Os atos que permitiram a violência dentro da Arena Joinville, no domingo, esbarraram em uma decisão tomada pelo Ministério Público de Joinville. Não havia policiais militares dentro do estádio – apenas segurança privada – e, para o comando da Polícia Militar, foi uma ação civil pública da Promotoria de Defesa do Consumidor que teria provocado essa decisão.
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:: Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público
Mas o promotor que assina a ação questiona esse argumento. Para Francisco de Paula Fernandes Neto, a proposta cobrava melhorias no estádio, visando os jogos de futebol de 2014 em diante. E mais: em nenhum momento impedia a PM de entrar no estádio. A premissa já havia sido confirmada em nota pelo MP ainda no domingo.
A ação civil pública assinada por Neto foi protocolada no Fórum de Joinville na segunda-feira da semana passada, dia 2. Dois dias depois, na quarta, o juiz Roberto Lepper, da 2ª Vara da Fazenda Pública, notificou os três órgãos citados no documento – governo do Estado (Polícia Militar), prefeitura de Joinville e Fundação Municipal de Esportes, Lazer e Eventos de Joinville (Felej) – a prestarem esclarecimentos sobre os pedidos feitos pelo MP. Todas elas teriam três dias para entregar suas defesas à Justiça, prazo que encerrou no sábado. Com tudo isso em mãos, o juiz poderia analisar o assunto para, só então, chegar a uma determinação.
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Neto é promotor da Vara Criminal de Joinville, mas por nove meses respondeu como substituto dentro da pasta. A ação civil pública que gerou polêmica foi seu último ato dentro da promotoria.
Por 20 minutos, ele conversou com a reportagem na manhã desta segunda-feira.
Diário Catarinense – Em que pé estava o andamento a ação civil pública proposta pelo MP?
Francisco de Paula Fernandes Neto, promotor de Justiça – Essa ação foi protocolada no dia 2 de dezembro no Fórum de Justiça e se refere a partidas do campeonato brasileiro, estadual e de qualquer campeonato que fosse acontecer em 2014 e nos anos seguintes na Arena Joinville. Não tenho conhecimento de que juiz já tenha deferido alguma decisão sobre ela. Por enquanto não passa de uma proposta, de um pedido de providência judicial. Não sei nem sequer se o juiz já recebeu. Mas se isso aconteceu, com certeza, ele deve citar o Estado, o município, a Fundação Esportiva de Joinville e o Joinville Esporte Clube para apresentarem respostas do que está sendo questionado dentro de um determinado prazo. Só depois é que ele poderá deferir alguma tutela antecipada. Enquanto isso não acontecer, não tem validade prática. Ninguém é obrigado a fazer nada sem a ordem judicial ou por força de lei. Ou seja, juridicamente seria impossível ter qualquer ordem judicial do que consta daquela ação civil pública.
DC – O comando da PM alega não estava dentro do estádio porque a ação a impedia disso, por se tratar de ser um evento privado. Por que a ação previu isso?
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Neto – A ação nunca teve essa finalidade. Não entramos nesse mérito. O que propusemos foi uma tentativa de evitar o desvio de finalidade da PM: já havíamos constatado anteriormente que a PM vinha destacando efetivos para atividades de zeladoria patrimonial e de segurança privada, o que não é permitido. Nem pagando a PM pode fazer isso. O que queríamos corrigir, e isso está bem claro na ação, é o desvio de finalidade na segurança privada executada por policiais. Citamos até exemplos de quais seriam esses desvios: segurança de arbitragem, segurança de vestiário, segurança de placar eletrônico e separação de torcidas com PM. Nada disso é segurança pública. Quem tem que fazer isso é a estrutura do estádio.
DC – O texto, então, não cita que não é permitido nenhum tipo de atuação da PM dentro do estádio?
Neto – Não. Só com atuação nesses casos particulares que mencionei. A grosso modo, onde não tem público, não tem porque ter segurança pública. A segurança pública, a saúde e a vida é a do público que precisa ser mantida. Não a do artista.
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DC – Qual a finalidade da PM dentro de um estádio?
Neto – É a supervisão e a instauração da ordem pública mantida pelos órgãos promotores. O que vimos ontem (domingo) foi um episódio que ocorreu devido às falhas estruturais e faltas de providência do promotor do evento, o que exigiu a intervenção da polícia e ela se fez presente de forma eficiente: foi lá e resolveu o problema, inclusive, efetuando a prisão de alguns baderneiros. Isso é o trabalho da polícia: prevenir e intervir nos crimes para restaurar a ordem. Mas como vai ser feito isso é um planejamento exclusivo das autoridade da segurança pública.
DC – O que houve foi um ruído de informação então? A PM fala que interpretou essa ação também em conversas com a promotoria local…
Neto – Eu não participei de nenhuma reunião, não fiz nenhuma recomendação ou orientação por escrito, nunca debati esse tema com soldado, sargento, oficial ou comandante da PM, seja em Joinville ou em qualquer outra cidade onde eu já tenha trabalho. Essa ação civil pública é um documento público e, certamente, a PM teve conhecimento de seu teor, o que pode tê-los motivado a tomar as decisões e os planejamentos que fizeram. Mas aí é por conta da compreensão que eles têm.
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DC – A presença da PM poderia ter evitado o que aconteceu?
Neto – A experiência nos mostra que esse tipo de conflito acontece com PM ou sem PM no estádio, no Brasil todo. O que posso dizer é que a segurança do local está expressa na lei, no estatuto do torcedor. A segurança é sempre de responsabilidade de quem promove o evento. O promotor sabia que a PM não estaria lá e poderia ter determinado que “sem polícia não pode ter jogo”, não deixando ninguém entrar no estádio. Mas se ele abriu os portões e continuou vendendo os ingressos, ele assumiu toda a responsabilidade por tudo que aconteceria lá dentro. Quando ele resolve realizar um evento dessa magnitude dentro de um estádio inadequado, ele assume a responsabilidade por isso. E não é a PM que tem que suprir essas falhas, nem a Polícia Federal, nem o Ministério Público.
DC – O MP vinha investigando a situação do estádio há quanto tempo?
Neto – Desde 2006 estamos instaurando inquérito civil público, fazendo reuniões com o município, propondo ajustamento de conduta e fiscalizando esses ajustamentos, que não foram cumpridos. E também desde a construção da Arena, em 2004, a PM e os Bombeiros Militares anualmente elaboram vistorias e constatam a inadequação daquele espaço para partidas de jogo de futebol profissional. Agora, este ano, mais uma vez, propusemos ações de execução para evitar o que aconteceu. Se o local oferecesse instalações de qualidade, estrutura eficiente e separações de torcida não teríamos visto aquelas cenas degradantes. Com ou sem policiamento.
DC – Essas melhorias que vocês recomendaram na ação poderiam ter evitado o confronto?
Neto – Se estivesse resolvidas, sim. Porque a torcida não teria como se confrontar fisicamente, por exemplo, se a divisão física fosse eficiente. Eles poderiam se enfrentar na rua, não naquele ambiente.
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DC – Nos sete anos que o MP acompanha a situação estrutural da Arena, quais tipo de melhoria já teve?
Neto – Já conseguimos que colocassem videomonitoramento, apensar de precário e insuficiente, e algumas divisórias para citar de exemplo. Já houve melhorias sim, mas ainda faltam muitas outras. Queremos que a lei seja cumprida integralmente em Joinville.
DC – Qual o principal item que ainda falta lá?
Neto – Citamos sete itens na ação. Um videomonitoramente eficiente, instalado em todas as dependências do estádio e que permita a identificação das pessoas. Também falta um serviço de prevenção de sinistros, como incêndio e queda de raios, a separação eficiente das torcidas, saída de emergência, guarda-corpos e acessibilidade.
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DC – O que colaborou para a briga foi a falta de separação de torcidas?
Neto – Acredito que foi um conjunto de problemas. Foi a presença de criminosos que quiseram brigar uns com os outros. Foi o promotor que permitiu a realização do evento em local inadequado e sem as condições mínimas. Foi a segurança que estava lá, privada, que se mostrou eficiente até certo ponto, mas não soube lidar com a situação. Foi a falta de estrutura física do estádio. O que vimos foi, basicamente, a crônica da morte anunciada. Já sabíamos que isso poderia acontecer e aconteceu. E poderia ter sido pior ainda.
DC – Como o MP vai se posicionar daqui para frente?
Neto – O que poderíamos fazer judicialmente sobre este caso já fizemos. Dentro do nosso papel sempre fizemos, tentando corrigir esses problemas desde 2006. O que aconteceu é a prova do que todos nós já sabendo, mas se nega a reconhecer. Do jeito que está aquela arena não tem condições de receber esse tipo de evento. E o MP percebeu isso e não ignorou. Nunca ignorou.