexta.

A trama registra um dia na vida do menino de ouro do mundo financeiro Eric Packer (papel de Robert Pattinson), de 28 anos. Seu objetivo é chegar ao outro lado de Nova York para cortar o cabelo, mas a cidade está em tumulto devido aos protestos causados pela visita do presidente dos EUA. Em sua limusine branca, preso no trânsito, ele passa o dia observando o caos e percebendo, impotente, como seu império vai aos poucos entrando em colapso.

Os temas centrais são a crise do capitalismo e dos valores no mundo contemporâneo, mas não foi por acaso que David Cronenberg escolheu Pattinson como protagonista: sua intenção, declarada, por exemplo, na entrevista coletiva realizada em Cannes, também é falar de isolamento e da forma como celebridades vivem cada vez mais desconectadas do chamado mundo real.

– É este um dos grandes dramas de Packer. Tudo o que ele domina, domina em seu universo, no caso, sua limusine. Quando está fora dela, da sua zona de conforto, ele é desconectado e frágil. E não seria esta uma realidade dos nossos astros de cinema, dos jovens milionários do sistema financeiro, tecnológico? – questionou o cineasta canadense durante o festival francês.

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Depois de acertar a mão com dois filmes protagonizados por Viggo Mortensen (Marcas da Violência, de 2005, e Senhores do Crime, de 2007), Cronenberg dividiu a crítica ao falar da relação de Sigmund Freud e Carl Jung em Um Método Perigoso (2011). Cosmópolis marca seu retorno ao circuito menos de um ano depois, em busca da aprovação que não veio com o longa-metragem anterior.

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O novo filme também tem no elenco atores reconhecidos internacionalmente como Juliette Binoche, Paul Giamatti, Mathieu Amalric, Samantha Morton e Sarah Gadon, todos interpretando personagens que cruzam o caminho de Eric Packer, fazendo negócios com o jovem milionário, cumprindo tarefas que ele determina ou mesmo proporcionando sexo eventual no interior de sua limusine.

– Ele não se comunica com o mundo, usa seu dinheiro para construir microcosmos em que se sente seguro e acha que dar uma volta a pé na rua é perigoso. Aparentemente, só quer cortar o cabelo, mas está tão fechado em seu pequeno mundo que o longa é uma metáfora para esta volta à inocência. Tento detectar algo que nos está fugindo e para o qual temos de voltar – comenta o diretor.

Matriz literária

por Carlos André Moreira

Um homem que pensa deter o poder sobre a realidade, não apenas a sua, mas a dos outros, é gradativamente confrontado com o esfacelamento de seu mundo enquanto se esforça para atravessar o trânsito congestionado da maior metrópole do planeta. Se fosse resumido a apenas uma trama, o romance Cosmópolis, de Don DeLillo, no qual Cronenberg se baseou para fazer o longa que estreia nesta sexta, talvez fosse o sumário acima. Mas há mais, como em todos os romances do autor, um dos melhores tradutores literários da voragem pós-moderna.

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Cosmópolis é, mais do que um romance, uma parábola moral sobre a anomia do século 21, expressa na figura de um jovem milionário que passa o dia conversando com empregados e associados, tendo sexo eventual e testemunhando, sem compreender, a ascensão de forças contrárias que anteciparam em anos as recentes manifestações do movimento Occupy Wall Street.

Aos poucos, o protagonista é despido de tudo o que parecia defini-lo e protegê-lo: fortuna, segurança, visão de mundo, e até sua armadura motorizada.