O corpo do arquiteto Oscar Niemeyer, morto na noite de quarta-feira no Rio de Janeiro, será velado na quinta-feira no Palácio do Planalto, em Brasília, e voltará ao Rio de Janeiro para ser enterrado na sexta-feira, no cemitério São João Baptista. Niemeyer, que em 15 de dezembro teria completado 105 anos, estava internado desde 2 de novembro, a princípio para tratar uma desidratação e para colocar uma sonda gástrica.
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O arquiteto “morreu cercado por sua família”, afirmou à imprensa o médico Fernando Gjorup. “O Brasil perdeu um de seus gênios, hoje é um dia para chorar”, disse a presidente Dilma Rousseff em comunicado publicado no blog oficial da presidência. Dilma lembrou a militância comunista de Niemeyer até o final de seus dias: “a partir das injustiças do mundo, sonhou uma sociedade igualitária”.
– Niemeyer foi o maior arquiteto do Brasil. Um gênio da arquitetura mundial. Doce no trato, firme em suas convicções e amado pelo povo brasileiro – afirmou o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, que decretou luto oficial de três dias no Estado.
O corpo de Niemeyer foi embalsamado no laboratório da Santa Casa de Misericórdia, no bairro de Inhaúma, na zona norte do Rio, durante a madrugada desta quinta. No início da manhã, foi levado em cortejo de volta ao Hospital Samaritano, em Botafogo, zona sul da Capital, onde morreu na noite de quarta-feira.
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Por volta das 10h, o corpo será levado, também em cortejo, para o Aeroporto do Galeão, de onde seguirá para Brasília. O velório será no Palácio do Planalto. Depois, o corpo volta para o Rio, onde será velado no Palácio da Cidade. O enterro do arquiteto está previsto para sexta-feira pela manhã no Cemitério São João Batista, em Botafogo.
Biografia
Niemeyer casou em 1928 com Annita Baldo, sua primeira mulher, descendente de italianos de Pádua. Eles tiveram uma filha, Anna Maria, quatro netos, 11 bisnetos e três trinetos. Annita faleceu em 2004.
Em 2012, o Sambódromo do Rio finalmente passou a ter o traçado original desenhado por Niemeyer há mais de 30 anos. O arquiteto visitou as obras antes do carnaval, em uma de suas últimas aparições públicas. Em Manaus, o Memorial Encontro das Águas, projetado em 2006, deve finalmente começar a ser construído para ser um ponto de encontro na cidade durante a Copa de 2014.
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Niemeyer foi um dos arquitetos que mais tempo de atividade dedicaram ao concreto. Subordinado a sua imaginação, o material estéril e cinzento bailava em curvas e elipses que se tornaram sua marca registrada, no Brasil ou no resto do mundo – seus projetos estão espalhados por França, Itália e Argélia, entre outros países ao redor do globo.
Carioca do bairro das Laranjeiras, Oscar Ribeiro de Almeida Niemeyer nasceu em dezembro de 1907, simbolicamente pouco tempo depois da execução dos planos de urbanização do Rio promovidos pelo prefeito Pereira Passos. Filho de família tradicional – seu avô foi ministro do Supremo Tribunal Federal e hoje é nome de rua no Rio – Niemeyer primeiro começou a trabalhar como tipógrafo, auxiliando o pai. Em 1929, entrou para a Escola Nacional de Belas Artes, onde recebeu o diploma de engenheiro arquiteto em 1934.
A partir daí, a trajetória profissional de Niemeyer se cruza de maneira fundamental com a do também arquiteto Lúcio Costa. Foi no escritório que Costa dividia com Carlos Leão que Niemeyer começou sua carreira, em 1935. Mesmo precisando de dinheiro para sustentar uma família em formação, Niemeyer começou trabalhando de graça, com o objetivo de se aperfeiçoar.
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Seria ali que, no ano seguinte, na equipe que participou do projeto da sede do Ministério da Educação e Saúde, conheceria outros dois nomes importantes para sua formação: o ministro Gustavo Capanema e o arquiteto suíço Le Corbusier, o papa do modernismo arquitetônico.
Le Corbusier foi uma das poucas influências declaradas de Niemeyer, mas com o tempo o brasileiro foi desenvolvendo seu próprio estilo e distanciando-se dos cânones estabelecidos pelo suíço. Foi Corbusier quem primeiro diagnosticou a obsessão de Niemeyer por curvas com uma observação metafórica.
– Você tem as curvas dos morros do Rio na retina.
Complexo da Pampulha foi marco na obra de Niemeyer
Gustavo Capanema não era arquiteto e não foi uma influência formal, mas foi, a seu modo, o responsável pelo que o próprio Niemeyer considerava o marco inicial de sua arquitetura. Foi Capanema quem, em 1940, apresentou o arquiteto carioca ao prefeito de Belo Horizonte Juscelino Kubitschek. A essa altura, Niemeyer já havia desenvolvido projetos no Rio e em parceria com Lúcio Costa na Feira Mundial de Nova York, mas foi com a Pampulha, na capital mineira, que seu nome ganhou projeção. Ali, o próprio arquiteto descobriu seu estilo de formas leves e sinuosas de concreto.
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– Sem a Pampulha não teria havido Brasília – reconhecia Niemeyer.
A partir do sucesso da primeira parceria entre ambos, Niemeyer seria procurado quase duas décadas mais tarde por Kubitschek, agora presidente, para desenvolver sobre o plano-piloto do amigo Lúcio Costa a nova capital da República, no meio do cerrado. Brasília seria o palco para algumas das mais radicais experimentações de Niemeyer – a mais simbólica as colunas do Palácio da Alvorada, aclamadas pelo ministro da Cultura de De Gaulle, André Malraux, como a “invenção arquitetônica mais importante desde as colunas gregas”.
Obcecado pela novidade e pela busca de soluções originais, Niemeyer deixou em mais de 70 anos de atividade cerca de mil projetos, mais da metade já executados. Sua mais recente obra ainda em execução é o chamado Caminho Niemeyer, na cidade de Niterói, um complexo de construções e esculturas assinadas pelo artista em uma área que se inicia na Estação das Barcas, no centro de Niterói, e termina no Museu de Arte Contemporânea – também projetado pelo arquiteto -, na praia da Boa Viagem.
Curvas de um revolucionário
Complexo da Pampulha
Entre 1940 e 1944, Niemeyer projetou no bairro da Pampulha, em Belo Horizonte, um cassino (hoje Museu de Arte da Pampulha), um restaurante, um clube náutico, a igreja de São Francisco e a Casa de Baile. O projeto marca o estágio em que ele abandona o ângulo reto em favor das curvas – a igreja que lembra um hangar é um exemplo.
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Sede das Nações Unidas em Nova York
Em 1946, junto com outros 10 arquitetos, Niemeyer foi convidado a orientar o projeto da nova sede da ONU em Nova York. O desenho final do edifício combinou dois projetos: o que havia sido apresentado pelo antigo mestre de Niemeyer, Le Corbusier, e o plano do próprio Niemeyer.
Museu de Arte Contemporânea
Museu em forma de nave espacial ou um cálice pousado sobre um rochedo à beira mar na Praia da Boa Viagem, em Niterói, projetado por Niemeyer em 1996. Foi escolhido por uma das revistas de turismo mais conceituadas do mundo uma das sete novas maravilhas do mundo.
Brasília
Em 1956, Juscelino Kubitschek, então presidente da República, encomendou ao arquiteto um projeto para a construção da nova capital. Niemeyer sugeriu que fosse aberto concurso nacional para o plano da cidade. Lúcio Costa ganhou e Niemeyer projetou, sempre em busca da liberdade criativa, os principais prédios públicos da cidade. Entre eles, o Palácio da Alvorada, a catedral de Brasília, o Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal Federal, Ministério da Justiça, Congresso Nacional, a catedral, o Teatro Nacional e a Praça dos Três Poderes
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Memorial da América Latina
O empreendimento projetado por Niemeyer em 1989 foi criado com o objetivo de reunir as mais expressivas manifestações culturais do continente no memorial em São Paulo. Segundo o arquiteto, o que fez com mais prazer foi a escultura de concreto com sete metros de altura, com o mapa do continente de onde escorre sangue. A obra significaria, segundo Niemeyer, um protesto contra a América Latina sacrificada.
Contradições generosas de um gênio moderno
Ao longo de quase 70 anos de atividade, o gênio de Oscar Niemeyer equilibrou as próprias contradições tão bem como as formas que saíam de sua prancheta se equilibravam no ar em curvas ousadas.
Niemeyer foi vários personagens convivendo no mesmo homem: o ateu que se tornou mestre em projetar igrejas, o comunista fervoroso que trabalhou estreitamente com vários governos capitalistas e até o homem que via no casamento uma ilusão burguesa, mas que vivia desde 1928 com a mesma mulher, Annita Baldo.
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Niemeyer era um comunista fervoroso, a ponto de se desligar do Partido Comunista Brasileiro em 1990, quando este buscava nova orientação após o fracasso da experiência soviética. Ainda assim, algumas de suas obras mais marcantes foram desenhadas por encomendas governamentais no Ocidente capitalista – só foi contratado para um projeto em Moscou depois da queda do comunismo. Brasília foi apenas o exemplo mais significativo – e também o mais irônico, já que apenas quatro anos depois de inauguradas, as salas que Niemeyer havia projetado para abrigar o poder presidencial passaram a ser ocupadas por governantes militares que se sentiram muito à vontade na nova Capital. Gradualmente, o arquiteto se viu impedido de trabalhar no Brasil a acabou mudando-se para Paris.
Nas suas declarações pró-socialismo, Niemeyer era um sonhador, o que contrastava com o pragmatismo profissional que manifestava ao falar de sua própria atuação como arquiteto contratado. Dizia que a clientela para seu trabalho eram “a classe dominante e o próprio Estado”.
– Na mesa de desenho, nós, arquitetos, nada podemos fazer nesse sentido… a tarefa única é protestar contra a miséria e a opressão e juntos lutarmos por um mundo melhor e mais justo – escreveu em A Arquitetura Moderna no Brasil.
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O lado socialista de Niemeyer, entretanto, era responsável pelas extravagantes generosidades pelas quais se tornou conhecido. Além de cobrar relativamente pouco para o nome que tinha – ganhou US$ 200 mil pelo projeto de um museu em Curitiba – desenhou vários projetos de graça para amigos e empregados – como a casa do motorista que o acompanhava havia mais de 50 anos, no Morro do Vidigal. Enquanto desenvolvia um pavilhão no Hyde Park, em Londres, arranjou tempo para projetar a nova quadra da escola de samba Vila Isabel, a pedido do amigo Martinho da Vila.
– Sou realista e sei muito bem como as coisas são precárias e ilusórias diante do tempo que tudo vai diluir e esquecer – justificava.