A proporção de vítimas de homicídio entre a população negra de Santa Catarina é quase duas vezes maior do que no grupo formado por brancos, amarelos e indígenas. É o que mostra o Atlas da Violência 2018, divulgado nesta terça-feira com base em dados do Ministério da Saúde apurados em 2016.
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Apesar de apresentar a terceira menor taxa de homicídio de negros no país, o estudo aponta realidades opostas na comparação dentro dos grupos populacionais: a taxa de mortes entre catarinenses não negros foi de 12,6 vítimas para cada 100 mil habitantes em 2016, enquanto entre os negros foi de 22,4 vítimas.
A pesquisa também mostra que a proporção de mortes entre a população negra do Estado quase dobrou nos últimos anos. A taxa era de 11,6 mortes para cada 100 mil habitantes em 2013 e cresceu anualmente até o patamar observado em 2016, de 22,4 mortes. O Censo de 2010 do IBGE aponta que 15,3% dos catarinenses se autodeclaram pretos ou pardos.
Outra constatação do Atlas da Violência é de que as mulheres negras catarinenses são proporcionalmente mais atingidas pela violência, com taxa de 5,1 mortes para cada 100 mil. A taxa entre os demais grupos étnicos de mulheres é de 2,7 mortes.
—Temos feitos debates em relação a isto, buscando as causas desta disparidade que está fundamentada no racismo estrutural. Aqui no Sul esses números são mais evidentes em função do racismo que estrutura a organização da sociedade, até pela forma como ocorreu a ocupação territorial. Uma questão histórica que não se modifica, só se aprofunda — avalia a coordenadora do Movimento Negro Unificado em SC, Maria de Lourdes Mina.
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A militante destaca duas questões sociais que tornam os jovens e as mulheres negras mais vulneráveis à violência. Faltam projetos de retaguarda para a juventude, diz Maria de Lourdes, e o Estado também falha ao adotar política de segurança em vez de uma abordagem de saúde em relação às drogas. Ela ainda aponta que não há uma política efetiva de desenvolvimento para as mulheres.
—Temos iniciativas com crianças até os 12 ou 13 anos. Depois, principalmente os negros, são esquecidos. E as mulheres estão subjulgadas ao poder do homem, que oprime, agride e mata. Elas normalmente estão nos trabalhos mais precários, não podem investir nelas mesmas. Uma política séria teria que começar pela mulher, porque hoje ela é o espelho, a segurança da casa — reforça.
Números não surpreendem, diz advogado militante
Advogado militante pelos direitos humanos e ex-presidente do Conselho Estadual das Populações Afrodescendentes de SC, José Ribeiro observa que os números trazidos pelo estudo não supreendem.
—Conseguimos constatar no dia a dia isto que o Atlas apresenta anualmente — diz.
Embora seja difícil apurar dados étnicos nas estatísticas policiais — a Sec. de Segurança Pública do Estado não disponibiliza números — Ribeiro destaca que jovens negros formam um perfil de vítima comum mesmo nas regiões do Estado onde a população afrodescendente é menos presente.
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Na avaliação do advogado, o poder público tem “invisibilizado” as políticas públicas contra a desigualdade racial e social. Além da luta permanente de cobrar do Estado políticas que minimizem o estigma da população negra, ele destaca que a consolidação das organizações criminosas trouxe à tona desafio ainda maior.
— Cada vez mais jovens ingressam no tráfico. Nesse grupo onde está se inserindo essa massa populacional periférica e de grande vulnerabilidade, a pena capital é muito tranquila de executar. Matam de forma aleatória e não tem critérios. Se o Estado não proporcionar educação, saneamento, infraestrutura e lazer, não há perspectiva de mudança — alerta.
Secretário defende que mortalidade em SC é a menor do país
Na taxa geral de mortes, Santa Catarina se mantém com o segundo melhor índice do Atlas. São 14,2 homicídios para cada 100 mil habitantes. Somente São Paulo tem taxa menor, que é de 10,9 mortes para cada 100 mil.
O secretário do Estado de Segurança Pública de SC, Alceu de Oliveira Junior, no entanto, defende que a mortalidade em Santa Catarina é menor do que no Estado paulista. A letalidade policial, diz Alceu, é um exemplo de ocorrência que não entra nos registros de SP.
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—A metodologia de levantamento em São Paulo é diferente dos demais Estados. Então, quando se faz o ranqueamento, fica desproporcional — garante.
Sobre os dados voltados à população negra, o secretário observou que ainda não havia analisado o relatório em detalhes nesta terça, mas fez menção às desigualdades no Estado.
—Certamente nós temos populações mais carentes, marginalizadas e até populações rotuladas. Isto, efetivamente, leva a uma diferença depois na própria atuação do sistema judicial como um todo. Essas questões podem estar por trás não só da realidade em Santa Catarina, é uma realidade nacional.
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