Uma ruazinha escondida perto da Igreja Matriz de São José, no Centro Histórico, leva para um ponto de calçamento de pedras, um local pouco iluminado pelo sol, e, infelizmente, com um cheiro nada agradável de esgoto. Na clareira, surge a Carioca, que foi a principal fonte de água potável dos antigos moradores da cidade, que chegaram por ali por volta de 1750. Hoje, o que poderia ser um dos principais pontos turísticos de São José está abandonado: com limo, sem sinalização, sem referências históricas, e claro, sem água.
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Mas o cenário deve mudar. A revitalização do Beco da Carioca ganhou apoio do Fundo para Reconstituição de Bens Lesados (FRBL). O dinheiro de condenações, multas e acordos judiciais e extrajudiciais é revertido ao fundo, que financia projetos de órgãos públicos. As propostas precisam ser aprovadas por um Conselho Gestor, que reúne membros do Ministério Público, secretarias e fundações, Polícia Militar Ambiental e Procuradoria-Geral do Estado. E foi na última análise, ainda em março, que o projeto de revitalização do beco — enviado pela prefeitura de São José — foi aprovado por unanimidade.
A grana, no valor de R$ 149.797,88, está garantida para a obra. O próximo passo é o lançamento do edital que contratará a empresa que vai realizar o serviço. A responsabilidade de todo o processo é da prefeitura.
De acordo com a superintendente da Fundação da Cultura de São José, Joice Porto, até meados de julho o edital deve ser lançado. O desejo é que em um ano — após o lançamento do edital — o beco esteja revitalizado e pronto para receber turistas. Uma data certa, disse a superintendente, ainda é difícil de confirmar, pois dependerá do andamento do edital.
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— O principal objetivo com a revitalização é transformar o local num importante ponto turístico. Transformar a área num parque. Será feito um deck, nova iluminação, sinalização e restauração do ponto histórico — detalhou Joice.
Atualmente, no riacho onde as antigas lavadeiras costumavam limpar suas roupas e de senhoras da alta sociedade josefense, só escorre esgoto. Joice explicou que também será necessário montar um plano de ação com demais secretarias, para evitar que os dejetos das casas da região sejam jogados nesta água. O riacho fica dentro da área do Beco da Carioca e deixa um cheiro desagradável no local, principalmente em dias quentes.
Carioca como ponto inicial
Não é exagero afirmar que São José cresceu ao redor da Carioca, afinal, os primeiros moradores precisavam de uma fonte de água potável, e esta foi a primeira encontrada na cidade. O espaço é patrimônio histórico do município.
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— Esta Carioca foi a primeira fonte de abastecimento da cidade. Tem uma forte ligação com a história escravocrata da região, pois eram os escravos que buscavam a água em barris ou de carroça para levarem para as casas dos senhores — explicou o historiador Nelson Felix dos Santos.
O historiador, que atua na Fundação de Cultura de São José, no ano passado levou mais de seis mil alunos e grupos de turistas para conhecer este cantinho histórico da cidade e conta, que muitas vezes, ficou surpreso em ver que muitas crianças e adolescentes nascidos ali não tinham conhecimento da importância histórica do lugar.
— Ao lado da Carioca, tinha a fonte onde os escravos também lavavam as roupas. E ali eles cantavam, podiam conversar, contavam as histórias de suas casas. Talvez era o único espaço onde eles podiam extravasar seus sentimentos — detalhou o historiador.
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Com o fim da escravidão, surgiu a profissão de lavadeira e o espaço, mais uma vez, era usado para lavar as roupas dos patrões.
— Isso durou até a década de 70 e 80. Depois disso, com o aumento populacional, a água não era mais potável e nem limpa para lavar as roupas — explicou Nelson.
Para ele, com a revitalização do Beco, este importante período histórico ganhará ainda mais relevância e chamará a atenção de mais turistas. Esta é uma das únicas cariocas no Estado. Laguna e São Francisco do Sul também possuem.
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— É importante falarmos destas memórias e lembrar o quão cruel foi o período da escravidão. Padrões rigorosos, longas jornadas de trabalho, punição. História para não deixarmos mais acontecer — refletiu o historiador.