Em uma estratégia de enfrentamento a modelos como a Escola de Princesas, franquia mineira que pretende formar “princesas modernas do mundo real”, surge em Florianópolis os projetos Curso para meninas livres e Marias vão com as outras. Enquanto no programa que faz analogia aos contos e fadas as pequenas têm aulas de etiqueta social, maquiagem, culinária e recomendações para o que chama de “passo mais importante da vida de uma mulher”: o casamento, o modelo de aprendizagem das oficinas catarinenses preocupa-se em transmitir um universo amplo às meninas para que se sintam livres para serem aquilo que quiserem.

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As iniciativas são inspiradas nas oficinas de desprincesamento da Escola de Desaprendizagem Sociocultural de Iquique, cidade chilena de 166 mil habitantes banhada pelo mar pacífico. Nacionalizada no sistema educacional do Chile, a proposta das aulas para meninas de 6 a 12 anos é construir uma nova identidade das crianças: livre dos estereótipos de gênero, que associam exclusivamente a figura da princesa para as meninas e a do super-herói para os meninos.

Os pedagogos e sociólogos responsáveis pelo modelo pedagógico do desprincesamento Yury Bustamante, Lorena Cataldo e Jendery Jaldín explicam que o preconceito reforçado pela indústria cultural impede o desenvolvimento de todas as potencialidades das pequenas.

— Desprincesar implica em desaprender os estereótipos de gênero na infância, entendendo que meninos e meninas são iguais em direitos, mas que existe um contexto de desigualdade onde vivemos, que se baseia em um preconceito sobre como são as meninas — dizem.

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“Ser menina”, “desprincesamento”, “estereótipos em jogos” “amor romântico” e “autodefesa” são as seis sessões propostas pela oficina chilena. Em Florianópolis, o conteúdo repassado por mulheres às meninas será semelhante (leia mais abaixo).

— Queremos mostrar que as meninas podem ser o que elas quiserem. Se quiserem ser princesas, podem ser. Mas vamos mostrar que há um universo muito maior para elas escolherem. E também garantir que elas podem estar juntas fazendo coisas interessantes — diz a blogueira do Cientista que virou mãe, Lígia Moreira Senas, uma das criadoras do projeto.

Na reunião de abertura do curso, no último sábado, a pequena Maitê Duarte Rosa, 9 anos, empolgava-se com o anúncio de cada oficina que irá acontecer nos próximos sábados. Acompanhada da mãe, Cristina de Figueiredo Duarte, 36 anos, ela conta que gostou mais daquela que envolve consertos e teatro.

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— Me sinto representada por esse tipo de ensinamento às meninas, porque esse é o estilo de educação que tento passar a ela. Menina também pode consertar as coisas, trocar chuveiro, usar ferramentas. Fui criada assim na minha casa, para estudar, trabalhar e ser uma mulher independente. Crio a Maitê o mais próximo disso para que ela possa fazer o que quiser — conta a mãe Cristina.

Gênero interdisciplinar

Enquanto o Curso de Desprincesamento é dividido em oficinas, o Marias vão com as outras, que já tem 25 meninas inscritas, é intensivo. O projeto está sendo viabilizado a partir de doações e de financiamento coletivo. Além da iniciativa chilena, a professora Gabriela Silva, 25, uma das criadoras, inspirou-se no Girls Rocky Camp, acampamento diurno de vivências musicais para meninas de São Paulo. Para ela, as ideias dão conta de um olhar mais amplo sobre o ser menina, que não é somente usar vestido cor de rosa.

— Primeiro, a gente vai tentar fazer com que elas questionem o papel de meninas na sociedade. Vamos mostrar como as meninas são representadas na história e na literatura, questões mercadológicas de consumo e beleza, segurança, corpo e identidade de gênero. Tudo de forma bastante lúdica, fazendo com que elas percebam a partir de oficinas de contação de histórias, por exemplo. Não de princesas, mas de Clarice Lispector ou Frida Kahlo — defende.

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Olga Ziggeli Garcia, professora do curso de especialização Gênero e Diversidade na Escola, desenvolvido pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), defende que questões de gênero e de empoderamento feminino são transversais a todas as disciplinas e deveriam estar presentes também na escola.

A iniciativa que formou recentemente 148 professores é promovida pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em parceria com o Ministério da Educação e com a extinta Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, do governo federal.

— Quando se conta a história da Branca de Neve, não precisa colocar um namorado do lado dela. São ações sutis que podem orientar sobre gênero e sexualidade. De preferência, o indicado é que esses ensinamentos estejam dentro de um programa de educação continuada — defende Olga.

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Polarizada por grupos religiosos e LGBT, a discussão a respeito da diversidade de gênero e da sexualidade nos planos estadual e municipal de Educação gerou atritos em todo o país, incluindo em Santa Catarina em 2015.

SERVIÇO

Projeto: Curso para meninas livres

Onde: Espaço Cultural Armazém — Coletivo Elza (Rod. Gilson da Costa Xavier, 942, Geral do Sambaqui, Sambaqui, Florianópolis)

Quando: Aos sábados, a partir de 14 de janeiro até 15 de abril

Quem: 30 meninas em dois turnos _ de 6 a 9 anos (manhã) e 10 a 14 anos (tarde)

Quanto: R$ 6 por oficina, gratuito para até cinco estudantes de escolas públicas por turma

Inscrições: para meninas de 6 a 9 anos / para meninas de 10 a 14 anos

Contato: Página Cientista Que Virou Mãe, Espaço Cultural Armazém – Coletivo Elza e pelo e-mail comunicacao@cientistaqueviroumae.com.br

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Projeto: Marias vão com as outras

Onde: Sede da Fundação Municipal do Meio Ambiente (Floram) no Parque Ecológico do Córrego Grande, em Florianópolis

Quando: 30 de janeiro a 3 de fevereiro

Quem: 30 meninas, de 10 a 14 anos de idade

Quanto: Gratuito

Inscrições: neste formulário

Contato: Página Marias vão com as outras

DESPRINCESAMENTO CHILENO VERSUS CATARINENSE

No Chile, as oficinas são dirigidas exclusivamente às meninas e oferecidas por mulheres, privilegiando o espaço de intimidade que se dá entre as participantes devido às temáticas abordadas. São seis sessões. Veja abaixo e compare com as iniciativas de desprincesamento catarinense:

Desprincesar em Iquique

Ser menina: Aprofundar o autoconhecimento e revisar diferenças e semelhanças com as ideias de princesas;

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Desprincesamento: Mostrar a utilidade de “desprincesar” como ferramenta de poder que impulsiona a mudança;

Estereótipos em brincadeiras: Aborda de maneira crítica o preconceito presente ao escolher brincadeiras, assim como o ideal de beleza aprendido como único e fundamental;

Amor romântico: Refletir sobre a forma de amar que se conhece, convidando a pensar e construir novas formas afastadas de sofrimento.

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Autodefesa: Valorizar o amor próprio como motor que impulsiona o autocuidado e aprendizagem de técnicas para defesa de violência constantemente presentes.

Curso para meninas livres

Brincadeiras de rua;

Meninas também consertam;

As meninas e o teatro;

As meninas, as revistas, os zines;

Toda menina é uma rainha;

As meninas e as fantasias;

Meninas que plantam e conhecem insetos;

Meninas que escrevem;

Meninas e o corpo;

Internet também é lugar de menina;

As meninas e a fotografia;

As meninas e a bike.

Marias vão com as outras

Lugar de Menina Lugar de menina é onde ela quiser: emoções, gênero e relações contemporâneas;

Contação de histórias Antiprincesas;

PANC’S Plantas Alimentícias Não-Convencionais;

Cartografias e identidades;

Meu corpo;

Prática corporal, alongamento;

Oficina de improvisação teatral;

De Dandara a Beyoncé;

AYABÁS e Vivência em dança de matriz africana;

Desafio da beleza – game show;

Bullying, gordofobia e a importância da sororidade;

Direitos humanos;

Experiência Circense;

Respiração, Yoga e meditação.

Fonte: Escola de Desaprendizagem Sociocultural, Curso Para Meninas Livres, Marias Vão Com As Outras