Cada um tem seu ritual. Enquanto o público busca os assentos e o palco ainda parece sem vida, os bastidores das salas de apresentações fervilham. Em meio aos preparativos finais para concertos, dedos se alongam, instrumentos são afinados, vozes entoam notas, rostos se contorcem em inusitados aquecimentos. Os participantes do Festival de Música de Santa Catarina (Femusc) contam o que ocorre nas coxias antes de subirem ao palco.
Continua depois da publicidade
:: Confira os dez melhores momentos dos dez anos de Femusc ::
:: Conheça a cozinha do 10º Femusc ::
Continua depois da publicidade
Preparar-se para enfrentar concertos pode demandar poucos minutos ou até horas de cada músico – tudo depende do repertório, do instrumento e do tempo de duração da apresentação, assim como da personalidade de cada artista. Para a maioria, importante é preparar o corpo para a música: mais do que aquecido, os membros devem estar relaxados para que o músico se entregue totalmente à interpretação. O mexicano Jesús René Báez de la Mora, 36, que está pela primeira vez no Femusc, faz uma analogia com os atletas: é preciso aquecer e alongar cada músculo.
– O aquecimento de todo o corpo é importante, porque ele todo interage e está conectado com a música. Ele tem que estar disponível para tudo – conta ele.
A flautista chilena Paula Ordóñez Devaud, 31, e o oboísta colombiano Yoban Díaz, 31, confirmam e acrescentam: se não há aquecimento muscular, podem ocorrer até ferimentos. Notas longas e prolongadas e alongamento dos músculos da face completam o preparo deles – exigência dos instrumentos de sopro, que forçam a musculatura do rosto e a garganta. O trompista brasileiro José Wilker, 32, ainda lembra que os músicos ficam muito tempo parados em uma mesma postura, cansando os membros. Por isso, alongamentos e aquecimentos são fundamentais.
Rituais comuns
Comer alimentos leves e garantir um bom descanso ao longo do dia também estão na lista da maioria dos músicos, que se preparam com antecedência para cada apresentação. Repassar as peças e imaginar-se executando-as ainda são hábitos de muitos artistas. Consenso entre os participantes, porém, é a concentração. Respirar fundo, acalmar os nervos, que afloram antes da entrada em palco, tirar alguns momentos de introspecção apenas para si. Paula tenta meditar antes de subir ao palco. José gosta de ficar sozinho e fazer pequenas caminhadas pelos bastidores. O pianista chileno Ignacio González Valderrama, 25, também aprecia caminhadas pelo ambiente do concerto. Mais que preparar o corpo, preparar a mente é fundamental. Acalmar a ansiedade que cada apresentação traz não é, porém, uma busca por evitar o nervosismo.
Continua depois da publicidade
– Podemos controlar o nervosismo, porém ter esse sentimento é necessário, senão, a música não seria tão especial – sorri o mexicano Jesús.
O corpo como instrumento
Se instrumentistas necessitam de aquecimento total para subir ao palco, cantores líricos têm uma exigência ainda maior de preparo – afinal, seu próprio corpo é seu instrumento. O barítono Célio Souza, 24, que estuda na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que o básico se repete entre diferentes músicos: aquecimento muscular para acordar o corpo e deixá-lo disponível para o palco. No canto, porém, músculos específicos são demandados. É aí que entram alongamentos e aquecimentos que visam tanto as cordas vocais quanto os músculos faciais e até a caixa torácica. Repertórios diferentes pedem exercícios diferentes, mas ao menos 20 minutos são necessários antes de cada apresentação apenas para essa etapa.
Para os cantores, ainda há detalhes que perpassam o dia a dia. A soprano Julia Balieiro, 23, que estuda canto na Universidade de São Paulo, explica que não beber líquidos gelados e evitar alimentos que engrossam a saliva é fundamental: chocolate e café estão riscados da dieta. Beber bastante água até duas horas antes da apresentação também é uma dica valiosa.
Outros aspectos do preparo são bastante pessoais. Célio gosta de refazer, antes da apresentação, o percurso que trilhará em palco, criando uma lembrança corporal dos pontos nos quais irá parar e cantar. Já Julia não entra nos bastidores sem a imagem de Nossa Senhora Aparecida, uma pequenina estatueta recebida da mãe – o amuleto representa sua devoção.
Continua depois da publicidade