Coordenadora-geral do 13º Congresso Mundos de Mulheres e do 11º Fazendo Gênero, a historiadora Cristina Scheibe Wolff é uma das responsáveis por trazer tantos segmentos femininos a Santa Catarina ao longo da última semana. Nesta entrevista, a professora da Universidade Federal de Santa Catarina explica a importância de dar visibilidade às mais variadas reivindicações das mulheres. Leia:
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Reivindicações tão diversas quanto as vivências: o que querem as mulheres que vão às ruas?
Ao longo da história, as mulheres sempre encamparam uma pauta diversificada?
No início, quem levantou essa bandeira do feminismo foram, principalmente, as mulheres de classe média, que no começo buscavam a questão do voto feminino. O que não quer dizer que não havia outros movimentos de mulheres, elas só não denominavam feministas ainda, mas tinham as operárias, as anarquistas e vários grupos. A pauta não era só o voto, também havia o acesso à educação e o salário igual no trabalho, por exemplo. Aos poucos, principalmente a partir dos anos 70, especialmente as negras dos Estados Unidos propuseram a diversidade. Elas disseram: “nossas pautas não são iguais às das mulheres brancas, temos particularidades. Hoje, nós queremos que o movimento feminista encampe diversidades, porque elas [negras] entraram e trouxeram diferença. Isso só foi se aprofundando ao longo dos anos, como hoje nós podemos ver tantas outras mulheres saindo juntas em manifestações.
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Quando surgiu o termo feminismo interseccional para dar conta de explicar que uma mulher negra, por exemplo, sofre preconceito de maneira diferenciada quando comparada à mulher branca?
Isso não é tão recente. O termo vem justamente dessa busca por um feminismo que leve em consideração as diversidades de outras questões. Não se dizer exatamente o ano, mas uma das principais pesquisadoras que trabalhou diretamente foi a Kimberlé Crenshaw. É uma norte-americana, afrodescendente, que escreveu muitas coisas, inclusive que estão na internet e são de fácil acesso. Nos anos 90, já se falava isso. O Brasil é que parece, agora, ter redescoberto esse termo.
Há algo em comum nessas reivindicações tão distintas?
Tem algumas coisas que são comuns, sim, que é principalmente a questão do gênero. Isso é o que nos coloca. É a desigualdade que existe entre homens e mulheres na nossa sociedade. O problema não é sermos diferentes. O problema é que existem relações de poder e hierarquia bem estabelecidas em que homens sempre aparecem com mais poder e acesso a recursos. Além do que a gente tradicionalmente chama de violência, que é o ponto de intersecção, há a própria questão econômica e social. A pobreza das mulheres é muito maior que dos homens. Elas acabam vivenciando e sendo sobrecarregadas na sua vida cotidiana, com trabalho, cuidado dos filhos, mais velhos e doentes. Acaba criando às mulheres essa carga adicional que, na verdade, deveria ser dividida. Na tenda, ouvindo as camponesas, as africanas e indígenas, percebi que elas acabam se sentindo sobrecarregadas como se carregassem a família toda. Isso também é a violência. A falta de acesso às instâncias de poder e decisão é, igualmente, violência.
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Em relação às divergências, costumam surgir cismas dentro do próprio movimento. Há mulheres que não aceitam as mulheres trans e as prostitutas, por exemplo. Como lidar com essa situação e seguir avançando rumo à mudança política e social?
Essas brigas fazem parte do debate político. O bom é que tem essa diversidade. E que a gente consegue fazer um evento como esse, que foi organizado por um grupo bastante diverso, que conseguiu sentar e organizar de forma coletiva. Criamos espaços de diálogo que trouxeram grupos variados. Estamos tentando superar essas diferenças, mas não no sentido para pensar igual. Tem que estar aberta ao diálogo. Essa é a grande lição para grupos. O congresso é um grande exemplo desse espaço de interconexão, de diálogo, de possibilidades de troca, incorporação. Incorporar. Saber o que acontece com quilombolas e outros tantos coletivos é o grande ganho além da visibilidade social.
Qual é a importância de levar para a rua essas pautas tão distintas dentro de uma mesma marcha? E também do evento, né?
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O que a gente espera é que isso tenha uma visibilidade no social. Não só aqui no Brasil, mas que também seja compartilhado da maneira mais internacional possível. E que possam ser pensados novos caminhos para enfrentar essas questões. A última conferência internacional sobre as questões das mulheres foi realizada em 95 em Pequim. Depois disso, não teve mais nenhuma. E as questões discriminatórias de gênero não se resolveram, pelo contrário, se aprofundaram com a desigualdade social, o fundamentalismo religioso e os refugiados, que na maioria das vezes são mulheres. Todas essas são questões que precisam ser debatidas e trazidas para que haja pensamento a respeito de soluções.
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