Chapecó virou a Meca da esquerda brasileira. Pelo menos esse é o clima inspirado pelo curso de pós-graduação “A Esquerda no Século XXI”, que a cada duas semanas traz professores convidados a discutir o futuro do segmento político após o impeachment de Dilma Rousseff (PT). No final de semana, coube justamente à ex-presidente fazer uma análise da política atual e os caminhos para a volta ao poder.
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Dilma foi a responsável pela terceira aula do curso, iniciado pelo ex-prefeito paulistano Fernando Haddad (PT) em 4 de agosto. Jocosamente apelidado de “pós em esquerdismo” quando anunciado pelo deputado federal Pedro Uczai (PT), idealizador do evento, a pós-graduação é bancada pelos 42 alunos matriculados ao custo de R$ 7,2 mil – parceláveis em 12, 18 ou 24 meses. Nas aulas abertas, é cobrado um ingresso de R$ 10. Entre as celebridades de esquerda anunciadas para os próximos meses estão o ex-governador gaúcho Olivio Dutra (PT), o líder do Movimento Sem-Terra João Pedro Stédile e os deputados federais Jean Wyllys (PSOL-RJ) e Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
– A esquerda precisava avaliar esse processo histórico e projetar o futuro. Entendemos que essa pós-graduação é um momento de avaliação do nosso legado, mas também de autocrítica. Por isso trazemos professores do PSOL, do PCdoB, professores sem filiação partidária – afirmou Uczai, que chegou a procurar a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) para organizar o curso, mas acabou chegando a um modelo em que a pós é organizada pelo Instituto Dom José Gomes e tem a chancela acadêmica do Instituto de Filosofia Berthier.
Clima de celebração durante palestra
Se alguém esperava a autocrítica propagandeada por Uczai na aula aberta de Dilma Rousseff na noite de sexta-feira, saiu decepcionado. O clima foi de celebração à ex-presidente petista, recebida como uma estrela em um auditório tomado por cerca de 600 pessoas. Ganhou flores, poemas e subiu ao palco ouvindo os versos da canção Ordem e Progresso, de Beth Carvalho, cantada quase um uníssono pelos presentes. Visivelmente comovida e ainda rouca pela participação em eventos no Rio de Janeiro e Natal nos dias anteriores, a ex-presidente fez uma avaliação do quadro político que levou a sua deposição – que qualificou como “golpe parlamentar” – em que negou erros na condução política e econômica do país.
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Na visão da petista, o impeachment teve como um de seus eixos impedir que as investigações da Operação Lava-Jato alcançassem políticos do PMDB e do PSDB, mas que o objetivo principal foi aplicar o programa de governo neoliberal derrotado nas eleições de Lula em 2002 e 2006 e dela própria em 2010 e 2014. De acordo com Dilma, um projeto que pregue contenção de gastos públicos, privatizações e reformas não venceria as eleições.
– Sempre que há democracia, as forças progressistas deste país avançam. Sempre que há democracia, o povo brasileiro expõe a única força que tem, que é o voto – afirmou.
Embora o evento seja exposto como uma discussão da esquerda, a predominância de políticos e militantes petistas era evidente. Estavam lá os deputados estaduais Luciane Carminatti, Dirceu Dresch e Padre Pedro Baldissera, além de prefeitos e vereadores petistas da região Oeste. Eles circulavam pelo acanhado salão Manacá do Complexo de Eventos Tabajara. Localizado a cerca de quatro quilômetros do Centro de Chapecó, às margens da SC-480, e utilizado para jantares e pequenas formaturas, o local garantiu discrição à presença da ex-presidente na cidade. Na tarde de sexta, cerca de 20 pessoas esboçaram um protesto no centro contra a presença de Dilma. Nada que preocupasse quem queria ouvir a petista. A procura pelos ingressos para a palestra levou a organização a tentar um lugar maior, mas Dilma acabou enfrentando a concorrência de outro nome ligado à esquerda: Leonardo Boff tinha palestra marcada para o mesmo dia no Centro de Eventos Plinio Arlindo de Nês, localizado no centro e com capacidade para até 2 mil pessoas.
No sábado, em um hotel da cidade, estava prevista a aula de Dilma para os alunos da pós-graduação – a maior parte deles vinculado a movimentos sociais, sindicatos e partidos de esquerda da região Oeste do Estado e do Rio Grande do Sul. A essa parte foi negado o acesso à imprensa. A expectativa era de aprofundamento teóricos das questões abordadas na véspera e foco no tema “Os partidos políticos e a esquerda brasileira”.
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– Ela apresentou toda a ementa exigida pelo curso, com aprofundamento teórico. A aula pública traz um apanhado geral do tema – explica Ana Munarini, presidente do Instituto Dom José Gomes.
A programação continua até maio do ano que vem. O próximo encontro da turma será sobre metodologia científica, sem aula aberta de alguma personalidade da esquerda. Dias 29 e 30 de agosto será a vez de Olívio Dutra dar o seu recado. Embora não conste na programação anunciada até agora, ainda há quem sonhe com a presença do ex-presidente uruguaio José Mujica.