— Aqui ficava a dona Alcina. E mais ali, a dona Otília — lembra o morador do Beco da Carioca José Roberto Melzer, apontando para os pedras onde as duas lavadeiras de bica trabalhavam desde a metade do século passado. Dona Alcina ainda é viva e completará 100 anos nesta terça-feira, mesmo dia em que a fonte histórica de São José será reinaugurada.
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Em desuso desde os anos 70, o Beco da Carioca se mistura à fundação da própria cidade. Foi a principal fonte de água potável dos josefenses lá nos idos de 1750. Virou um lavadouro público em 1840, com cisterna e torneiras. Nessa época, foram instaladas 14 pedras para bater a sujeira das roupas, trabalho realizado durante muito tempo por lavadeiras, escravas ou não.
Com o crescimento da cidade, a água da bica ficou poluída, as paredes acumularam limo e o local ficou sem sinalização, sem referências históricas e sem água. Segundo os moradores, acabou virando destino de usuários de drogas.
Em abril de 2017, a revitalização do Beco saiu do papel, quando a prefeitura de São José ganhou o apoio do Fundo para Reconstituição de Bens Lesados (FRBL), do Ministério Público. O recurso, R$ 149.797,88, é fruto de condenações, multas e acordos judiciais e extrajudiciais. As obras começaram em outubro. Nesta segunda-feira, a reportagem esteve no beco para conversar com os moradores sobre a obra. Todos comemoraram, mas nem tudo era elogio.
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O que pensam os moradores
Enquanto os funcionários executavam os últimos detalhes para a inauguração, José Roberto Melzer acompanhava os trabalhos de perto. O morador recém se aposentou e diz que agora terá mais tempo para se dedicar ao espaço.
— Todas as árvores que tem aqui, essa, aquela grandona lá, fui eu que plantei. Se não fosse eu, não tinha mais sombra aqui. Eu pego meu carro, vou até o horto e trago as mudas para cá. Deixo crescer um pouquinho e vou plantando.
O morador, que considera o Beco da Carioca como o quintal de casa, acredita que a revitalização irá trazer turistas e vida para a região. Mas lamenta:
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— A minha ideia não seria essa. Era primeiro tratar essa água. Carioca já diz no nome, é uma nascente de água. Mas claro, com esse dinheiro que a prefeitura tinha não dava para fazer mais do que isso.
Nascido e criado no Beco da Carioca, o policial aposentado Francisco de Souza celebra a revitalização.
— É um trabalho que está agradando os moradores da Carioca. Já está sendo visitado por muitas pessoas, inclusive de fora do município. Agora a gente só espera que haja preservação. Estava um tanto abandonada, sendo usada por andarilhos.
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O morador diz que não entende muito de história, mas se emociona por morar em um local tão importante para o passado de São José.
— A história em si marca os movimentos de pessoas que habitaram determinado tempo e deixaram registrada sua presença através de suas obras. Isso me alegra muito.
Descendente de açorianos, o artista plástico Lourival Medeiros irá inaugurar, também nesta terça, uma olaria. O espaço fica ao lado da fonte e também resgata a história da cidade, já que a atividade faz parte da tradição josefense.
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— A ideia surgiu antes da revitalização. E, por um passo de sorte, vamos conseguir abrir juntos. São José já foi reconhecida como a capital da louça de barro, então estou trazendo para a Carioca um ponto cultural dentro de um ponto cultural — destaca.
— Acompanhei a revitalização desde o início. A Carioca estava em agonia. Então é um passo importantíssimo para preservação do patrimônio. Entre as três cariocas que temos no nosso estado, essa é a mais bonita — concluiu o artista. As outras duas ficam em Laguna e São Francisco do Sul.
Prefeitura quer deixar fonte novamente potável
Conforme a superintendente da Fundação Municipal de Cultura e Turismo, Joice Porto, a prefeitura está produzindo um estudo técnico junto à Casan para descobrir se é possível devolver à potabilidade à bica. No entanto, conforme Joice, trata-se de um processo lento e não há prazo para a conclusão do estudo.
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A superintendente também salienta que o local, apesar de pecar na conservação, nunca foi abandonado, já que a prefeitura sempre esteve presente ali, seja na Festa do Divino ou com alunos das escolas do município. Sobre a segurança, informa que foi solicitada a Guarda Municipal para fazer rondas diariamente, serviço que deverá começar a partir desta terça.
— A gente conversou com a própria comunidade para eles se sentirem parte do Beco da Carioca, também ajudarem a cuidar. Claro, além da Guarda Municipal, que vai fazer o monitoramento diário. E provavelmente serão instaladas câmeras de segurança ali.
A cerimônia de revitalização acontece às 17h. Além de autoridades, participará do evento a centenária dona Alcina Conceição, descendente de escravos e única lavadora da bica ainda viva.
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