Há quase uma década, Kelly Kruger morreu depois de ser atingida por um tronco que sustentava um balanço em Joinville. A menina, à época com cinco anos, brincava no parquinho de um Centro de Educação Infantil, quando aconteceu o acidente. A morte dela causou comoção na cidade e abriu debate sobre o estado de conservação dos parquinhos e das áreas infantis.

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O alerta permanece até hoje. O AN volta ao tema e busca entender como estão as normas para esses espaços, como é a fiscalização e quais as orientações de especialista aos pais para que eles também ajudem na prevenção.

Atualmente, a recomendação é que esses locais sejam construídos e conservados seguindo os critérios da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). A normatização vale para áreas públicas e privadas. Além disso, uma lei municipal foi regulamentada pela Câmara de Vereadores em 2015, motivada pelo debate. O decreto prevê regramento e fiscalização dos locais, de acordo com a norma da ABNT. No texto foi estipulado o prazo de três anos – que se encerra Neste mês – para adequação.

— Acredito que há uma preocupação maior, de uma forma geral. O indicador disso é que não houve mais nenhum acidente grave nos últimos anos. Acho que o fato que ocorreu com a menina com certeza serviu de alerta para evitar novos acidentes — explica o arquiteto e urbanista Marcel Virmond Vieira.

Relembre: confira como está o estado de conservação das pracinhas de Joinville

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A padronização da ABNT prevê requisitos e procedimentos que devem ser observados na hora de projetar e conservar as áreas. Dentre os padrões de construção estão a utilização de materiais atóxicos e de piso que amorteça os impactos; o uso de parafusos com acabamento de proteção ou de cabeça arredondada; brinquedos bem lixados e acabados, livres de lascas, farpas e rebarbas. Os equipamentos não devem conter nenhuma protuberância em qualquer posição que represente perigo para as crianças.

Para conservação, a norma prevê que seja realizada uma inspeção a cada seis meses ou um ano – dependendo do material utilizado na fabricação do parque. Nesta fiscalização devem ser lubrificadas peças e soldadas, se houver necessidade. As partes desgastadas ou defeituosas devem ser substituídas, e parafusos, ligamentos, presilhas e fechos, repostos.

Apesar de não serem leis, as normas são recomendações que devem ser seguidas em projetos e inspeções. Elas são estabelecidas por especialistas e profissionais técnicos e orientam em relação a procedimentos que minimizem impactos, situações de risco ou elementos que coloquem em perigo a saúde das pessoas. Em casos de acidentes, como o que aconteceu com a menina Kelly, profissionais técnicos podem ser responsabilizados.

Aparelhos não pode conter peças e parafusos soltos
Aparelhos não pode conter peças e parafusos soltos (Foto: Salmo Duarte / A Notícia)

— Quando um profissional técnico for responsável por um acidente, por negligência ou imperícia, o que será usado como parâmetro para afirmar a responsabilização será o descumprimento das normas e das recomendações técnicas — conclui Virmond.

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A prefeitura informou, por meio de nota, que a equipe da Secretaria de Agricultura e do Meio Ambiente (Sama), responsável pelos parques e praças, faz a manutenção desses espaços dentro de um cronograma estabelecido pelo órgão. Questionada sobre a periodicidade dessas visitas, o município afirmou que “são ações diárias nos 120 parques” espalhados pela cidade. Além disso, ainda orienta as pessoas a registrarem na Ouvidoria, pelo fone 156 ou por meio do site da prefeitura, pedidos de manutenção dos parques infantis. A partir desse registro, a solicitação é encaminha à Sama, que faz a vistoria.

Adultos precisam observar as condições dos brinquedos, se apresentam pontos de ferrugem ou se estão quebrados
Adultos precisam observar as condições dos brinquedos, se apresentam pontos de ferrugem ou se estão quebrados (Foto: Salmo Duarte / A Notícia)

Ocupação de áreas contribui para a conservação

Ainda que muitos parquinhos joinvilenses tenham passado por melhorias nos últimos anos, com a troca de equipamentos antigos de madeira por brinquedos de plástico mais resistentes, o arquiteto visitou alguns locais com a reportagem e encontrou irregularidades que podem oferecer riscos às crianças, como balanços com peças enferrujadas, restos de brinquedos retirados que podem provocar acidentes e alguns equipamentos com cantos e bordas agudas.

Alguns fatores contribuíram para a conservação das áreas infantis, observa o arquiteto. O fortalecimento da presença e a ocupação dos espaços pela comunidade nos últimos anos fez com que houvesse maior zelo pelos locais, espantando vândalos. As pessoas acabam “adotando” o parquinho e reclamam sempre que observam algo errado. Assim, agem como reguladores e ajudam o poder público na manutenção.

— Outra coisa que mudou é que com a participação da Defesa Civil, da sociedade e até das Cipas de empresas, por exemplo, acaba ocorrendo maior consciência sobre essas questões de segurança — afirma.

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As redes sociais também têm um papel, ajudando a comunidade a “cobrar” a conservação quando percebe algum problema.

Especialista ressalta que há regras a se observar e que restos de brinquedos não devem ser usados
Especialista ressalta que há regras a se observar e que restos de brinquedos não devem ser usados (Foto: Salmo Duarte / A Notícia)

Uma tragédia que marcou a comunidade

De vez em quando, a menina Kelly Kruger acompanhava o pai, Zenaldo, de porta em porta, enquanto ele vendia cosméticos por Joinville e região. A garota, serelepe como qualquer criança de cinco anos, divertia-se com a tarefa. Acostumar-se a essa ausência foi árduo, ainda mais que, quando retornou ao trabalho depois da tragédia, até os clientes não se conformavam com a morte da “pequena vendedora”.

— É difícil, mas no final das contas a morte nos traz alguns aprendizados. Hoje compreendo porque aconteceu comigo, com a família e o papel da Kelly aqui na Terra — relata.

Além de aprender a conviver com a falta, a família também enfrentou dificuldades financeiras após a morte da filha. Eles entraram com um processo indenizatório e, em setembro de 2011, a prefeitura foi condenada a pagar aproximadamente R$ 200 mil aos familiares.

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De acordo com o advogado e irmão de Zenaldo, Osvaldo Kruger, o governo municipal recorreu da sentença. O processo tramita no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) e a família aguarda o esgotamento dos recursos para que seja anunciada decisão.

Criminalmente, a Justiça absolveu a diretora do CEI na época do acidente e o diretor da empresa que havia vistoriado o parquinho um ano antes do acontecido.

Ambos chegaram a ser indiciados por homicídio culposo. Eles foram absolvidos por falta de provas.

Queixas sobre aparelhos danificados podem ser registradas na Ouvidoria da Prefeitura, pelo telefone 156
Queixas sobre aparelhos danificados podem ser registradas na Ouvidoria da Prefeitura, pelo telefone 156 (Foto: Salmo Duarte / A Notícia)

Tendência de brinquedos lúdicos diminui a incidência de acidentes

Na contramão dos brinquedos tradicionais nas pracinhas, cresce uma tendência de equipamentos e espaços diferentes, que estimulam a fantasia, o lúdico e a criatividade das crianças. A popularização desses novos playgrounds também ocorre porque o perfil das crianças mudou, evidenciando novas necessidades.

Os novos modelos são mais seguros, aponta o arquiteto, porque estimulam as crianças a desenvolver a capacidade motora e o equilíbrio sem que os brinquedos estejam em movimento – como é o caso dos gira-giras ou balanços. Nos parquinhos mais modernos há cúpulas geodésicas (em corda e alumínio), redes (de diversos tamanhos), e pontes suspensas, por exemplo. Esses aparelhos, além de entreter a criança por mais tempo, ainda faz com que vivenciam a superação de desafios.

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— Nos balanços, por exemplo, o desafio é se balançar o mais alto possível ou o mais rápido, aumentando as chances de acontecerem acidentes — garante.

Os modelos atuais ainda contribuem para estimular a resiliência, já que as crianças não desistem na primeira tentativa, a incentivar a acessibilidade.

Pais podem ajudar a prevenis acidentes

De acordo com Virmond, os pais e adultos têm papel fundamental para ajudar a esses acidentes. Veja o que deve ser observado ao levar as crianças nestes locais:

Observe as condições dos brinquedos

Fique atento ao estado de conservação dos equipamentos. Verifique se há peças soltas, quebradas, parafusos aparentes que possam causar acidentes. Além disso, observar se há pontos de podridão, ferrugem ou desgaste nas madeiras ou plásticos dos brinquedos. As arestas dos brinquedos devem ser arredondadas e estar bem lixadas.

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Fique atento as especificações dos equipamentos

Cada brinquedo tem uma faixa etária especifica, assim como uma altura adequada ao tamanho da criança. Não permita que sejam utilizados os equipamentos muito altos para o tamanho dela, já que a queda pode resultar em fraturas e ferimentos graves.

Piso deve absorver impactos

O ideal é que o piso destes locais seja feito com materiais que absorvam impacto, já que os pequenos pulam e correm bastante, e minimizar os efeitos da queda. O solo pode ser de borracha ou de areia, por exemplo.

Eduque orientando as regras

Cada equipamento em um parquinho tem uma maneira de utilização. Os balanços não são feitos para serem utilizado com a criança em pé, assim como o escorredor não é para ser “escalado”. É essencial que os adultos orientem que cada equipamento tem uma regra que deve ser seguida.

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