O Morro da Caixa é uma comunidade da região continental de Florianópolis conhecida pelo poder do tráfico de drogas. Lá, desde 2003 a Fundação Catarinense de Assistência Social (Fucas) oferece, através do esporte, uma oportunidade diferente para cerca de 200 crianças e adolescentes. No entanto, a administração da entidade aplicou um patrimônio de R$ 46,9 milhões em ativos sem liquidez, e atualmente não há verba sequer para pagar o salário dos professores ou as refeições dos alunos.
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— Hoje sou atleta de judô e concluí minha faculdade graças a Fucas. Muitos amigos da época que eu entrei para o judô foram para o tráfico de drogas e hoje estão mortos — lamenta o judoca multi medalhista Romário Silva, eleito melhor atleta do esporte em Santa Catarina no ano passado e tema de uma reportagem da Hora de SC.
Nesta quinta-feira (25), ele e mais de dezenas de alunos, professores e assistentes sociais fizeram uma pequena manifestação em frente à sede da entidade, bloqueando parcialmente a Avenida Governador Ivo Silveira. Cerca de 1600 pessoas estão sendo atingidas diretamente pela crise. Desde novembro, os professores estão sem salário e correm o risco de demissão. Oficinas oferecidas por terceirizados, como dança, circo e jiu-jitsu foram suspensas. Também não há mais uniformes. No momento, todas as atividades estão paradas por causa das férias escolares, mas o medo da comunidade é de que a fundação não as retome quando recomeçar o ano letivo. E mesmo que volte, as perspectivas não são boas.
Quando pararam de servir alimentação, metade dos alunos desistiu das aulas. Isso porque na Fucas eram servidas as principais refeições de crianças da Caixa e também do Monte Cristo e até de Palhoça. Eram 240 refeições servidas diariamente, com cafés da manhã e da tarde e almoço.
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Fora todos esses problemas, a entidade está endividada. Atualmente há uma valor em aberto em contas a pagar de aproximadamente R$ 2 milhões. Por todos esses motivos, a comunidade pede intervenção do Ministério Público e o afastamento do presidente da entidade, Roberto Ulisses de Alencar.

Ministério Público investiga situação
O advogado George Richard Daux foi presidente do conselho curador da Fucas e deixou a entidade depois de denunciar a situação – em vão. Segundo ele, o estatuto da fundação prevê a contratação de uma auditoria independente para avaliar os balanços financeiros anuais. No entanto, a direção contratou uma auditoria diferente das cinco opções apresentadas pelo conselho, atitude considerada suspeita pelo advogado.
— Houve a aplicação de fundos da Fucas em valores bastante expressivos de milhões de reais em segmentos não convencionais de aplicação. Esses recursos foram retirados de fundos que estavam no Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal e foram aplicados em fundos particulares, e se descobriu posteriormente que esses particulares não ofereciam garantia alguma para essa aplicação — denuncia Daux.
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Em maio de 2017, a 25ª Promotoria de Justiça da Capital requisitou informações sobre a aplicação de R$ 23,8 milhões investidos em mercado aberto e em mais R$ 23,1 milhões no fundo de investimentos em participações CAM Vera Cruz Imobiliário.
Um laudo técnico do Ministério Público concluiu que os investimentos da Fucas entre 2013 e 2017 “afetaram diretamente a capacidade de geração de receitas com liquidez da Fundação, fato que implicou na atual situação de falta de recursos de caixa”. Segundo o MPSC, a Fundação possui receitas totais intimamente ligadas com os recursos oriundos das receitas financeiras, valores estes “que foram comprometidos com as aplicações financeiras em empreendimentos imobiliários entre 2014 e 2015 com excesso de exposição ao risco e grande renúncia de liquidez.”
Diante disso, a 25ª Promotoria instaurou um Inquérito Civil para apurar uma possível responsabilidade dos gestores e coletar provas para uma eventual Ação Civil Pública que preserve o patrimônio e assegure a continuidade dos serviços prestados pela entidade. Este inquérito está em fase de instrução.
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O Ministério Público estabeleceu prazo até o dia 31 de janeiro para que a direção apresente um plano de reestruturação administrativa consistente, que envolva redução de gastos e captação de recursos. Uma das possíveis soluções para restabelecer as atividades pode ser a alienação de algum imóvel.
O que diz o presidente
Por que a fundação não consegue pagar o salário dos funcionários nem a alimentação dos atendidos?
A alimentação dos assistidos não é e nunca foi obrigação da entidade. Era fornecida alimentação por absoluta liberalidade da diretoria, sendo que, pelas dificuldades de caixa, fomos obrigados a cortar o fornecimento. Faz parte de nosso planejamento para 2018 o restabelecimento da alimentação através de convênios com a prefeitura ou outro órgão público que tenha programas destinados para este fim. Quanto aos salários dos colaboradores e débitos junto a fornecedores, embora a Fundação seja detentora de patrimônio significativo, no momento não consegue aferir numerário, de modo que possa honrar com tais pagamentos.
O MPSC questiona as operações financeiras que investiram R$ 23,8 milhões em “mercado aberto” e mais R$ 21,1 milhões em “fundos de investimentos em participações imobiliárias”. Qual a razão desses investimentos de grande risco? Porque não mantiveram as aplicações anteriores?
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Foram mantidas as formas de aplicação de recursos que eram realizadas desde antes da separação da Casan*. Trata-se de investimentos em fundos de investimento imobiliários que aplicam na construção civil e, como esse segmento foi o mais afetado pela crise econômica do País, tal fato refletiu diretamente no caixa da instituição, de modo que houve um desencaixe no fluxo de recebimentos, o que gerou tal situação. Ainda, na época da Casan os investimentos também eram realizados em fundos de investimento em crédito privado que igualmente passaram por uma crise de liquidez em função do momento econômico do Brasil, que também penalizou consideravelmente o nosso fluxo de caixa.
A direção admite que houve má gestão dos recursos?
Não. A Fundação, à época dos investimentos, ainda tinha um custo operacional na casa dos R$ 400 mil a 500 mil por mês, de modo que os investimentos realizados eram os únicos à época que apresentavam rentabilidade suficiente para fazer frente às despesas da entidade.
Qual a solução que a direção encontra para os problemas financeiros da entidade?
A venda imediata de patrimônio imobiliário próprio, o que ocorrendo, proporcionará o retorno às atividades e sanear todo o passivo, mantendo-se uma reserva para os próximos meses. Cabe destacar que todas as ações da diretoria são fiscalizadas pelo 25ª promotoria do MPSC e absolutamente todas as recomendações do Ministério Público serão acatadas e executadas imediatamente.
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* Fucas x Casan
A Fundação surgiu ligada à Casan em 1977. No ano de 2013, houve a separação entre da entidade após um litígio judicial. Após um empréstimo da Fucas à Casan, na década de 1990, a companhia foi pivô de um processo de execução que começou com pouco mais de R$ 48 milhões em 2005 e teria chegado a R$ 500 milhões em dezembro de 2013, quando as duas partes entraram em acordo no STJ. A Casan teve que pagar cerca de R$ 50 milhões para a Fucas, entre depósitos no fundo previdenciário dos funcionários e débito nos cofres da fundação.