O tribunal do Fórum de São Miguel do Oeste realiza nesta sexta-feira o primeiro júri em Santa Catarina considerando a Lei do Feminicídio, que aumenta a pena para casos de violência doméstica e familiar, discriminação e homicídio contra a mulher. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) não tem registro de outro julgamento considerando a nova legislação, em vigor desde março do ano passado.
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Viviane Bevilaqua: “Não queremos rosas no Dia da Mulher, queremos respeito”
Supriano da Silva, 52 anos, é acusado de matar a namorada Inês Pedroso Eckert Borges, 37, dentro da própria casa, no centro de Paraíso, também no Extremo-Oeste catarinense. A vítima foi morta a pauladas em setembro de 2015.
Atuando na acusação, o promotor Átila Guastálla Lopes considera que a nova lei é uma continuidade da Lei Maria da Penha. Ele explica ainda que a agilidade para se julgar o crime é resultado da rápida tramitação do processo na comarca, além de a defesa não ter entrado com recurso.
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De acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública de SC, somente no primeiro semestre de 2015 foram mortas 73 mulheres no Estado vítimas de violência doméstica.
Além do feminicídio, o promotor pretende acrescentar outras três qualificantes ao crime: motivo torpe, meio cruel e uso de recurso que dificultou a defesa da vítima.
O defensor público Rodrigo Santamaria Saber, que fará a defesa do réu, argumenta que o próprio conceito de feminicídio gera uma dúvida. Segundo ele, o crime cometido por seu cliente não foi pela vítima ser do sexo feminino, e sim por ciúmes. Por isso, argumenta, o fato seria um ¿femicídio¿. Para Saber, o feminicídio seria claro no caso do maníaco do parque, de São Paulo, que atacava as vítimas pelo fato de serem mulheres.
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“Somente uma lei dura pode coibir homicídios”, comenta desembargadora Salete Silva Sommariva
Durante quatro anos a desembargadora Salete Silva Sommariva foi coordenadora estadual de Execução Penal e Combate à Violência Doméstica e Familiar. Nesta entrevista, ela afirma que o termo feminicídio é ainda desconhecido da maioria da população, mas acredita que a lei possa coibir novos crimes.
Qual a importância deste julgamento para a Justiça de Santa Catarina?
Quero cumprimentar o juiz da Comarca de São Miguel do Oeste, o Ministério Público e as autoridades policiais que deram agilidade em ambas as fases do processo, demonstrando que existe uma grande preocupação em cumprir os ditames da lei, assim como em dar uma resposta quase que imediata à sociedade no enfrentamento à violência contra a mulher.
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A Lei do Feminicídio é uma evolução da Maria da Penha?
A Lei Maria da Penha tipificou e definiu a violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente de sua orientação sexual, proibiu a penalização com cestas básicas e retirou dos juizados especiais a competência para julgamento desses crimes e, dentre outras providências, criou as medidas protetivas para a segurança das mulheres. No entanto, não foi suficiente para coibir o índice de violência no país. Diante da grave situação, evidenciou-se a necessidade de uma lei penalizadora para coibir, com maior rigidez, as mortes violentas de mulheres por seus maridos, parceiros ou ex-parceiros. Diante desse contexto, em março de 2015, foi sancionada a Lei do Feminicídio, que pode ser definido como aquele crime praticado contra a mulher no âmbito familiar ou ainda por menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Quais as mudanças que a nova legislação trouxe?
Foi inserido no Código Penal o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, ou seja, com a pena estabelecida entre 12 e 30 anos de reclusão. Além disso, a pena pode ser aumentada de um terço até metade quando o crime for praticado durante o período gestacional ou nos três meses subsequentes ao parto, contra menor de 14 anos ou maior de 60 ou, ainda, em qualquer idade, se a mulher for portadora de deficiência e também se cometido na presença de descendentes ou ascendentes da vítima.
Qual o impacto que a nova lei pode ter na redução da violência contra a mulher?
Apesar de algumas correntes entenderem que a rigidez da lei não irá reduzir o número de crimes desta natureza, entendemos que somente uma lei mais rígida e com penas mais relevantes possa coibir o número de assassinatos. Na verdade, a atual legislação se mostra extremamente necessária, uma vez que a Lei Maria da Penha reduz em apenas 10% os índices de violência, acreditando-se que a Lei do Feminicídio venha diminuir os índices dramáticos, cuja realidade se encontra ainda por várias razões desconhecida da sociedade em geral. Diante da extensão e da gravidade do tema, as discussões acadêmicas sobre a lei tornam-se irrelevantes, pois nesse momento, o objetivo maior é a redução de mortes de mulheres no Brasil, uma vez que os números oficiais são alarmantes.
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Quais os números da violência contra a mulher em Santa Catarina?
Em algumas cidades de nosso Estado, os feminicídios já representam 40% dos crimes cometidos contra a vida neste ano. Tal número implica na necessidade urgente da adoção de medidas de proteção à mulher e punição aos agressores pelas autoridades, a quem compete um diagnóstico acurado da violência contra mulheres no Brasil para, após, avançar em ações de prevenção. Dentro desse contexto, espera-se a quebra do ciclo da violência, até então tolerada pelo Estado e pela sociedade, de modo que a vida e integridade das mulheres sejam respeitada, não apenas pelo seu status de mãe, irmã ou filha, mas pelo simples fato de ser mulher.
O que prevê a Lei
Antes havia o homicídio simples e o homicídio qualificado, agora existe o feminicídio, praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. As penas que variavam de 6 a 20 anos passam a ser de 12 a 30 anos.
– Violência doméstica e familiar
– Menosprezo ou discriminação à condição de mulher
– Pena do feminicídio é aumentada de 1/3 até a metade se o crime for praticado:
– Durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto
– Contra menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência
– Na presença de descendente ou ascendente da vítima.
Outros casos no estado
Alguns crimes que também serão julgados de acordo com a Lei do Feminicídio.
Joinville
No dia 22 de janeiro, Sueli Padilha, 36 anos, levou pelo menos 13 golpes de faca em casa, no bairro Comasa, após uma discussão com o marido. O filho de dois anos teria presenciado o crime. O marido, Moisés Bispo da Silva, 38, fugiu do local e foi preso dias depois, em Cascaval.
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Blumenau
No dia 31 de janeiro Kátia Moraes, 30, foi morta pelo marido após uma briga em casa, no bairro Esperança. A discussão teria começado após Noel do Espírito Santo, 32, ter encontrado mensagens de um suposto namorado no celular da esposa, de quem estava em processo de separação. Ele é acusado de estrangular a mulher com uma peça de roupa íntima e depois colocar o corpo no porta-malas do carro.
Três das sete pessoas assassinadas em Blumenau neste ano eram mulheres, vítimas de feminicídio