Trajado com um paramento negro e segurando com frequência o crucifixo que leva ao peito, dom Jaime Spengler conversou com Zero Hora depois da entrevista coletiva concedida na Cúria Metropolitana na manhã de quarta-feira. Ele se mostrou afável, falando pausadamente a cada pergunta, e enfrentou com calma questões complicadas, como a corrupção no clero e a pedofilia. Confira alguns trechos da entrevista:
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Zero Hora – Uma das questões na Igreja, hoje: como atrair jovens para o sacerdócio.
Dom Jaime Spengler – Na medida em que expressamos autenticidade, transparência, isto é a melhor promoção vocacional que podemos fazer. O que nós mais queremos hoje? Pessoas íntegras. Me parece que vivemos uma crise de ética impressionante. Tanto assim que, por vezes, se propaga um descrédito nas instituições e nos homens públicos. Isso, para a sociedade, é muito ruim. Significa que algo não está bom entre nós.
ZH – O Papa fala muito sobre a corrupção no Vaticano.
Dom Jaime – Onde existe o ser humano, corremos o risco de sofrer com essa realidade. Daí a necessidade do cuidado, de estar alerta. São Francisco dizia que frades não podiam tocar em dinheiro porque ele é o esterco do diabo. Sem dúvida, o dinheiro tem encanto. E, se perdemos a referência da existência, outras coisas podem ocupar esse lugar. Aí, o ser humano corre o risco de se corromper.
ZH – Em Porto Alegre existe algum caso de corrupção no meio religioso?
Dom Jaime – De corrupção como tal, desconheço. Existem, às vezes, dificuldades no acompanhamento do que hoje a legislação nos exige na prestação de contas. Há um acompanhamento muito sério, seja da sociedade civil, seja da Igreja, na prestação de contas.
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ZH – Como a arquidiocese se mantém?
Dom Jaime – É mantida pela contribuição das paróquias. Não temos outras formas de sustentar a estrutura. Mas essa dificuldade nos proporciona uma constante vigilância. Em geral, o nosso povo é muito generoso, e ele precisa saber onde vai cada centavo.
ZH – Como o senhor e os demais religiosos se mantêm?
Dom Jaime – Nós nos mantemos com aquilo que chamamos côngrua. Todos os padres e os bispos da arquidiocese recebem. É o mesmo valor para todos. Está em torno de R$ 1,2 mil, R$ 1,3 mil. Disso, cada um tira uma contribuição que faz a uma associação interna, chamada Fraterno Auxílio, que busca favorecer o necessário para quando um padre ficar doente ou para quando chegar à velhice.
ZH – Qual a estrutura da arquidiocese?
Dom Jaime – Hoje, mantemos uma casa em Cidreira para o veraneio dos padres, que funciona de novembro a fevereiro, e uma casa em Gravataí para os padres doentes e idosos. Hoje, temos 17 padres lá. Quando cheguei, há três anos, eram cinco. Junto, descontamos o INSS. No geral, aqui no Rio Grande do Sul os padres vivem de uma forma muito simples e despojada. E eu acho isso muito bonito.
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ZH – Uma das manchas da Igreja é a pedofilia, e o Papa falou muito sobre isso. Qual a sua opinião?
Dom Jaime – Eu vejo de uma forma muito positiva a presença dessa questão na mídia, que tem papel fundamental, desde que seja justa. Às vezes, se alimentam escândalos sem a necessária fundamentação. A praga da pedofilia está em todos os setores da sociedade, também na Igreja. Proporcionalmente falando, são muito poucos casos, mas não diminui nossa responsabilidade. Não tenho dificuldade de acolher e de compreender qualquer fragilidade humana. Agora, quando se trata de violência contra os pequenos, é inadmissível, inaceitável e um pecado que clama aos céus.
ZH – O Papa também pediu que os homossexuais sejam bem recebidos na Igreja. O que o senhor pensa sobre esse assunto?
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Dom Jaime – Todo ser humano, independentemente de credo, cor, opção sexual, merece respeito. Quem somos nós para julgar, para condenar? Sabe lá Deus o que vai no íntimo de cada pessoa. Por vezes, encontramos sentimentos de conflito e de dor indescritíveis nessas pessoas. Acima de tudo, vamos acolher.
ZH – Sobre os protestos recentes no Brasil, o Papa defendeu a inconformidade da juventude. Qual a sua opinião?
Dom Jaime – Nossa gurizada poderia chacoalhar o mundo e a Igreja. O Papa está certo, o jovem tem de bagunçar um pouco as coisas, mas sempre evitando radicalismos. É preciso evitar os grupos minoritários fundamentalistas. E aqueles que têm poder de decisão e que foram por nós delegados a isso precisam apresentar à sociedade o que é necessário para que a vida flua de forma harmoniosa e justa. Na nossa realidade política nacional, nós precisamos avançar muito. É inadmissível essa corrupção, esses desvios de verbas.
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ZH – Quanto à saúde, uma solução encontrada pelo governo para a falta de médicos foi a contratação de profissionais cubanos. O senhor concorda?
Dom Jaime – Existe uma demanda e me parece que não só a classe médica como a própria estrutura de assistência à saúde não consegue corresponder. Tudo aquilo que vem em favor do nosso povo tem de ser bem acolhido.