A história da chacina de uma família de PMs mobiliza as redes sociais, em compartilhamentos que questionam a versão apresentada pela polícia de São Paulo para o crime descoberto segunda-feira na Vila Brasilândia. Questionando a versão de que um adolescente de 13 anos tenha executado a sua família com tiros certeiros de pistola .40, pego o carro dos pais, dormido na rua, ido para o colégio, retornado para casa e se suicidado, cresce um movimento que levanta outras motivações para o crime. A mobilização conta com uma página no Facebook defendendo o suposto autor, intitulada Não foi o Marcelo Eduardo Bovo Pesseghini, que esta quinta-feira tinha 6,5 mil curtidores
Continua depois da publicidade
Saiba Mais:
>> Perícia encontra luvas no carro da família
>> Especialistas apontam surto psicótico como elemento do crime
>> Delegado diz que menino tinha planos de matar os pais
Continua depois da publicidade
>> Menino suspeito de assassinato teria ido à escola antes de se matar
A polícia reafirmou que os indícios que apontam para a autoria de Marcelo são consistentes e que não há outro suspeito para o crime. Mas o clima de incredulidade permanece diante do que mais parece um enredo de filme: com um tiro na cabeça de cada familiar, o adolescente teria matado em sequência quatro familiares, na Vila Brasilândia, entre a noite de domingo e a madrugada de segunda. O primeiro teria sido o pai, Luis Marcelo Pesseghini, 40 anos, que era sargento da polícia de choque Rota. Em seguida, teria atingido a mãe, Andréia Regina Pesseghini, 36, que era cabo do 18º Batalhão da Polícia Militar, e ainda duas parentes que moravam nos fundos da casa e tomavam remédios para dormir, a avó e a tia-avó.
Depois do estranhamento diante da hipótese de que o menino sem histórico de violência tenha sido capaz de executar o plano sozinho, dirigido o carro da família durante a madrugada e assistido às aulas na manhã de segunda-feira antes de retornar para casa e cometer suicídio, a desconfiança cresceu com relatos contraditórios da própria polícia.
Na quarta-feira, o comandante do 18º Batalhão da PM, Wagner Dimas, afirmou que a mãe de Marcelo havia denunciado colegas policiais por envolvimento com roubo a caixas eletrônicos e que, por isso, não descartava a possibilidade de as mortes terem relação com as denúncias.
Quinta-feira, à Corregedoria da PM, mudou a sua versão. Disse que tinha “se perdido” no meio das declarações à imprensa, e falou que a PM não havia denunciado colegas. A polícia paulista virou alvo de novas desconfianças. Em sua edição online, o jornal britânico Daily Mail chegou a afirmar que Marcelo teria sido vítima de armação.
Continua depois da publicidade
“A polícia de São Paulo é amplamente vista como uma das mais corruptas do mundo e, nos anos recentes, policiais se envolveram em vários escândalos”, afirmou o jornal, conhecido pelo tom sensacionalista.
Quem duvida da versão de que Marcelo tenha sido o autor também questiona a capacidade do menino de manusear uma pistola potente como a .40, mas especialistas ouvidos por ZH garantem que isso seria possível (confira o quadro na página 5). Segundo testemunhas que prestaram depoimento à polícia, o adolescente de 1m60cm aprendeu a atirar com o pai. Apaixonado por armas, praticava disparos com uma arma de pressão. Vizinhos também relataram que era comum vê-lo retirando o carro da família da garagem – e que teria aprendido a dirigir com a mãe, o que explicaria como ele teria conduzido o Corsa da família durante a madrugada. A um colega, teria dito que pretendia matar os pais e fugir, além de sonhar em se tornar matador de aluguel. Em nota, a diretora do Colégio Stella Rodrigues, Maristela Rodrigues, diz que o menino apresentou no último dia de aula o mesmo “jeitinho carinhoso” de sempre.
A investigação ainda depende do resultado de novas perícias, mas tudo indica que o clima de incredulidade não acabará com a conclusão do inquérito.
Ambiente e doença poderiam ser motivos
Suspeito da morte da família, o adolescente Marcelo Pesseghini pode ter agido por conta de uma combinação entre problemas no ambiente familiar e baixa perspectiva de vida (neste caso, motivada por ser portador de fibrose cística, doença genética que afeta os sistemas digestivo e circulatório). É no que acredita a psiquiatra Lee Fu-I, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.
Continua depois da publicidade
O relato de um amigo de Marcelo aponta que ele pensava em fugir de casa (o que não seria o suficiente para levar alguém de 13 anos a matar, aponta Lee). E as fotos poderiam esconder uma frustração com a baixa expectativa de vida – a mãe informou à escola de Marcelo que ele dificilmente passaria dos 18 anos. Isso afetaria negativamente, inclusive, o clima no lar. Afinal, nunca é fácil conviver com a perspectiva de uma morte. Tanto que a mãe de Marcelo alertou aos professores de que entregava a eles “sua maior preciosidade”.
O perfil de Marcelo – 13 anos e com uma doença grave – ajudaria a alimentar a comoção. Diz a psiquiatra:
– O que pode ter acontecido (as mortes e o suicídio) é uma privação de vida. A doença poderia mexer com emocional da família pelo menino ter pouco tempo de vida.
A ANÁLISE DOS ESPECIALISTAS
Indícios fortes
– Perito criminalista aposentado Domingos Tocchetto, figura histórica na perícia nacional, que atuou em casos famosos como o de Paulo César Farias e Suzana Marcolino e o da jornalista Sandra Gomide, entre outros. É também autor e organizador de diversas obras, como “Tratado de Perícias Criminalísticas”:
Continua depois da publicidade
Armamento – Para o perito, se Marcelo já tivesse experiência em atirar, ele seria capaz de manusear a arma.
Posição dos corpos – Como o pai foi encontrado deitado e a mãe, de joelhos, acredita que a mãe tenha despertado após o primeiro tiro e sido atingida sem seguida.
Precisão dos tiros – Se a pessoa está deitada e o tiro atinge a cabeça, é uma região letal, diz o perito. Se ele já tinha um treinamento com armas, poderia cometer o crime.
Exame de pólvora – Para Tocchetto, esse exame nem deveria ser feito porque pode dar negativo em função da própria umidade do ar, que já faz a oxidação do nitrato da pólvora.
Continua depois da publicidade
– Delegado Cléber Ferreira, diretor da Delegacia Regional de Porto Alegre, com experiência em mais de 40 anos na atividade policial:
Arma – Uma vez engatilhada a pistola automática, é só apertar o gatilho, e a própria pistola vai se realimentando sozinha.
Experiência – Como ele era filho de policiais, provavelmente observava os pais e estava familiarizado com as armas.
Falta de reação – O adolescente pode ter dado o primeiro tiro no pai. Nesta hipótese, a mãe teria acordado de surpresa e não reagiu.
Continua depois da publicidade
Indícios frágeis
– Procurador Marcelo Ribeiro, que atua na 2ª Câmara Criminal e atuou durante 18 anos como promotor do Júri
Armamento – A pistola .40 tem um calibre muito poderoso, acho muito difícil um adolescente manusear. A tendência seria se assustar depois do primeiro tiro. Há policiais que têm dificuldade de manusear essa pistola, fazem curso para isso.
Precisão dos tiros – É difícil acreditar que um adolescente tivesse esse domínio que revela essa sequência, mesmo para psicopata essa frieza toda me deixa intrigado. Já vi muitos casos de adultos psicopatas, mas não assim.
Interesses contrariados – Ribeiro diz que a Rota (tropa de elite de PM de São Paulo, onde o sargento estava lotado) “é uma instituição muito perigosa e vingativa”. Para ele, existem diversos casos conhecidos. “Acho que ainda teremos muitas surpresas”, pondera.
Continua depois da publicidade
Outros suspeitos – O procurador destaca o relato de vizinhos segundo os quais adultos teriam pulado o muro, o que pode indicar que o menino teria sido usado por alguém antes de ser assassinado. Uma vizinha relatou ter visto duas pessoas – entre elas, um policial militar fardado – pularem o muro da casa horas antes de o crime ter sido notificado.