Em setembro de 2004 estreava em Florianópolis o Teatro de Quinta, versão ilhoa do humorístico Terça Insana, de São Paulo. A primeira apresentação foi no Café Matisse, o extinto bar do Centro Integrado de Cultura (CIC), com pouquíssimos espectadores. Não era apenas humor de cara limpa: atores criavam personagens e apresentavam esquetes com diferentes abordagens da comédia. Não demorou três meses e o espetáculo se transformou num fenômeno de plateia. E num marco da cena teatral de Santa Catarina.

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::: Saudades do Teatro de Quinta? Saiba como foi a criação dos personagens

Mesmo 10 anos depois da estreia – a última apresentação foi em 2011 -, o projeto continua na memória do público e no DNA de artistas hoje reconhecidos no Estado. Com o Teatro de Quinta, Malcon Bauer, Igor Lima, Grazi Meyer, Milena Moraes, André Silveira, Daniel Olivetto, Monica Siedler e Renato Turnes, para citar apenas parte do elenco flutuante, quebraram tabus, mostraram que humor não é só empurrar besteirol goela abaixo e que é possível viver bem de arte.

Anos profícuos para uma geração de atores que deram a cara à tapa e experimentaram novas linguagens. Eles são hoje reverenciados pela técnica apurada, experiência e jogo de cena. Seja no drama ou na comédia. Não há planos de voltar, mas de certa forma o Teatro de Quinta ainda vive em personagens inesquecíveis como a Irmã Frida, a atendente de check in Heide, o Xuca, o Malaco da Costeira, o cobrador de ônibus Cleosvaldo e a menina Lulu.

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– Foi uma experiência gerada por um grupo de atores em busca de espaço diferente na cena teatral do Estado. Eles propuseram uma nova forma de interação com os espectadores- observa o professor da Udesc e diretor teatral André Carreira.

Até a nomenclatura, Teatro de Quinta (inicialmente porque era apresentado nas quintas-feiras), era uma autoironia, quando do ponto de vista técnico não se justificava porque os atores eram qualificados.

Memórias

O Teatro de Quinta começou com André Silveira, Igor Lima e Malcon Bauer. Depois entraram Milena Moraes, Grazi Meyer e outros atores passaram pelo elenco. Renato Christofoletti teve um papel importante como produtor, mas não foi encontrado pela reportagem do DC. A ideia do nome foi soprada pelo André Silveira, mas tudo mundo contribuiu. No começo, Silveira ajudava a escrever textos e acabou indo para o palco para tapar buraco. Nessa época criou o personagem Cleosvaldo, o cobrador de ônibus, que hoje integra o elenco do Zorra Total, programa humorístico da TV Globo.

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– Os personagens foram criados com texto, porque ainda não tínhamos tarimba para improvisação. E o material que usávamos não era descartável, sempre havia atualidades da semana – lembra Malcon Bauer.

Quando o Teatro de Quinta passou a ser apresentado no extinto Mecenas Bar, na Trindade, o público formava filas na porta. As pessoas gostavam e voltavam, muitas ficaram íntimas e acompanham os trabalhos dos atores até hoje. Tinha até quem levava presente de natal.

– Foi um momento interessante em termos de criação. Éramos muito livres. E a história do bar – com seus prós e contras – sempre foi importante. A gente se jogava, criava e matava nossos personagens – comenta a atriz Grazi Meyer.

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No final de 2005 o bar já não acomodava tanto público e a partir de 2006 passou a ser apresentado no Teatro da Ubro, no Centro. De novo o lugar ficou pequeno e uma vez por mês então o espetáculo era realizado no Teatro Álvaro de Carvalho, também no Centro, com apresentações nos fins de semana durante o verão.

-Eles conseguiram levar público para o teatro, mesmo aqui em Florianópolis onde não se tinha o hábito de sair de casa para ir ao Centro da cidade – comenta o professor e diretor teatral Vicente Concilio.

Mais que isso, os atores provaram que é possível viver de bilheteria. Eles se autogeriam, faziam eventos e conseguiram a façanha de lotar o Teatro Ademir Rosa, no CIC, e deixar 200 pessoas para fora no espetáculo em comemoração ao aniversário de três anos do projeto – numa época em que peça de “grupo local” não era valorizado.

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Legado

Durante muito tempo funcionou o modelo nas artes cênicas em que um grupo escolhe um texto e monta o espetáculo. Em relação ao gênero comédia, as referências até há alguns anos eram as peças com apelo popular, comercial, o besteirol carioca. Nos anos 2000 teve o boom do stand-up comedy, já em moda nos Estados Unidos.

– Vejo o Teatro de Quinta dentro de um movimento. Antes deles tiveram trabalhos imortantes da Cia Pé de Vento, do Paulo Vasilesco, Andréa Padilha. Não consigo ver o antes ou depois, mas vejo momentos diversos. Foi muito importante, mas é parte de uma trajetória. Essa geração é herdeira de pessoas que trabalharam muito para conquistar público – destaca o professor e diretor André Carreira.

Hoje os modelos são diversos, a abordagem de temas politicamente corretos ou incorretos é outra e há os personagens novos, como o Darci, manezinho criado por Moriel Costa.

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– Teve uma mudança dos atores do Teatro de Quinta. Muitos ficaram na cidade, montaram produtoras. Conseguiram fazer um trabalho bom num momento interessante. E teve um avanço, se analisar o trabalho deles – complementa Vicente Concilio.

O ator e diretor de teatro Renato Turnes segue o mesmo raciocínio. Ele participou da reta final do Teatro de Quinta e relembra bem os modismos na cena cômica do Estado, principalmente em Florianópolis: o show de esquetes inspirados no Terça Insana e depois a onda do stand-up.

– Agora vemos que o que era moda já passou e apenas aqueles que realmente se dedicaram a criar um estilo muito pessoal sobreviveram. Desconheço experiências desse gênero no interior do estado.

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No entanto, ele não crê numa cena de humor consolidada a partir do Teatro de Quinta:

– Não me refiro a outros gêneros, como a linguagem do clown (palhaço) etc. Acho que mais do que a consolidação de uma cena , o Teatro de Quinta contribuiu paro amadurecimento profissional dos artistas.