No Largo Almirante Moraes do Rêgo, número 1, no Centro Histórico de São Francisco do Sul, um posto de combustível sobrevive ao tempo e à pouca probabilidade que um serviço como este teria de não adaptar sua estrutura às mudanças tecnológicas. A preservação ocorreu graças à paixão dos fundadores pelo lugar e pela família, permitindo que agora o Posto Musse & Irmão carregue o título de mais antigo posto de combustível de Santa Catarina e de um dos mais antigos ainda em atividade no Brasil.

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A construção de pontos de abastecimento para automóveis ainda era novidade no país quando Felipe e Gerôncio — que era mais conhecido como Naino — decidiram construir um posto à beira da Baía da Babitonga, em 1937. Um estabelecimento que prestava este tipo de serviço só havia sido criado nos Estados Unidos em 1907 e, no Brasil, o primeiro foi aberto em 1917. Não que São Francisco do Sul tivesse muitos veículos circulando na época — o Brasil inteiro não tinha mais do que 220 mil em 1940 — mas os irmãos, descendentes de sírios, possivelmente perceberam que esta era uma necessidade que cresceria muito e rápido, a partir da década seguinte.

— A família veio da Síria no início do século passado e o pai deles, Jorge, vendia querosene e gasolina enlatados em um comércio em Araquari, que foi onde vieram morar quando chegaram no Brasil — conta Martha Ferreira, nora de Naino.

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Os dois irmãos aproveitaram o produto que o pai já recebia, importado dos EUA pela Texaco, e montaram um comércio de secos e molhados em São Francisco do Sul. O combustível era vendido em recipientes de 18 litros, pois o abastecimento era feito em galpões e até nas casas dos proprietários. Por questão de segurança, uma medida internacional criou os postos de combustível e Felipe e Naino a incorporaram aos seus serviços, construindo a casa de tijolos com uma espécie de varanda, onde foram instaladas duas bombas.

O Posto Musse & Irmão foi inaugurado em março de 1938 e, poucos anos depois, foi cenário de um episódio inusitado: Getúlio Vargas foi a São Francisco do Sul para a inauguração da Capitania dos Portos e, enquanto o então presidente discursava, um cigarro foi jogado próximo a um veículo que era abastecido, causando um incêndio. Durante boa parte da vida, Naino contou essa história colocando o carro presidencial como protagonista do incidente, ainda que seu irmão mais novo, Jorge, diga que é um exagero.

— O fogo foi apagado rapidamente — afirma Jorge.

Quando Felipe morreu, pediu ao irmão e sócio que o posto fosse mantido na família, e nunca perdesse o nome original. O pedido não só foi atendido, como todo o lugar preservado da forma como era no início do século passado, inclusive o letreiro da Texaco — mesmo que hoje a bandeira seja outra, porque a companhia petrolífera não tem mais atividades neste setor no Brasil. Naino comprou a parte da herança dos filhos de Felipe e assumiu o empreendimento até o fim da vida, há dois anos. Tinha 97 anos e ainda queria continuar indo ao posto, onde todos o conheciam e ele conhecia todo mundo.

— Meu avô sabia dezenas de histórias de São Francisco do Sul porque sempre esteve aqui no Centro. A maioria dos nossos clientes ainda são essas famílias que os pais e avôs abasteciam aqui — diz Jair, 32 anos, neto de Naino.

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Jair herdou o nome do pai, que foi o membro da família a assumir o posto ao lado de Naimo durante décadas depois que Felipe morreu, e agora herdou o posto ao lado da irmã, Martha. Dessa forma, eles mantêm o patrimônio da família e o registro vivo da história com fidelidade ao nome do empreendimento, que tem no "& Irmão" o detalhe que seus fundadores consideravam mais importante. No último mês de março, uma festa temática, com os convidados usando roupas semelhantes às dos anos 1930, marcou os 80 anos de atividade ininterrupta do posto.

— Os moradores de São Francisco sentem orgulho de ter um lugar como esse, do jeito como está conservado. E não passa um dia sem que algum turista peça para fazer fotos aqui — conta Jair.

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