Por Cristiano Santos
Editor da Revista Donna SC
cristiano.santos@diariocatarinense.com.br
Não há limite para as criações de Felipe Morozini. Encapsulado no conceito de multiartista, ele é cenógrafo, fotógrafo, escritor, artista visual, diretor de arte e o que mais desejar. Foi do alto do 13º andar de seu apartamento com vista para o Minhocão, no Centrão de São Paulo, que nasceu para a massa. Com cal, desenhou flores nas vias da polêmica obra levando a intervenção urbana O Jardim Suspenso da Babilônia para os quatro cantos do planeta, com prêmios internacionais. Morozini, inclusive, se tornou o nome forte diante do projeto de transformação do elevado em um parque. Mas na moda era um velho conhecido nos bastidores do São Paulo Fashion Week, tanto como cenógrafo como retratista.
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Na Casa Quatro Oito, com total apoio da amiga Bianca Pereira, a carioca que desembarcou há anos em Floripa e acaba de abrir na Lagoa da Conceição o hotel mais luxuoso da cidade, o quarentão Felipe teve a liberdade como prioridade. Lustres, livros, tapetes, louças, piscina, plantas, espelhos, obras de arte. Todos os detalhes passaram por seu crivo descontroladamente criativo. Aos hóspedes – e, ainda bem, aos visitantes do bar e restaurante – só resta uma tarefa: se deixar levar pela experiência sensorial. Na terça-feira, o hotel abriu as portas para convidados e ele contou um pouco deste projeto:
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Qual o seu conceito de casa?
A casa mais legal é aquela que é de verdade, é aquela onde o morador tenha verdade nos objetos, nas escolhas, ao longo da vida. Eu não acredito que dá para fazer a decoração de uma casa em pouco tempo. Então, talvez a primeira coisa seja o tempo. E quanto mais personalidade você tiver, mais personalidade sua casa vai ter. Se o seu cérebro trabalha neste sentido cada vez mais te interessam coisas interessantes. Eu adoro pensar em coisas que nunca vi, situações que nunca vivi. Coisas que maravilham o olho da gente.
De onde vem sua relação com a Bianca
Ela casou com um amigo meu de infância, teve a história dela, morou fora, eu tive a minha história. Quando ela voltou eu era o Felipe Morozini que fazia essas coisas. Ela sempre quis, segundo ela, fazer alguma coisa comigo. E foi a primeira vez que me fez um convite sem medo de que eu não aceitasse.
Como foi esse convite?
Ela me ligou e foi até a minha casa. Chegou: ¿eu comprei este pedaço de terra e vamos construir em 2% deste terreno o melhor hotel de Floripa, só que com quatro quartos¿. Primeiro, ela viajou o mundo e percebeu que, voltando pra cá, pode ter o mundo aqui se tiver uma casa que possa receber. Eu achei incrível quando ela juntou essa experiência para criar um hotel-casa com quatro quartos.
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Podemos te chamar de diretor criativo do projeto?
Pode ser. É muito interessante porque eu escolhi os livros, os lençóis, os talheres, escolhi onde vai ficar o vaso para a folha da planta, quando acender a luz, não invadir os livros. E o que é luxo pra mim? Por eu ter frio, e aqui faz frio, é chegar no quarto e sentir piso inteiro de mármore aquecido. Eu vinha pra cá para escolher o acabamentos dos pisos externos, o que faremos e o que não faremos. Ainda bem que ela entendeu tudo o que eu queria. Projetos como esse, por exemplo, com uma piscina falando ¿estou aqui¿. É material, mas o que eu fiz não é palpável. É mais uma experiência. Também penso que as pessoas devem ser bem atenciosas, elas têm que tocar. No lobby tem pelo menos uns 20 tipos de texturas, é maravilhoso você sentir um veludo incrível, o quente da madeira, o couro, as almofadas, vem junto com o cheiro, o som, um monte de coisas que eu acredito.
Você já tinha feito algo parecido?
Parecido não. Eu já tinha feito um hostel no Rio (de Janeiro) e ele ganhou na época o título de melhor hostel do Brasil. Porque foi o primeiro hostel dialogável, na minha opinião. Já tinha lá fora, mas aqui não. As pessoas me acharam louco porque a verba para fazer tudo era o preço de uma poltrona. Foi rápido, entre a contratação e a finalização, cinco meses. Foram soluções rápidas, uma luminária que era uma gaiola, os cabideiros que eram rodinhas de skate, não se fazia muito isso aqui. Pra mim entra a parte da cenografia efêmera. No São Paulo Fashion Week fazia cenografia, fotografava os bastidores, tinha uma coluna no jornal do evento, e na época um blog chamado Feio na Foto.
E como surgiu o projeto Parque Minhocão?
A associação foi criada somente há três anos. Parece que faz mais porque eu moro há 16 anos no local. Já surgiram outras associações contra. A minha propriedade em falar disso é porque vivo ali. Hoje é muito lindo, na verdade, porque os meus amigos que me chamaram de louco por eu me mudar pra lá, hoje levam os filhos para andar de bike. É muito lindo participar desta transformação. O meu trabalho é poetizar o impoetizável. Eu não estou falando para fazer um parque. Eu falava que o parque já existia e só faltavam as árvores. Hoje eu digo que o parque já existe e são as pessoas. Quando eu vejo pessoas fazendo piquenique (a via é fechada aos domingos para os carros e se transformou em um espaço de lazer) acho foda de lindo. Me dá uma sensação de que estamos lutando por um pedaço de sol. Só isso que eu quero, me reunir ao ar livre com meus amigos. Isso vem acompanhado de boa arquitetura, prédios lindos e agora são oito jardins verticais, incluindo o segundo maior da América Latina.
A janela de seu apartamento é muito presente em parte de seu trabalho. Aqui, nesta casa, as janelas são molduras…
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Já verbalizei que os melhores quadros da casa são as janelas. Pra mim isso é uma responsabilidade para escolher qualquer tipo de obra de arte. Eu só quis criar um diálogo entre o interior e o exterior.
Vejo no seu trabalho um toque de humor que, pra mim, salva o mundo. Suas famosas frases têm um pouco disso, né?
Pra mim, as frases, (este assunto) ficou claro que quando fiz O Jardim Suspenso da Babilônia. Eu fiz para o outro, nem sabia que aquilo poderia acontecer, que seria reconhecido em Nova York. Uma vez o Nazareno (artista visual presente nas paredes do hotel), que se tornou amigo, falou: ¿quando você não é nada, você pode ser tudo¿. Aconteceu aquilo, eu era um fotógrafo, estava começando. Já fazia durante a faculdade de Direito, tinha um caderno de frases. Quando colei na cidade elas começaram a fazer sentido. Como (a frase) Vento no Cabelo, que é a sensação de liberdade.
Você tem uma fixação pelas famílias reais? Porque?
Eu acabei de assistir The Crown (série na Netflix sobre a família real britânica), assisti tudo em dois dias. Porque é muito fora do que eu acredito de mundo, mas como imagem pop é muito interessante., Aquelas imagens de pessoas vestidas com ouro, coroa, só consigo pensar no kitsch, no pop.
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Seu trabalho se desdobra em diversas criações. O que você está fazendo no momento?
Faço (cenografia) de vários festivais de música. Agora vou fazer um festival holandês incrível. Eu tenho uma relação com marcas que entenderam que quem vai fazer experiências com qualquer pessoa não é um cenógrafo, é um artista. É um artista que mistura cenografia, cheiro, iluminação e selfie. Sou conhecido no meio dos festivais de música(,) e das marcas porque eu dialogo com esse público jovem chamado de shareable point. Entendi há anos porque sou fotógrafo. Eu sei quando é um lugar que eu quero fotografar para o Instagram. Aqui tenho pelo menos uns 30 lugares que dá para tirar fotos lindas. Um tapete com uma luminária, uma folha, um livro, um canto. Eu entendi isso juntamente com marcas como Adidas e Nike. Tem uma coisa que é curiosa porque a minha criatividade não depende hoje de leis de incentivo para fazer as coisas acontecerem. Têm marcas que me apoiam no Minhocão e eu faço uma performance e uma instalação para elas. É uma troca. Pode ser financeira, mas é um caminho. Talvez eu precise entender mais de cenografia para continuar dialogando. Tenho coleção de camisetas, pôsteres, balões, pratos, no ano que vem terão tênis. Tudo dialogando com este universo das frases, de São Paulo. E quando estou falando de São Paulo estou falando do contrário. Cadê a floresta que estava aqui? Cadê os parques? Como ninguém fez um parque em cada bairro? Era só isso.