Enquanto a epidemia de obesidade cresce no mundo, nós nunca fizemos tanta dieta. Essa realidade já deveria soar como um alerta: talvez a saída não seja o regime. Pelo menos não do modo que está sendo feito. Em tempos de dietas instantâneas e milagrosas e avanço dos transtornos alimentares, o método da nutricionista francesa radicada no Brasil Sophie Deram, sem restrições ou imposições, funciona quase como um oásis de lucidez.
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– Precisei ter um doutorado para as pessoas me escutarem falar que devemos comer como nossos avós – conta ela em entrevista à coluna.
Para a doutora em Endocrinologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), especialista em obesidade infantil e transtorno alimentar e escritora do O Peso das Dietas, é como se o mundo estivesse enlouquecendo:
– Vivemos um terrorismo nutricional que deixou as populações com medo de comer e sem saber o que comer. Esse excesso de informação errada faz com que as pessoas entrem em paranoia. Cada hora é uma coisa: agora preciso comer gojiberry, agora todos contra o glúten.
Das pesquisas e da experiência de mais de 20 anos na área, surgiu uma abordagem que parece inovadora, mas que nada mais é do que uma adaptação do que faziam nossos ancestrais, em um tempo em quem a obesidade não representava uma epidemia mundial: comer todo o tipo de alimento, ser ativo, cozinhar em casa e preferir alimentos naturais aos industrializados.
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Palestrante requisitada, Sophie desembarca em Florianópolis no dia 21 de junho (confirma mais informações abaixo) para um bate-papo cujo tema é abordado na entrevista a seguir.
Pesquisam indicam que mais de 90% das dietas restritivas não funcionam a longo prazo. Fazer dieta tem se mostrado ineficaz? Ou pior: fazer dieta engorda?
Esses são dados epidemiológicos: entre 90 e 95% das pessoas que fazem dieta no intuito de emagrecer, num período de seis meses a dois anos voltam a engordar. E às vezes engordam mais. Na verdade, a gente vê que fazendo dieta restritiva você muda o seu centro de apetite, desregula seu cérebro. A pessoa fica com mais vontade de comer e pensando mais em comer durante e depois das dietas. Por isso não é sustentável fazer uma restrição forte. O próprio cérebro vai contra, ele vai se adaptar para ajudar a sua sobrevivência e vai fazer você buscar alimentos. Por isso eu digo que é normal fracassar na dieta. O cérebro odeia a restrição e faz de tudo para você voltar a comer como antigamente. E, às vezes, o apetite aumenta tanto que a pessoa se assusta porque ela quer restringir, mas só pensa em comer, então a dieta vira uma dor.
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Quando a causa do excesso de peso está ligada à fome emocional o ema-grecimento pode começar com tratamento psicólogo?
Sim. É muito interessante trabalhar os dois lados. O ser humano se nutre de alimentos e sentimentos. Eu trabalho não somente nutrientes, mas compor-tamento. Às vezes só trabalhando o comportamento, a pessoa emagrece. A maioria das vezes eu aconselho uma terapia junto. Existe muito o comer emocional, comer porque está triste, cansada, feliz. Nesses casos, é importante o paciente desenvolver outras técnicas para lidar com as emoções. E quanto mais você se restringe mais você corre o risco de ter o famoso comer emocional. O alimento vira a sua recompensa para tudo. E quando você procura alimentos para recompensa, você não procura brócolis. Você vai procurar algo com muita energia, gordura, como chocolate, bolacha e sorvete.
Vivemos uma ditadura da magreza, onde assistimos a um desfile de mulheres com corpos irreais na televisão e nas revistas. Isso se reflete nos consultórios? E atinge mais as mulheres?
Tenho uma colega que trabalha na área há 30 anos e diz que tem a sensação de estar falhando, porque vê as modelos cada vez mais magras. É um pouco isso. Vemos as atrizes com corpos saudáveis e quando entram nas novelas elas ema-grecem muito rápido. Isso parece atingir mais as mulheres, mas observo que no ambulatório de transtorno alimentar (Sophie é pesquisadora no ambulatório de obesidade infantil, no Instituto da Criança e no ambulatório do programa de transtornos alimentares do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), o número de homens tem crescido bastante. É algo que não existia há 15 anos. Eles também têm uma pressão enorme para serem bombados, malhados, definidos. É como se o mundo estivesse enlouquecendo. Dá uma pena desses jovens que tem tanto para fazer na vida e estão presos nisso.
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Qual é o perfil de paciente que chega ao seu consultório e como você o trata?
Na maioria, recebo pessoas que realmente têm peso para perder. E chegam me dizendo: você é minha última chance, já tentei de tudo. Tem um momento que nem uma dieta restritiva funciona. Aí a pessoa fica perdida. Também tem muita mulher jovem entrando no meu consultório e dizendo: preciso de ajuda para co-mer bem porque fui criada num ambiente restritivo, minha mãe vivia de dieta, não sei o que é um ¿comer tranquilo¿. Vemos uma geração de meninas educadas por mulheres presas no efeito sanfona e que passam a vida de dieta. As mulheres de hoje nunca tiveram uma casa tranquila em relação à alimentação.
E então, como você monta a dieta? Não há restrição de alimentos para quem procura a senhora para perder peso?
Não costumo passar dieta, começo com comportamento. Há um foco na qualidade. Ao invés de tirar, eu aumento. A quantidade de legumes, por exemplo. Automaticamente, você vai reduzir carboidratos. O fato de trabalhar na parte positiva deixa as pessoas mais tranquilas. O objetivo é que a pessoa faça as pazes com a comida. Para isso, não uso regras rígidas, que normalmente levam à culpa. Indico a elas comer melhor e não menos. E quando você melhora o comporta-mento e qualidade daquilo que ingere, você come menos. Elas me dizem: ¿agora que eu posso comer chocolate, eu não quero mais¿. Geralmente trabalho com o que a pessoa já está comendo, o que ela gosta e come normalmente. Quando chega uma pessoa que não sabe o que é fome ou tristeza aí sim eu aconselho a começar com reorganização de café da manhã, almoço, lanche e jantar. Para que ela aprenda a distinguir os tipos de fome: física, que temos que honrar, e a emocional, quando é melhor evitar comer. Quando você vem de anos de dieta, o comer emocional é muito forte. A chave de tudo é se conscientizar. Não sou eu quem vai saber a fome que você tem. Quem eu sou para obrigar você? Muitas pessoas ficam bem perdidas no começo, quando ocorre essa liberação. Mas logo falam: estou mais tranquila, com uma relação mais suave com a comida. E por consequência elas emagrecem. É muito mais lento e às vezes você pode até engordar um pouco no começo. Tenho muitos pacientes que me pedem: perdi 20 quilos e quero que você me ajude a manter. Eu respondo: desculpa, não sou uma fada, o seu corpo vai querer voltar.
Conforme a sua experiência, a origem dos transtornos alimentares pode estar nas dietas restritivas?
Quase todos os transtornos alimentares começam com uma dieta restritiva. É um fato. Nem todo mundo que faz dieta restrita vai ter um transtorno, mas quase todo mundo que tem transtorno começou com uma dieta. E existe também o comer transtornado, que é não uma pessoa que é anoréxica, mas é uma pessoa que tem medo de comer lactose, por exemplo. E eu acho que isso está aumentando de maneira extremamente rápida e assustadora, principalmente entre as meninas muito jovens. Parece que tem uma neura muito grande em torno de comer. Não é um transtorno fechado, mas um comer transtornado. Cada vez menos pessoas comem em paz.
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O açúcar parece ser o grande vilão dos nossos tempos. Muita gente chega a compará-lo a uma droga, que deve ser banida do cardápio. Qual é a sua posição sobre o assunto?
Acho um absurdo. O açúcar não é uma droga, mas um alimento. É claro que o brasileiro está consumindo demais e acho interessante moderar. Mas colocar ele de vilão pode desenvolver transtornos alimentares. Conheço famílias que tiram todo o açúcar da criança e ela passa a comer escondida. Não é excluindo todo o açúcar que vamos resolver a epidemia de obesidade. Nossos avós comiam do-ce. Tem que ter bom senso. Açúcar não é uma droga, mas é verdade que pode causar dependência.
O que é comer bem?
Comer de tudo sem restrição, sem culpa, respeitando a fome, saciedade e suas emoções. Comer com consciência, na paz, de maneira mais tranquila. Comer perfeito não existe. É preciso comer melhor e parar de ter regras rígidas.
Sono adequado e atividade física podem ajudar nesse processo?
O sono é tão importante quanto a atividade física. Estudos recentes mostram que os melhores fatores para prevenção da obesidade infantil são: dormir mais, ser ativo e comer com os pais. Sobre atividade física, você não deve cansar demais. Brinco que as francesas não vão à academia. Claro, se você me disser que gosta, que bom. Mas as pessoas que não gostam, podem caminhar, pedalar. Fazem mil coisas sem entrar na academia.
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Três dicas para quem quer emagrecer:
1. Não faça dieta
2. Coma mais alimentos verdadeiros e menos industrializados
3. Cozinhe*
*Pesquisas indicam que cozinhar e comer alimentos caseiros é a melhor prevenção para obesidade e diabetes tipo 2
Agende-se
O quê: Palestra O Peso das Dietas com a nutricionista Sophie Deram
Quando: 21 de junho, às 19h
Onde: CentroSul – Florianópolis
Ingresso: R$ 60 (plateia 1º lote) à venda no site Blueticket. Sócios do Clube do Assinante têm 30% de desconto