“A vida é viver”, escreveu o poeta Ferreira Gullar. Talvez por isso ele tenha optado por não ingressar em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Copa D’Or, no Rio de Janeiro, onde morreu no último domingo, aos 86 anos, em decorrência de insuficiência respiratória e pneumonia. Para o jornal O Estado de S. Paulo, a viúva de Gullar, Claudia Ahimsa, revelou que ele fez um pedido: “Se você me ama, não deixe fazerem nada comigo. Me deixe ir em paz. Eu quero ir em paz”. O apelo para que a sua agonia não se prolongasse foi atendido e, dois dias depois, ele morreu.
Continua depois da publicidade
O caso do poeta maranhense abre uma brecha para um assunto que tem sido cada vez mais discutido e estudado dentro das faculdades de Medicina, mas que nem sempre é visto com bons olhos por alguns profissionais da área.
Leia mais:
O que querem, no fim da vida, doentes sem chance de cura
Assim como Gullar manifestou o desejo de não ser entubado e nem ter o sofrimento prolongado, qualquer pessoa pode indicar quais tratamentos aceita ou não receber em caso de doença terminal. Em 2012, o Conselho Federal de Medicina publicou uma resolução em que aceita as diretivas antecipadas de cuidados de saúde, popularmente conhecidas como testamento vital. É a forma legal de expressar aquilo que o paciente deseja para si.
Continua depois da publicidade
De acordo com a juíza de direito Rosana Broglio Garbin, doutoranda no tema de Ciências Jurídico-Políticas e Fundamentos Constitucionais das Diretivas Antecipadas de Vontade, qualquer pessoa maior de idade e capaz, que goze de integridade psíquica, pode fazer o documento, que tem validade jurídica — ao contrário da eutanásia, que é considerada crime no Brasil.
— Não se pode antecipar a morte. Eutanásia é um ato ou omissão com a intenção de causar a morte. Na ortotanásia, se abre mão de algumas medidas médicas. Não se quer prolongar, mas não se quer antecipar. A pessoa não quer passar por tratamentos degradantes e que não tragam benefício — diferencia Rosana.
Cuidados paliativos ajudam doentes incuráveis
Lúcia Miranda Monteiro dos Santos, chefe do Serviço de Tratamento de Dor e Medicina Paliativa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, defende que o papel do médico é salvar vidas, mas ressalta que somente quando elas são “salváveis”.
— Vai chegar uma situação que é de final de vida. Então, mudamos o foco, que passa a ser o paciente, e não a doença ou a morte. O objetivo é o bem-estar do paciente pelo tempo que ele tem aqui — argumenta, destacando que essas medidas só são tomadas quando a pessoa tem uma doença progressiva e o paciente não tem possibilidade de evolução com o tratamento, como Gullar, que, além da idade avançada, já apresentava um histórico de problemas pulmonares.
Continua depois da publicidade
Nessas horas, entra a medicina paliativa, que vem do latim “pallium”, que significa “manto, proteção”. É como se médicos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, assistentes sociais e demais membros da equipe multidisciplinar acolhessem o doente e seus parentes, prestando serviços para diminuir a dor e o sofrimento de quem recebe o diagnóstico de uma doença incurável, mesmo com tratamento.
Embora acatadas pela maioria dos profissionais, decisões como a de Gullar ainda encontram uma certa resistência na área médica.
— Nas faculdades, somos treinados para salvar vidas e não para cuidar. Muitos colegas têm profunda dificuldade de admitir que vão perder o paciente — observa Lúcia.
Por outro lado, há quem compreenda melhor o sofrimento dos doentes terminais diante de tratamentos ineficientes.
Continua depois da publicidade
— Aqueles que convivem no dia a dia com pacientes terminais aceitam tranquilamente — diz o coordenador do Comitê de Bioética da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Délio José Kipper.