Poeta, ensaísta, dramaturgo, tradutor, roteirista de TV e crítico de arte, o maranhense Ferreira Gullar morreu neste domingo, aos 86 anos, no Rio de Janeiro, em decorrência de insuficiência respiratória e pneumonia. Ele estava internado há cerca de 20 dias no Hospital Copa D’Or. O velório, que será realizado a partir das 17h na Biblioteca Nacional, prosseguirá nesta segunda na Academia Brasileira de Letras (ABL), para onde o corpo será levado às 9h.
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Nascido em São Luís, capital do Maranhão, em 1930, José de Ribamar Ferreira foi figura fundamental na cena cultural brasileira, com vasta e variada produção, ao longo de décadas. Ocupava a cadeira 37 da ABL desde dezembro de 2014.
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O interesse pela poesia surgiu na adolescência. Frequentava bares onde havia leitura de poemas. Seu perfil no site da ABL conta que leu os modernistas Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira antes de se transformar em um poeta experimental radical, tomando como lema uma frase de Gauguin: “Quando eu aprender a pintar com a mão direita, passarei a pintar com a esquerda, e quando aprender a pintar com a esquerda, passarei a pintar com os pés”.
– Eu queria que a própria linguagem fosse inventada a cada poema – disse Gullar certa vez.
Radicado no Rio de Janeiro a partir dos anos 1950, o poeta participou do movimento de lançamento da poesia concreta no Brasil. Logo se tornou um dissidente, aderindo então ao neoconcretismo, em 1959, ao lado de Lígia Clark e Hélio Oiticica. Militante do Partido Comunista, Gullar escreveu sobre política e se posicionou contra a ditadura militar, implantada no país em 1964. Foi preso e mais tarde exilado, passando por Moscou, Santiago do Chile, Lima e Buenos Aires. Retornou em 1977, sendo então detido novamente e torturado.
Poema sujo, um longo poema com quase uma centena de páginas escrito durante a fase argentina do exílio, é considerado sua obra-prima. Muitas vozes (1999) também figura entre seus principais títulos. Outros destaques da carreira do maranhense são peças de teatro – escreveu Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come e A saída? Onde fica a saída? em parceria com Oduvaldo Vianna Filho – e contribuições à teledramaturgia da TV Globo, a convite de Dias Gomes.
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O intelectual recebeu diversos prêmios. Em 2007, venceu o Prêmio Jabuti de melhor livro de ficção do ano, com Resmungos. Em 2010, conquistou o Prêmio Camões, o mais importante dos países de língua portuguesa. No mesmo ano, a Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) lhe concedeu o título de doutor Honoris Causa.
Veja abaixo o poema de Ferreira Gullar Homem comum, de 1963.
Sou um homem comum
de carne e de memória
de osso e esquecimento.
e a vida sopra dentro de mim
pânica
feito a chama de um maçarico
e pode
subitamente
cessar.
Sou como você
feito de coisas lembradas
e esquecidas
rostos e
mãos, o guarda-sol vermelho ao meio-dia
em Pastos-Bons
defuntas alegrias flores passarinhos
facho de tarde luminosa
nomes que já nem sei
bandejas bandeiras bananeiras
tudo
misturado
essa lenha perfumada
que se acende
e me faz caminhar
Sou um homem comum
brasileiro, maior, casado, reservista,
e não vejo na vida, amigo,
nenhum sentido, senão
lutarmos juntos por um mundo melhor.
Poeta fui de rápido destino.
Mas a poesia é rara e não comove
nem move o pau-de-arara.
Quero, por isso, falar com você,
de homem para homem,
apoiar-me em você
oferecer-lhe o meu braço
que o tempo é pouco
e o latifúndio está aí, matando.
Que o tempo é pouco
e aí estão o Chase Bank,
a IT & T, a Bond and Share,
a Wilson, a Hanna, a Anderson Clayton,
e sabe-se lá quantos outros
braços do polvo a nos sugar a vida
e a bolsa
Homem comum, igual
a você,
cruzo a Avenida sob a pressão do imperialismo.
A sombra do latifúndio
mancha a paisagem
turva as águas do mar
e a infância nos volta
à boca, amarga,
suja de lama e de fome.
Mas somos muitos milhões de homens
comuns
e podemos formar uma muralha
com nossos corpos de sonho e margaridas