Está difícil administrar Joinville. A constatação é do prefeito Udo Döhler, visivelmente inquieto com as enormes dificuldades que encontra para governar o mais populoso e rico município catarinense. A Prefeitura tem 12 mil trabalhadores. É a maior empregadora do município. Para se ter uma ideia, o número é seis vezes maior do que o total de funcionários da Tigre, em Joinville.
Continua depois da publicidade
Em entrevista exclusiva, de 43 minutos, concedida ao “AN” na terça-feira, Udo não escondeu sua irritação. Entrou no gabinete e seu primeiro gesto foi o de se dirigir à mesa de trabalho para mostrar as manchetes publicadas pela imprensa naquele dia. Está claramente incomodado com os fatos. Tem motivos para preocupar-se.
Questões fundamentais para a evolução da qualidade de vida dos moradores estão judicializadas e, por isso, não deslancham. São os casos das concorrências da iluminação pública, da lei de ordenamento territorial, do estacionamento rotativo, radares, hidrantes do Centreventos, por exemplo. Também teve de adiar por duas vezes a abertura de concorrência para transporte coletivo de ônibus.
Udo surpreende ao dizer que investir em aumento de pavimentação de ruas é menos essencial do que melhorar padrão de saúde. Reclama da “má vontade” do Badesc em liberar os R$ 20 milhões solicitados há vários meses. O prefeito também enxerga que continua enorme a resistência à tentativa de reduzir o clientelismo junto à máquina pública.
A oposição de dois vereadores no Legislativo e de oito associações de moradores, assessorados por bons advogados, praticamente paralisam a gestão. Mais ainda: nem mesmo o empresariado – sustentáculo de campanha eleitoral, representado pelo poder econômico (e influência política) especialmente da Acij -, também parou de olhar a paisagem. E, desde fevereiro, tem insistido em cobrar promessas de campanha para obras de infraestrutura (Santos Dumont e Dona Francisca), além de pedir mais agilidade nos licenciamentos, por exemplo.
Continua depois da publicidade
Udo identifica: seus enormes desafios são lutar contra a burocracia da máquina pública, combater corrupção, que chama de “desvios de conduta”, e enfrentar, juridicamente, quem o desafia. Para Udo Döhler, não está fácil ser gestor de Joinville.
ESTACIONAMENTO ROTATIVO
– As licitações feitas às pressas levam à judicialização. O processo de licitação do estacionamento rotativo, por exemplo, vai demorar para poder se ajustar a um plano abrangente de mobilidade urbana, a ser entregue no próximo ano. O estacionamento rotativo só se constitui em fonte de receita para a Prefeitura. Vai esperar. Contratamos a Embarq para fazer consultoria e que nos trará estudo detalhado, em março de 2015, para a mobilidade. Ninguém deu destaque a isso. A UFSC também vai nos auxiliar no plano de mobilidade urbana.
TAREFA MAIS COMPLICADA
– Prevenir desvios de conduta e reduzir a burocracia no serviço público são as minhas tarefas mais complicadas. Há, em jogo, arraigados interesses clientelistas. Estamos centralizando processos licitatórios para poder contratar serviços dentro da melhor prática do mercado.
DESENVILLE
– Disse a eles (empresários), na diretoria da Acij, que o Desenville (órgão de aconselhamento criado pelo ex-prefeito Luiz Henrique, e composto pela classe) precisa ser refeito. E não é minha prioridade. Em relação à Softville, poderá ser acolhida pelo Inovaparq, na Univille.
Continua depois da publicidade
TRANSPORTE PÚBLICO
– Estamos fazendo a segunda prorrogação da concessão de serviço de transporte urbano de ônibus. Esta prorrogação vai de julho até o final deste ano. Vamos preparar as audiências públicas.
EMPRESARIADO
– É verdade que o empresariado está descontente com a falta de agilidade nos licenciamentos. Estive várias vezes reunido com eles. A última reunião foi com a diretoria da Acij, na última segunda-feira, das 16h30 às 18h30. Levei pautas. As obras da avenida Santos Dumont, a situação do projeto da duplicação da rua Dona Francisca no trecho da Zona Industrial.
LICENCIAMENTOS
– É preciso dar velocidade ao licenciamento e às autorizações para obras. Não faz sentido a Prefeitura ter de fiscalizar detalhadas questões, como instalação elétrica e instalação hidráulicas de empreendimentos. Isso deve ser cobrado pelo cliente ao engenheiro, ao construtor. Estamos trazendo os licenciamentos ambientais para a Secretaria de Serviços Públicos,no contexto de reforma administrativa, à espera de apreciação na Câmara.
ESTÔMAGO
– A complexidade da licitação das máquinas da Prefeitura mexe com meu estômago. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em sentença liminar, acolheu recurso contra decisão do juiz de primeira instância, em Joinville. Como está, perde a cidade, perde a população. O TJ deve julgar, possivelmente na próxima semana, nosso recurso. Não houve descuido. É que um dos concorrentes, em um dos segmentos do conjunto, impugnou a concorrência. Aí tudo parou. Repito: temos de vencer o clientelismo.
Continua depois da publicidade
SANTOS DUMONT
– As obras da avenida Santos Dumont estão andando. Esperamos dinheiro do governo do Estado para duplicação no trecho entre a rua Tuiuti até o aeroporto. A obra toda, incluindo desapropriações necessárias, vai custar uns R$ 100 milhões. Temos o compromisso do governador Raimundo Colombo para isso. Se ele se reeleger, é claro. Não estou desconfortável com as cobranças dos empresários. O governo estadual atende às nossas expectativas, sim.
OPOSIÇÃO
– A oposição não tem interesse em aperfeiçoar a gestão pública. Deve acontecer audiência pública no dia 22 de maio para se discutir reforma administrativa. Tem se criticado a situação da Fundema na reorganização encaminhada. Acontece que o governo federal não aporta mais recursos para fundações. E a cidade não pode parar.
TRAVAS
– Há um ou outro vereador com o propósito de travar o crescimento da cidade. Está difícil, mas não estamos, absolutamente, não estamos reféns da oposição. Há muita coisa judicializada. Se é este o modelo que querem, entregue-se a gestão do município à outra esfera (fazendo uma alusão indireta ao Judiciário). Atender à população é dever nosso. E é a ela, à população, que temos de dar explicações. Na gestão municipal, reduzimos mais de 200 cargos de chefias.
SAÚDE
– Aplicamos 35% da receita da Prefeitura em gastos com saúde. É demais. Não é justo investir mais de um terço só na saúde. Queremos reduzir isso para 30% do total da arrecadação. E cobrar a diferença do Estado. Veja só: em Florianópolis há quantos hospitais municipais? Nenhum.
Continua depois da publicidade
RESISTÊNCIAS
– O modelo de serviço público envelheceu e se acomodou. Estamos mexendo nisso. Estamos informatizando toda Prefeitura de Joinville. O sistema todo informatizado é novidade. Já não assino mais nada em papel. Decretos são assinados eletronicamente. E isso vale para todos os servidores, de acordo com as suas respectivas atribuições. Significa que não se pode mais alterar textos de processos. Nem incluir ou excluir alguma folha. E quanto mais fazemos… é grande a reação por quem quer manter a lentidão e a burocracia. A resistência à mudança é brutal.
AUDITORIA
– Estamos fechando parceria com empresas locais. Profissionais das áreas de auditoria de empresas privadas vão fazer, voluntariamente, auditoria no Hospital São José. Talentos das empresas e de universidades vão auxiliar a melhorar processos.
LOT
– O que se diz é que a Prefeitura quer atropelar o processo. O problema da tramitação da Lei de OrdenamentoTerritorial é outro. Refizemos tudo ao longo de 2013, e continuamos a tratar do assunto neste ano. Mas a LOT continua judicializada. E, se ficar assim, não sai neste ano. Estamos em contato permanente com o Ministério Público para não cometermos nenhum descuido. Se for e se permanecer judicializada, não teremos LOT nunca em Joinville.
CORREDOR
– Quero licitar a concorrência do transporte público ainda neste ano. Só 25% da população anda de ônibus em Joinville e o percentual pode aumentar. Nos habilitamos a captar recursos junto à União no contexto do Plano Nacional de Mobilidade. Queremos oferecer ônibus com ar condicionado, piso rebaixado, entregar mais corredores de ônibus, aumentar conforto e dar mais velocidade ao transporte.
Continua depois da publicidade
NÃO DÁ CONTA
– Aqui, o nosso Hospital São José tem de atender a todos os joinvilenses e, ainda, ao pessoal das cidades próximas. Um dado: 26% dos atendimentos no São José são de pessoas de outros municípios. Vamos triplicar o número de leitos de UTI no hospital e assim atender a gente de Joinville e de outros lugares. Desse jeito, tendo de absorver tudo, os 35% (de recursos) para a Saúde nunca serão suficientes.
PAVIMENTAÇÃO
– A pavimentação não é essencial. Claro que é importante. O pó nas ruas incomoda. Mas o essencial é saúde, é educação. Planejamos pavimentar 300 quilômetros de ruas durante o mandato. Para isso, pedimos R$ 20 milhões emprestados ao Badesc. O dinheiro ainda não foi liberado. São puras filigranas do Badesc. Há má vontade por parte do Badesc para com Joinville.
– Já expus isso e falamos de nosso descontentamento ao governador – disse. (A conversa é interrompida para o prefeito atender demanda em outra sala, e o secretário de Comunicação, Marco Aurélio Braga informa que foram pavimentados seis quilômetros até agora).