Até o dia 15 de abril deste ano – data do último levantamento feito pela Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (DPCAMI) – Santa Catarina registrou 20 crimes de violência doméstica cometidos contra mulher neste ano. Enquadrados na Lei Maria da Penha e podendo ser qualificados como feminicídio, no caso de condenação, criminosos podem pegar até 30 anos de prisão. Mesmo com maior rigor na lei, os números da Polícia Civil revelam que a violência contra a mulher aumenta. Só neste ano, a cada semana pelo menos uma mulher foi morta por companheiros ou ex-companheiros.

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Somente neste ano, pelo menos 20 mulheres foram assassinadas pelo atual ou ex-companheiro em SC

Para a secretária executiva da Rede Nacional Feminista, de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, Clair Castilhos, a saída de uma situação de opressão nunca foi pacífica. Em uma entrevista para o Diário Catarinense, Clair fala mais sobre a violência contra a mulher. Confira:

Diário Catarinense: Por que tantas mulheres são vítimas de agressões no Brasil?

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Clair Castilhos: Não temos noção do quanto ocorre, até porque faz pouco tempo que o Ministério da Saúde colocou como notificação obrigatória especificar se houve violência contra a mulher, então é difícil ter estes dados.

DC: Por que na maioria das vezes o principal agressor é alguém próximo, como o companheiro?

Clair Castilhos:Uma relação interpessoal é uma relação de poder e nestes casos denota o poder do homem sobre a mulher – do opressor sobre o oprimido. Mesmo que seja uma relação de amor, não deixa de ser opressora pela hegemonia do acho,que é muito grande e forte ele acha que quando tem uma relação com essa mulher ela é propriedade dele. E se ela é propriedade dele, ele pode fazer o que quiser com ela. Como isso está mudando e as mulheres não estão mais aceitando este tipo de relação, eles reagem matando, batendo, caluniando, colocando coisas horríveis nas redes sociais. Nunca foi pacífica a saída de uma situação de opressão para uma libertação.

DC: Além da violência sofrida pela mulher, quais outros obstáculos ela encontra ao tentar encarar o problema?

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Clair Castilhos: Tem vários obstáculos nesse caminho. Primeiro, quando as mulheres chegam para formar o Boletim de Ocorrência nas delegacias já sofrem outra violência – o descaso institucional, sendo muitas vezes a vítima transformada em ré. Isso faz parte desta concepção machista e discriminatória que existe e que coloca a mulher numa situação de profunda desigualdade. Parte da situação de violência e humilhação para uma situação de culpa.

DC: O que caracteriza violência psicológica? É difícil de ser detectada?

Clair Castilhos: Esse é o grande lance na mudança educacional das mulheres. As vezes uma simples gracinha que menospreze a mulher é uma violência psicológica e ela encara como uma brincadeira. Um conjunto de coisas como essa, não só isso, mas outras, cotidianamente, vão fazendo com que ela tenha um sentimento de inferioridade. Há também a violência patrimonial quando ele retém os documentos dela. Este tipo de violência leva a uma situação de dependência com o opressor. Quantas vezes ela vai no salão, decide cortar o cabelo e ele fica furioso porque ela não pediu para fazer isso. Em algum momento ela começa a analisar a própria situação em que vive. Os grupos feministas mostram que aquela situação não é específica, mas sim que várias mulheres passam pela mesma situação.

DC: Qual a sua avaliação sobre a lei do feminicídio?

Clair Castilhos: Ainda não estão descriminando, entra tudo como homicídio. Até um julgamento que teve aqui em Santa Catarina foi descaracterizado. Os movimentos de mulheres têm que começar a exigir.É fundamental sabermos os elementos para se defender. Há necessidade de termos estudos mais aprofundados sobre os casos relatados, analisar cada crime caso a caso para verificar as causas e as consequências das situações que levaram ao óbito e a fazer uma classificação. O estudo nos daria condições e dados para planejar prevenção e diretrizes para educação contra preconceito e discriminação contra as mulheres. Como é uma lei nova, ela precisa de dados para constituir o mapa da situação atual.

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