Ressuscitada no pacote de respostas às manifestações de junho, a reforma política ainda não aconteceu.

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Passados quatro meses, o Congresso discute mudanças que proíbem placas e cavaletes, dificultam a fiscalização da Justiça, asseguram repasses para campanhas e parcelam multas – um conjunto de regras que ganhou o nome de “minirreforma eleitoral”.

Aprovado na terça-feira na Câmara, o texto retorna ao Senado para novos debates em plenário. A proposta deixou de fora temas considerados centrais nas últimas décadas, como o combate ao caixa 2, o teto de gastos e o fim das siglas de aluguel. Ausências que, na opinião do deputado Miro Teixeira (PROS-RJ), reduziram a relevância da discussão:

– A reforma melhora alguns pontos, mas não resolve o problema.

Com a justificativa de reduzir os custos das campanhas, a proibição do uso de faixas, placas, cartazes e bonecos agradou a Miro. Contudo, a decisão irritou outros parlamentares, em especial pela restrição da propaganda em imóveis particulares.

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O eleitor é proibido de fixar a bandeira do seu partido em casa e só pode usar adesivos. Autor da proposta, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) argumenta que muitos proprietários cobram dos candidatos para colocar placas e bandeiras em suas residências.

Líder do PC do B, Manuela D?Ávila (RS) acredita que a norma viola a privacidade e a liberdade de expressão do eleitor, que tem o direito de exibir em casa sua preferência política:

– Em 2006, proibiram showmícios e chaveirinhos com a mesma desculpa, mas o preço das campanhas decolou. Se a intenção é reduzir custos, então que se estabeleça um teto.

Relator de um projeto de reforma política engavetado pela Câmara, Henrique Fontana (PT-RS) classifica as mudanças de “cosméticas”.

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Mesmo que as regras sejam sancionadas, a validade das normas para 2014 terá de ser decidida pelo TSE.

O que já foi votado pela Câmara

Passagens aéreas

– Para comprovar despesas com passagens aéreas na campanha basta informar quanto foi gasto, mediante apresentação da cópia da fatura ou da duplicata emitida pela agência de viagens. O bilhete eletrônico deixa de ser exigido, o que impedirá saber o usuário e o trajeto da viagem.

Prestação de contas

– A Justiça terá de fiscalizar o caixa das campanhas somente com o “exame formal de documentos contábeis e fiscais apresentados pelos partidos”, sem poder cruzar outras informações. O texto dispensa comprovação de doações de bens móveis de até R$ 4 mil.

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– Fica proibido em vias públicas o uso de cavaletes, placas, bonecos e similares, além de faixas, pinturas e pichações. Nas ruas, só é permitido estampar bandeiras. Em propriedades privadas, só são permitidos adesivos de 50x40cm. É vedado uso de outdoors, inclusive eletrônicos.

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Multas

– O texto aprovado alivia o pagamento das multas. Penalidades eleitorais para candidatos, eleitores e partidos podem ser divididas em até 60 meses. A parcela da multa não pode ultrapassar 10% dos vencimentos do infrator. A medida tenta evitar o comprometimento da renda do multado.

Ofensas virtuais

– Criminaliza quem contrata pessoas para enviar mensagens e comentários na internet a fim de ofender ou denegrir candidatos, partidos ou coligações. A punição prevê detenção (dois a quatro anos) e multa de R$ 15 mil a R$ 50 mil. Os contratados podem ser presos e multados.

Limite de gastos

– Não estipula teto para as campanhas, mas prevê percentuais máximos para os gastos com alimentação e aluguel de veículos. Para a alimentação de quem trabalha na campanha, é possível consumir até 10% do arrecadado. Já com a locação de veículos, o teto fica em 20%.

Campanha antecipada

– Libera a pré-campanha, ao permitir a participação de pré-candidatos em entrevistas, programas, debates em rádio, TV e internet, inclusive com apresentação de plataformas de governo. Manifestar opiniões políticas nas redes sociais também é permitido.

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Suspensão do fundo

– O texto proíbe a suspensão dos repasses do Fundo Partidário durante o segundo semestre do ano em que serão realizadas eleições. A medida vale mesmo para partidos com as contas rejeitadas pela Justiça e ajuda a garantir o fôlego das siglas para pagar as campanhas.

OPINIÃO

Em prestações

Klécio santos, editor-chefe da Sucursal Brasília

klecio.santos@gruporbs.com.br

Quando o povo foi às ruas, Dilma Rousseff pregou a necessidade de uma reforma política. O PT se ouriçou. Mas, mais uma vez, a proposta sucumbiu à rede de interesses do Congresso. O único ponto relevante aprovado é a proibição de cavaletes e bonecos na rua.

Ou seja, não há discussão profunda sobre o assunto, mas um mero arranjo de regras eleitorais, como o da última vez, que eliminou os showmícios. E, mesmo assim, é difícil encontrar consenso. Nem a base do governo se entende.

Escolhido relator, Henrique Fontana (PT-RS) estudou a fundo o tema. Pode-se discordar de alguns pontos, como o polêmico financiamento público, mas o projeto tinha sugestões coerentes, como o voto em lista flexível. Ele acabou tomando um chapéu do seu próprio partido.

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Se está correto o ex-ministro Nelson Jobim, ao dizer que “falta de vontade política” é um argumento retórico, pois não decidir já é uma decisão política, o certo é que ninguém muda as regras no meio do jogo. Ainda mais às vésperas de uma eleição, quando a campanha já está estruturada.

Se Dilma ou o próximo governante não quiser gastar saliva, uma reforma política para valer tem de ser posta em debate logo após as eleições presidenciais, no primeiro ano de governo e com um Congresso arejado. Mas lá se vai mais de uma década de petismo no poder e nada.

Até mesmo a minirreforma só foi feita diante de pressões do líder do PMDB, Eduardo Cunha. Com o discurso de que as mudanças reduzem os custos das campanhas, o Congresso aproveitou mais uma vez para legislar em causa própria, limitando o poder da Justiça Eleitoral e aliviando o pagamento de multas para candidatos. Agora, poderão ser parceladas. Ou seja, como a própria reforma, feita em prestação.