Entre as orquídeas da varanda, a aposentada Terezinha Camen Delatorre, 60 anos, exibe um sorriso tímido. Com outros problemas na cabeça, não tem vergonha de mostrar a cicatriz que carrega no peito há quatro anos. Já está acostumada, mas aos poucos se permite comemorar a cirurgia que vai marcar uma nova etapa em sua vida. Um presente para ela mesma, como gostar de dizer. Terezinha será uma das seis mulheres beneficiadas com o mutirão de reconstrução mamária que será realizado neste mês pelo movimento Outubro Rosa, em Florianópolis.

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Campanhas buscam mais opções de tratamento pelo SUS para câncer de mama em metástase

Desde que passou pela mastectomia (cirurgia para retirada da mama) para enfrentar para enfrentar o câncer, a mulher continuou o tratamento e enfrentou outros cânceres, deixando de lado a preocupação com a estética. Um dia, quando estava no Centro de Pesquisas Oncológicas – Cepon, foi informada de que poderia colocar seu nome em uma lista e, sem pretensão, deixou seu contato:

– Quando fui ser operada não me falaram nada de reconstrução, só que ia precisar tirar o peito, então acabei nunca indo atrás. Eu nunca tive sorte com médico, então preferi deixar para lá. Quando me chamaram me deu uma alegria muito grande, apesar do medo de mais uma operação – disse.

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Junto com o câncer, também veio a depressão, e agora Teresinha acredita que a mudança no corpo vai ajudar a recuperar a autoestima:

– Eu não deixei de fazer nada por causa disso, mas acho que vou me sentir mais bonita e confiante, já fui até comprar umas blusinhas novas que antes eu não conseguia usar – conta.

Uma longa espera

A lei 12.802/2013 garante que todas as pacientes submetidas à mastectomia têm direito à reconstrução imediata na mesma cirurgia. Mas no caso da impossibilidade técnica, a mulher terá garantida a realização do procedimento imediatamente após alcançar as condições clínicas. Porém, isto ainda está longe de ser uma realidade, em especial para as mulheres que dependem do Sistema Único de Saúde (SUS).

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Segundo a Rede Goiana de Pesquisa em Mastologia, em 2014, apenas 29,2% das pacientes brasileiras mastectomizadas pelo SUS tiveram acesso à reconstrução. Em Santa Catarina, de acordo com a Secretaria de Estadual de Saúde, existem 55 mulheres na fila pelo procedimento, e o tempo de espera é, em média, de dois a quatro anos. No entanto, o Grupo de Apoio à Mulher Mastectomizada (Gama) que funciona no Cepon, conta com uma lista de espera informal que inclui cerca de 100 nomes.

A presidente da Associação Brasileira de Portadores de Câncer – AMUCC, Leoni Margarida Simm, explica que as principais dificuldades observadas são a falta de profissionais e a necessidade de cirurgias de urgência que acabam entrando na frente:

– Fica esse buraco, a mulher não se enxerga completa. O tratamento deveria ser desde a cirurgia até a reconstrução. Vemos mulheres esperando há tanto tempo que já não tem mais esperança – diz.

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Sexualidade da mulher com câncer de mama deve ser estimulada durante e depois do tratamento

Leoni destaca ainda que em muitos casos a cirurgia é feita, mas deixa algumas lacunas, como a simetrização, pigmentação e reconstrução do mamilo. Sem condições financeiras de pagar pela cirurgia – que custa ao menos R$ 12 mil, as pacientes não têm alternativa além de esperar.

Grupo oferece apoio e orientação

Em funcionamento no Cepon há 20 anos, o Grupo de Apoio à Mulher Mastectomizada (Gama) oferece suporte e orientação em reuniões semanais para mulheres que passaram pela mastectomia, e junto à AMUUC batalha por mais agilidade nas cirurgias de reconstrução. No Gama, pacientes retomam suas vidas ao encontrar conforto umas nas outras, participando de palestras sobre autocuidados e recebendo orientações de como buscar seus direitos.

A terapeuta ocupacional Lilian Marinho, coordenadora do grupo, escuta diariamente as histórias dessas mulheres, e explica que os efeitos podem ser devastadores:

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– Em um primeiro momento elas estão preocupadas em curar o câncer. Quando retiram a mama, os impactos vão desde aos ligados ao universo feminino, como o vaidade, sexualidade, mulheres que não tiram mais a roupa em frente aos maridos, que se sentem mutiladas, até questões como dores e perda do movimento dos braços.

A terapeuta explica que após passarem pela reconstrução, as pacientes relatam a sensação de finalmente conseguir fechar um ciclo, sentindo-se livres para continuarem suas vidas.

Mutirão solidário se torna alternativa

Uma alternativa encontrada pela AMUCC para tentar diminuir a espera das mulheres mastectomizadas foi buscar parcerias junto a cirurgiões plásticos para a realização de cirurgias gratuitas. Em 2011, foi realizado o primeiro mutirão solidário de reconstrução mamária em Florianópolis, idealizado pelo médico Henrique Riggenbach Müller e sua esposa. Em quatro anos, 25 mulheres já foram atendidas, e em 2015 serão mais seis.

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Ele explica que o trabalho é realizado em parceria, pois a ação não inclui apenas a atuação do médico cirurgião: é preciso ter um centro cirúrgico, anestesista e outros profissionais da área da saúde. As beneficiadas pelo mutirão são selecionadas na lista do Gama:

– O trauma da perda da mama é muito grande, mas acabamos fazendo uma escolha matemática, pois infelizmente não conseguimos operar todas. Um dos critérios é o tempo de espera _ explica o médico. Henrique conta que desde a sua formação, no Instituto Nacional do Câncer, percebe a necessidade de contribuir com o movimento, e revela que a participação da mãe – que faleceu de câncer de mama em 2013 – foi essencial para o seu engajamento no Outubro Rosa:

– Via minha mãe sempre participando, além de muitas pacientes que se apoiaram nela e a felicidade que ela sentia de nos ver colaborando. Infelizmente não conseguimos salvá-la, mas tento manter a boa energia que ela sempre nos passou.

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Há cinco anos, a Casa de Saúde São Sebastião (CSSS), de Florianópolis, integra a programação da campanha Outubro Rosa oferecendo cirurgias de reconstrução mamária a mulheres que tiveram câncer. A parceria entre o hospital e a AMUCC surgiu da necessidade de chamar a atenção da sociedade para a enorme fila de mulheres à espera da reconstrução mamária. Na última semana, seis mulheres foram operadas pelo cirurgião plástico Henrique Müller, com apoio da Sianest Serviços Integrados de Anestesiologia, e da Allergan, que fornece as próteses.

Descobrindo novos caminhos

Apalpando o seio durante o banho, a pedagoga Gisele Toleto descobriu um nódulo em 2011. Com um bebê de seis meses, recebeu o diagnóstico do câncer e passou por quimioterapia, radioterapia e, então, a mastectomia. O plano de saúde de Gisele cobriu as cirurgias, e logo após a retirada da mama ela colocou uma prótese. Foram mais quatro cirurgias para conseguir a simetria entre as duas mamas, porém, no fim de 2013, o corpo passou por um processo de rejeição, e a mulher precisou retirar a prótese:

– Foi um choque quando me olhei no espelho pela primeira vez. Mas com o tempo a gente vai se adaptando e buscando alternativas para se sentir feminina e disfarçar. Encho o bojo do sutiã com linhaça, uso a prótese móvel. O apoio do meu marido também foi fundamental, e fomos juntos descobrindo outros lugares do corpo – explica.

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Foto: Felipe Carneiro/ Agência RBS

Por opção própria – o nascimento do segundo filho – ela resolveu esperar para fazer a nova reconstrução, programada para 2016. No blog www.giseletoledo.blogspot.com.br ela divide sua história e compartilha experiências.

– Gosto de dividir a minha história, pois sei o quanto é complicado. É importante ter tranquilidade para encarar o momento, pois é possível voltar a ter uma vida normal.

MASTECTOMIA E RECONSTRUÇÃO MAMÁRIA

Existem diversos tratamento para o câncer de mama. Cada caso é avaliado pela equipe médica individualmente. Entre as opções mais comuns estão a cirurgia, radioterapia, quimioterapia, hormonoterapia e a combinação de mais de um tratamento

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::Procedimento cirúrgico:

Mastectomia: remove toda a mama, inclusive pele, aréola e mamilo

Conservadora da mama (quandrantectomia e tumorectomia): quando é retirado o tumor e parte da mama

::Reconstrução mamária – Na maior parte dos casos, é possível fazer a reconstrução mamária com cirurgia plástica:

– Reconstrução imediata: É feita na mesma cirurgia, logo após a mastectomia.

– Reconstrução tardia: Realizada alguns meses ou até anos depois da cirurgia

::Direito à reconstrução

Todas as mulheres que passam por mastectomia tem direito à reconstrução mamária gratuitamente pelo SUS – Sistema Único de Saúde. A paciente deve discutir isso com os médicos, e quando a reconstrução não for possível na mesma cirurgia, deve procurar a posto de saúde do seu bairro para solicitar o procedimento.

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Caso seja negado, ou o procedimento esteja demorando muito para ser realizado, a mulher deve procurar a Defensoria Pública para garantir o direito à reconstrução.