Quando calçou os tênis e saiu sozinho do sobrado verde claro onde mora, Zenaldo Kruger, 48 anos, sabia que a caminhada de 1,1 quilômetro seria dolorida. Era o reencontro com o passado recente. Atrás do muro que ele escalou, e onde depois sentou, ainda estava o tronco podre do balanço que matou sua princesinha Kelly Kristyn Kruger, cinco anos.

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O choro, pela primeira vez desde a tragédia ocorrida no dia 3, não teve abraço de consolo. Ele estava só. A caminhada foi na tarde de segunda-feira, feriado em Joinville, horas depois de a família chegar de Lages, onde Kelly foi enterrada.

Nem Zenaldo nem a família tinham ido ao parquinho do Centro de Educação Infantil (CEI) Espinheiros desde o acidente. A mãe, Zenobia Wintercheidt, 45, fala pouco. Chora mais. Em casa, levanta, sai e volta com o coelhinho Pepe. Era o bichinho favorito da “Kellynha”, como a mãe a chamava.

– Esse vai ficar comigo para sempre – diz.

Roupas e brinquedos não têm destino certo. A família pensa em doá-los ao CEI. Mas não sabe qual seria a reação dos amiguinhos e professores. Pai e mãe também não falam em ação judicial. Mas o tom é de que há, sim, responsáveis.

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– Fatalidade foi o que aconteceu em Ilhota por causa das chuvas. O que matou minha filha foi absoluta negligência – afirma o pai.

As boas lembranças ainda estão no quarto rosa da menina – essa era sua cor favorita. Os desenhos e cartazes da Moranguinho e Hello Kitty também. Kelly, a caçula de uma família que soma seis irmãos, era a única menina. Numa época de grana curta, a gravidez foi recebida com mistura de apreensão e alegria.

– Torcia por uma menina – lembra Zenaldo.

Em 16 de março de 2003, Kelly nasceu. Para chegar ao hospital, a família teve de pegar um carro emprestado e percorrer quase 30 quilômetros, em Florianópolis. Neste 16 de março – segunda-feira que vem – a família só pretende rezar. Assim como Kelly fazia antes das refeições e de dormir. Mesmo quando pedia para o pai dormir no colchão enquanto ela adormecia abraçada à mãe.

– A fé e a orientação espiritual dão serenidade, mas não pensem que dói menos por causa disso – diz a mãe, com fotos de Kelly nas mãos.

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São de um desfile que ela fez no final de 2008, quando ganhou uma coroa e faixa de rainha.

A memória leva ao último dia de aula. Kelly pediu colo para o pai até o carro.

– Que colinho gostoso, papai – disse ela.

No carro, no banco de trás, acenava aos colegas de aula e dizia:

– Veja quantos amiguinhos eu tenho papai.