Um ano após dizer que o governo estadual “virou as costas para Joinville”, em uma entrevista ao “AN“, o promotor Ricardo Paladino voltou a analisar a segurança pública na cidade. Ele afirmou que percebe, pelo menos, uma iniciativa do Estado para corrigir algumas falhas, mas que as medidas ainda são tímidas diante da amplitude que a criminalidade alcançou no município.
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Paladino é titular da 1ª Promotoria do Ministério Público e responsável de receber os inquéritos policiais dos crimes contra a vida para levar os autores à Justiça. Em 2015, Joinville bateu o recorde negativo de 129 homicídios, número que já alcança 109 desde o início deste ano.
Segundo o promotor, haverá uma variação pequena, para mais ou para menos, em relação ao ano passado, o que não permite que as entidades públicas responsáveis pelo combate ao crime se deem por satisfeitas.
– Muito pelo contrário, é um número extremamente preocupante e que, antes de tudo, revela que o nosso combate à criminalidade não está sendo o suficiente – defende.
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Apesar de elogiar a criação da Delegacia de Homicídios, assim como o anúncio de 20 novos agentes e cinco delegados da Polícia Civil para a cidade, Paladino diz que a deficiência no número de policiais militares é o ponto que mais o preocupa. Ele afirma que o efetivo da PM e o número de viaturas está muito aquém do que seria necessário para atender um contingente populacional e uma área territorial tão grandes.
Em dezembro, ocorre a formatura de novos policiais militares, que serão distribuídos pelo Estado. Segundo a assessoria de imprensa do governo, ainda não há definição de quantos PMs serão deslocados para Joinville. Essa decisão ocorre poucos dias antes da formatura, que ainda não há dia definido para acontecer. A escolha dos efetivos leva em conta uma lista de critérios, como o tamanho da população, o número de boletins de ocorrência, o índice de criminalidade e os tipos de crimes.
Joinville se encaminha para igualar ou até mesmo superar o número de homicídios do ano passado. Qual a avaliação sobre a segurança pública atualmente na cidade?
Ricardo Paladino – A situação ainda é extremamente preocupante. Os números que nós temos aí não nos confortam nem um pouco. Pelo contrário, só renovam nossas preocupações e, inclusive, a nossa reclamação constante de que falta nitidamente investimento do Estado na área de segurança pública, assim como falta adoção de políticas sociais por parte da Prefeitura e dos órgãos estatais para que a gente possa contornar a questão da criminalidade.
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Em relação ao ano passado, nós mantivemos o número de homicídios ou, como ainda não fechou o ano, nós teremos uma variação pequena, seja para mais ou para menos no número de homicídios. Mas é óbvio que as entidades públicas responsáveis pelo combate ao crime não podem se dar por satisfeitas com esse resultado que nós temos aí. Muito pelo contrário. É um número extremamente preocupante e, antes de tudo, é um número que revela que o nosso combate à criminalidade não está sendo o suficiente.
Nós temos que adotar novas estratégias e dispor de mais recursos, e quando falo em recursos é material humano para que a gente possa trabalhar nas nossas investigações. E que nós tenhamos um incremento efetivo de policiais para que nós possamos tanto fazer frente ao crime, com a presença da polícia ostensiva, da Polícia Militar, como após o cometimento desses crimes que o Estado possa dar resposta às pessoas que os cometeram por meio de um trabalho eficiente de investigação por parte da Polícia Civil.
Em uma entrevista ao “A Notícia”, no ano passado, o senhor afirmou que o governo do Estado virou as costas para Joinville. Acredita que a situação ainda é a mesma?
Paladino – Eu estou em Joinville há quase seis anos e sempre a frente da 1ª Promotoria Criminal, e posso dizer que eu vejo que houve sim, por parte do Estado, uma intenção, uma demonstração de uma preocupação com a situação que ocorre com Joinville. Se me perguntassem se o que foi feito foi o suficiente eu vou dizer que não. E os números revelam que não foi o suficiente, efetivamente foram realizadas mudanças importantes. Uma das mais importantes, que já era um pleito do Ministério Público há bastante tempo, que era da criação de uma delegacia de homicídios, aconteceu. Houve uma reestruturação.
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Esta semana nós recebemos a notícia de que dentro da nova turma de policiais civis e delegados, Joinville e a região Norte foi contemplada com o maior número de policiais e delegados. Isso nos dá a certeza de que, efetivamente, o Estado reconhece a necessidade de se investir na segurança em Joinville. O que por um lado me deixa satisfeito. Por um outro lado, eu vejo que esses esforços que eu reconheço que existem, mas por outro lado, infelizmente, seja porque o que o Estado fez não é o suficiente, seja pelo cenário econômico, seja por uma série de dificuldades, isso não está sendo o suficiente para coibir a criminalidade da forma como a gente gostaria.
O senhor falou da vinda dos 20 novos agentes e cinco delegados para Joinville, mas houve um pleito do Ministério Público, aceito pela Justiça, com números superiores a esses. Acredita que este número é o suficiente para a cidade?
Paladino – É uma pequena fração daquilo que o Ministério Público entende que seria o ideal para se ter dentro de Joinville em número de policiais. Mas por outro lado eu vejo que, pela primeira vez em tantos anos que estou aqui, Joinville é contemplada de uma forma mais privilegiada, inclusive, do que a Capital, algo que para mim é inédito. Então, acho que isso demonstra pelo menos uma boa vontade.
A gente sabe que há uma crise financeira e uma diminuição na arrecadação do Estado, obviamente que não se pode imaginar e esperar do Estado tudo aquilo que ele deveria oferecer, seja na segurança pública, na saúde, na educação. Falando especificamente em segurança pública, eu vejo que esses policiais representam apenas uma fração do ideal, mas que já revela um esforço do Estado em buscar a solução do problema e reconhecer que Joinville vive uma situação diferenciada no cenário estadual, uma situação muito preocupante. E que, por outro lado, o Estado vai dando, efetivamente, esse primeiro passo e se comprometer com novas mudanças.
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As mudanças implementadas na comarca de Joinville, especialmente dentro da Polícia Civil, aos meus olhos foram muito importantes. A gente teve, efetivamente, uma melhoria qualitativa nas investigações dos crimes de homicídio. Hoje, a população tem que ter a segurança que, com a criação da Delegacia de Homicídios, houve um estreitamento muito grande da comunicação entre a Polícia Civil e o Ministério Público e, por conta disso, ao Poder Judiciário porque hoje nós já sabemos a quem procurar, com quem trocar informações, temos efetivamente a especialização no combate aos homicídios.
E os delegados que estão lá têm se empenhado ao máximo com suas equipes para fornecer a melhor qualidade possível aos nossos inquéritos policiais e isso eu tenho, efetivamente, constatado. Nós tivemos uma melhora muito significativa nos nossos inquéritos de homicídio, que permitem ao Ministério Público formular uma acusação muito mais segura para que o Judiciário possa, ao final, responsabilizar, de forma efetiva, as pessoas que cometem esses crimes.
Esses inquéritos mais qualificados aumentaram o número de resolução desses crimes?
Paladino – Esse é um cenário que funciona da seguinte forma: hoje nós estamos recebendo uma matéria prima, que é o inquérito policial, com muito mais qualidade. Com base nisso, todos os demais operadores, o Ministério Público, o Poder Judiciário e assim por diante, podem trabalhar com produtos de maior qualidade e dar decisões muito mais eficientes. Houve sim uma sensível melhora nos indicadores de resolutividade de autorias em crimes de homicídios. Nós tivemos isso. Ainda, infelizmente, muito aquém daquilo que a gente sonha.
Nosso sonho é que todos os homicídios fossem desvendados em Joinville. Hoje, o contingente que nós temos não representa nem 40%, mas se aproxima disso. E já tivemos um período muito pior em relação a isso. Eu vejo que houve sim uma evolução e acredito que como algumas medidas foram startadas e alguns passos foram dados, que nós tenhamos nos próximos anos um cenário muito mais favorável.
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Será que o governo do Estado passou a dar importância apenas agora, com o recorde de homicídios no ano passado e os recentes crimes chocantes que ocorreram na cidade, para a falta de investimento na segurança de Joinville?
Paladino – A gente não pode também atribuir todo o cenário criminoso ao Estado. Nós temos em Joinville um problema que a gente vê no cenário nacional, mas dentro de Santa Catarina, Joinville e Florianópolis são municípios onde isso se vê com mais flagrância, que é o conflito entre facções criminosas. Claro que a presença do Estado inibe o cometimento do crime, mas não impede quando se quer cometer, especialmente com relação ao homicídio. Então, eu não atribuo, nem de longe, que a responsabilidade por esses homicídios é do Estado.
E esse problema de combate às organizações criminosas nós temos feito também com muita inteligência. O Ministério Público, o Poder Judiciário e as polícias Civil e Militar estão trabalhando, efetivamente, juntas para coibir. As respostas estão sendo dadas. Neste ano, nós prendemos dezenas, se não centenas de pessoas envolvidas nessas duas organizações criminosas, o PGC e o PCC. E não foram só prisões. Nós apreendemos drogas, armas, veículos e dinheiro.
Então, essas organizações criminosas receberam duros golpes por parte do sistema de Justiça na cidade de Joinville. Mas elas vêm sim de um conflito nacional e que se reflete na nossa sociedade. Não fossem as mortes decorrentes de briga de organizações criminosas e relacionadas com o tráfico de entorpecentes, nós teríamos números muito menos alarmantes. Então, essa é a nossa realidade. A proximidade com o estado vizinho, o Paraná, que também faz com que esse número infle de forma preocupante.
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O que tem que fazer o Estado e todos os órgãos de inteligência, e têm feito isso, é combater a atuação dessas organizações. Eu posso assegurar que, acredito que em nenhum ano anterior, houve tantas prisões de integrantes de facções criminosas e tantas apreensões, seja de dinheiro, drogas, produtos de crimes, armas da forma com que a Justiça tem combatido.
A formatura de novos policiais militares acontece em dezembro. como está a expectativa do senhor para que esse efetivo também venha para Joinville?
Paladino – Esse, quem sabe, seja o ponto que mais me preocupa. Eu vejo uma nítida deficiência no número de policiais militares e não só pelas informações que tenho da própria população, como de vários policiais militares que conversam comigo diariamente. Eu sei que o efetivo aqui está muito, mas muito aquém do que seria necessário. E não adianta se dizer que, com a implementação de câmeras, claro que isso ajuda muito, mas não é só isso, nós precisamos sim que o efetivo da Polícia Militar receba uma efetiva complementação em um curto espaço de tempo porque a situação dos nossos policiais hoje aqui é bastante grave. Nós temos poucos policiais e poucas viaturas para atender um contingente populacional e uma área territorial muito extensa.
O Estado havia dito que convocaria policiais aposentados para realizar o trabalho mais burocrático, liberando outros profissionais para trabalhar na investigação e na rua. O senhor viu de fato se isso ocorreu?
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Paladino – Não tenho conhecimento da implementação disso. Pelo menos a mim não chegou.
O senhor falou também sobre o lado social do combate ao crime. De que forma isso poderia acontecer? Quais seriam os investimentos necessários?
Paladino – O crime não pode ser uma opção para os nossos jovens. Ele não pode ser atrativo, ele não pode ser uma opção de futuro para os nossos jovens. E para isso, para que os nossos jovens não ingressem em organizações criminosas, nós temos que dar oportunidades. Nós temos que mostrar a eles que longe do crime, há muito mais possibilidades e expectativas de futuro. E isso nós damos com um estudo de qualidade, com saúde, assistência, capacitação dos nossos jovens, com esportes e isso não tem ocorrido na medida que a gente espera.
Eu tenho certeza que o crime, efetivamente, de forma muito mais ampla, não se combate com armas e com polícias. O crime, antes de tudo, se combate com inteligência. E a inteligência que deve ser empregada é de evitar o máximo que nasça o criminoso. A gente evita isso com projetos sociais, trazendo o nosso jovem para uma realidade diferente.
Eu lamento muito quando vejo que uma criança, em uma condição menos favorecida, tem como exemplo de projeção social e de futuro a vida de um traficante. E é isso que não pode acontecer. Essas crianças, jovens e nossa comunidade têm que sentir a presença do Estado, de políticas públicas para que nossos jovens possam ver que existem opções muito mais vantajosas do que o cometimento de crimes.
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Quando o governador esteve na cidade em setembro, ele anunciou a implantação de uma escola militar para 2017. Como o senhor vê essa opção?
Paladino – Eu acho que é uma medida fantástica. Espero que essa ideia se multiplique, que ela aconteça rápido em Joinville e consiga colocar um número muito grande de jovens e adolescentes nessa escola, assim que ela for efetivamente implementada e que ela se multiplique pelo Estado de Santa Catarina. Porque nesse tipo de medida, a gente está tirando o jovem da rua e colocando dentro da escola, mostrando que a escola efetivamente é atraente é que nosso jovem vai ficar longe da criminalidade.
O Ministério Público pretende continuar cobrando essas melhorias do governo do Estado?
Paladino – Buscando ser justo, eu vejo que houve pelo menos uma iniciativa do Estado de Santa Catarina e corrigir algumas falhas. Por meio da Secretaria de Segurança Pública, houve um empenho para corrigir algumas falhas, mas as medidas ainda são tímidas diante da amplitude que a criminalidade conseguiu alcançar na nossa comarca. Então, nós precisamos que esses passos continuem a se seguir para que a gente possa, com novas medidas, combater e prevenir de forma muito mais eficaz a criminalidade.
A cobrança do Ministério Público será constante. Enquanto houve uma única pessoa morta em Joinville, uma única criança fora da escola, uma única criança em situação de risco, o Ministério Público não estará satisfeito e estará cobrando de quem é de direto para que esse problema seja solucionando.
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