As demandas dos movimentos das mulheres mudaram ao longo da história. Antes de 1932, quando as brasileiras ainda não podiam votar, as ruas foram ocupadas em prol do sufrágio feminino. À medida que esse e outros direitos foram alcançados, as reivindicações também sofreram alterações. Passados 85 anos, as manifestações que visam a ampliação dos direitos femininos, continuam acontecendo no país e no mundo. A Marcha Internacional Mundos de Mulheres, que aconteceu nessa semana em Florianópolis, é um indicativo. Ao reunir entre 5 mil e 10 mil pessoas, segundo os cálculos da Polícia Militar e da organização, respectivamente, tornou-se evidente a pluralidade de demandas trazidas pelas mulheres pertencentes às mais variadas esferas, camadas e extratos da sociedade.
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As solicitações, tão diversas quanto as próprias vivências de quem caminhava, cantava e levantava cartazes, também permearam as discussões das questões de gênero ao longo do 13º Congresso Mundos de Mulheres. Associado ao 11º Fazendo Gênero, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o evento reuniu 9.561 inscritos de todas as regiões do Brasil e dos continentes.
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Para entender por que lutam as feministas atualmente e de que forma, apesar da diversidade de denúncias trazidas, o movimento as une, o Diário Catarinense ouviu cinco representantes do movimento. A primeira delas foi a professora da Universidade do Estado da Bahia, Cláudia Pons Cardoso, que milita no feminismo negro. Ela reconhece que a pauta das mulheres que são prejudicadas pela raça e pela identidade de gênero é extensa, mas faz questão de destacar as questões vinculadas à violência.
— [Somos] contra o genocídio da população negra, principalmente de jovens, que estão sendo assassinados em massa nesse país. A violência policial, o encarceramento em massa, a violência contra a mulher negra. A nossa pauta é de enfrentamento ao racismo porque todas essas questões são marcadas por isso — define.
A fala de Cláudia é respaldada pela pesquisadora norte-americana Kimberlé Crenshaw, que mais recentemente trouxe o termo “interseccionalidade” para o debate do feminismo no Brasil. De acordo com a especialista em teoria racial, se uma pessoa fica parada na intersecção onde múltiplas formas de exclusão se cruzam, há a chance de ser atingida por todas elas.
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É exatamente essa sobreposição de sistemas opressores que cria mais de um nível de injustiça social pelo qual as mulheres negras são vítimas. Elas morrem mais do que as brancas, inclusive em Santa Catarina, conforme mostrou o Atlas da Violência 2017. Em se tratando de feminicídios, o Estado teve um crescimento de 25,3% ao longo de dez anos, mas se considerada somente a morte de negras, houve salto de 133,4% no mesmo período.
Pauta fundamentada no combate à violência
Outro grupo que se diz impactado duas vezes pelo preconceito é o de mulheres indígenas. Ao reivindicar o reconhecimento agrário, ameaçado por parecer assinado pelo presidente Michel Temer (PMDB) no final de julho, elas também são mortas. O documento destaca que as tribos têm direito à terra “desde que a área pretendida estivesse ocupada pelos indígenas na data da promulgação da Constituição (1988)” — o chamado marco temporal —, o que é criticado por ONGs e defendido por ruralistas. As mulheres das aldeias também acabam lutando, portanto, pela própria sobrevivência, segundo pontua Kuáwá Apurinã, que é originária da fronteira entre a Amazônia e o Acre.
— Queremos nossas terras demarcadas por esse governo golpista que nos mata todos os dias. Jaqueline [Lopes Sousa] Guajajara e Marilda [Senna Guarani] Kaiowá foram mulheres assassinadas por que lutavam por suas terras. As mulheres do Mato Grosso do Sul são violentadas e assassinadas pelos pistoleiros — desabafa.
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Igualmente fora dos centros urbanos, as mulheres do campo como Adélia Maria Schmitz, de Itapiranga, no Oeste de Santa Catarina, protestam pelo direito de viver sem violência, dessa vez a doméstica. A partir dessa reivindicação, acabaram surgindo outras, conforme a própria agricultora salienta, mas todas focadas no bem-estar de quem lida com a terra e, não raro, enfrentam o machismo sozinhas.
— Um dos direitos que buscamos é que todas as mulheres tenham uma vida digna sem violência. E outro é pela agroecologia, para a produção de alimentos saudáveis que produzam saúde e não provoquem doenças. Sem veneno, sem transgênicos — disse Adélia na capital catarinense.

Urbanas tornam as reivindicações contemporâneas
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Em 1968, quando cerca de 400 ativistas pertencentes ao grupo Women’s Liberation Movement (Movimento pela Emancipação das Mulheres, em tradução livre) queimaram os sutiãs em protesto ao concurso de beleza Miss America, era dado início às reivindicações femininas mais voltadas aos próprios corpos. A partir desta data, elas passaram a questionar padrões de beleza socialmente impostos, acesso à métodos contraceptivos e aborto livre e seguro, por exemplo. Foram as mulheres das cidades quem encamparam inicialmente essas bandeiras, hoje abraçadas em unidade pelo movimento.
Também relacionada à liberdade sexual é a briga atual da organizadora da Marcha das Vadias, a mineira Sandra Muñoz, que faz questão de rebater todas as críticas recebidas a respeito da forma com a manifestação é conduzida.
— O nosso corpo é livre. Ele pode ser gordo, pode ser magro, você só tem que ter um corpo para entender que é livre. A nossa reivindicação é essa e está relacionada à nossa própria liberdade. E é coisa séria, porque não é só colocar os peitinhos para fora. É entender que a gente faz isso com a intenção de lutar por políticas públicas, que não estão sendo formuladas, nem respeitadas. Então, a gente precisa mesmo colocar nosso corpo na rua, porque esse corpo fala — explica.
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Fora dos padrões de identidade de gênero e, por vezes, de sexualidade, as mulheres trans também estão presentes no movimento feminista. Mas é preciso destacar que, dentro do próprio ativismo feminista, há resistência com elas. Superados esses cismas, as travestis e transexuais retomam a denúncia para a violência, dessa vez a partir de um corpo que foge à norma. De Florianópolis, Raíssa Éris Grimm se apóia na estatística que coloca o Brasil como o país que mais mata mulheres trans no mundo, para a ONG Transgender Europe.
— São duas mulheres trans ou travestis que morrem por dia por conta da violência. A nossa principal luta é por respeito e pelo fim do transfeminicídio. É pelas nossas vidas. Para que a sociedade possa, enfim, reconhecer as mulheres trans e travestis como seres humanos. O que acontece hoje em dia é que boa parte delas são expulsas da família, das escolas e não conseguem desenvolver formas de sustento para sobreviver, tendo como única alternativa a prostituição — conta.
Nesse contexto, a regulamentação do trabalho sexual também aparece no panfleto feminista. Em vez de punir a profissional do sexo, há o apelo para que elas sejam protegidas de cafetões e, novamente, da violência possível de ser aplicada pelos clientes.
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O QUE ELAS DENUNCIAM
Abraçadas individual ou coletivamente, as pautas do movimento feminista contemporâneo no Brasil são extensas. Confira 12 delas defendidas na última semana em SC:
1) Violências, opressões e assédios físicos e psicológicos;
2) Feminicídio;
3) A forma como os corpos femininos são enxergados como objetos e mercadorias;
4) Falta de políticas públicas específicas para enfrentamento das violências de gênero;
5) Ausência de mulheres em espaços de poder;
6) Cultura do estupro;
7) Racismo (negras e índias);
8) Expropriação violenta de terras, sementes e recursos ambientais;
9) Desigualdade salarial;
10) Invisibilização e não-remuneração de tarefas domésticas e cuidados;
11) Predomínio do fundamento religioso;
12) Criminalização do direito ao corpo e ao aborto irrestrito e seguro;
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Fonte: Manifesto Mundos de Mulheres por Direitos
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