Inaugurada em 13 de maio de 1926, a Hercílio Luz se tornou mais que uma simples ligação entre a Ilha de Santa Catarina e o Continente. Símbolo de Florianópolis, ela foi responsável por firmar a cidade como capital do estado e também por alavancar seu desenvolvimento.

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>> Confira o Cortina do Tempo especial da Ponte Hercílio Luz

Mais que a beleza, ela tem muita história para contar e a reportagem da Hora de Santa Catarina tomou a liberdade de fazer um jornalismo diferente, contando a história na visão da ponte:

“Florianópolis, 13 de maio de 2014

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Hoje completo 88 anos e estou aguardando uma cirurgia para me recuperar. Tenho muita dor nas juntas, ando toda enferrujada e não posso mais trabalhar – o que é uma tristeza, pois nasci para isso.

Tenho uma história bonita que começa lá em 1926, no dia 13 de maio. Não cheguei a conhecer meu pai que faleceu de câncer, exatos 19 meses antes de eu nascer.

Pelo que os mais antigos me contam, eu iria me chamar Independência, mas todo mundo resolveu homenagear papai me dando o nome dele. Hoje sou conhecida por Hercílio Luz.

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Dizem que papai se endividou para fazer eu nascer. Na época, ele gastou o equivalente a duas vezes o que o governo do estado podia gastar. Teve que pedir dois empréstimos no estrangeiro.

Papai era engenheiro, desterrense (sim, a cidade nem se chamava Florianópolis quando ele nasceu) e político. Foram essas três características dele que culminaram na ideia de me criar. Ele queria enterrar de vez a ideia que uns governadores tinham de transferir a capital catarinense para Lages, fazer uma ponte bem bonita e ainda acabar com o martírio de só poder chegar em Florianópolis em velhos barcos de madeira.

A mamãe foi a empresa Robinson & Steinman – que já tinha uma filha famosa, a Brooklyn Bridge (Nova Iorque, nos Estados Unidos). Ela veio dos Estados Unidos com um monte de engenheiros e arquitetos. Para que eu nascesse usou mão de obra catarinense. Sim, sou bilíngue, tenho sangue gringo, mas muito orgulho de ser manezinha.

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Meu parto foi difícil. Começou em 14 de novembro de 1922 e durou 1215 dias. Vim ao mundo em um dia de chuva, mas fui recebido com muita festa. Nasci pesando cinco mil toneladas, 74,21 metros de altura e 821 metros de comprimento. Sim, sempre fui esbelta.

Mal vi a luz do sol e já comecei a trabalhar. Minha função era ligar o Estreito até a Ilha. Basicamente, eu fazia os carros e as pessoas cruzarem o mar. Dizem que a ideia original era que eu também ajudasse trens a cruzar o mar para levar cargas até um porto em Sambaqui, mas isso nunca foi feito.

Mamãe me achou tão linda que resolveu fazer outra igual a mim em Ohio (nos Estados Unidos) dois anos depois. Ela nasceu 200 metros mais curta e o papai dela não era muito cuidadoso. Em 1967 ela não aguentou mais trabalhar e desabou. O mais triste foi saber que o fim do meu clone resultou na morte de 46 pessoas.

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Sorte que eu era bem tratada. Permaneci firme e minha vida foi sempre carro para lá, carro para cá. Sem pausa para descanso. Quando eu tinha 43 anos, na flor da idade, renovei o visual. Troquei minhas velhas tábuas de madeira por um asfalto moderno e lisinho.

O trabalho estava ficando cada vez mais pesado e precisava de mais alguém para me ajudar. O pessoal também ficou com medo por causa do fim trágico do meu clone. Minha irmã de verdade, a Colombo Salles, só nasceu em 1974, fruto do trabalho de um companheiro de profissão de papai. Ela não era tão bonita quanto eu, mas me ajudava bastante.

Eu já estava cansada, meio velha e sete anos depois da minha irmã nascer um pessoal achou que eu não servia mais para o trabalho. Fiquei ofendida e provei que eu ainda dava para o gasto. Além do que, eu era muito boa no que fazia e só a Colombo Salles não iria dar conta de tanto carro (ô cidade para gostar de automóvel).

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Em 1988 voltei para a labuta e senti que não era mais a mesma. Me sentia enferrujada. Tudo doía e eu tremia para fazer qualquer servicinho. Ninguém confiava mais em mim.

Minha volta ao trabalho só durou três anos. Eu dei a entrada nos papéis do INSS porque nasceu minha irmã mais nova, a Pedro Ivo. Só trabalhei junto dela por três meses e parti para a aposentadoria.

Das três irmãs, eu era a mais bonita. Todo mundo quer tirar foto comigo. Hoje sou igual a Paris Hilton, não trabalho, só sou famosa.

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Minhas dores nas juntas só pioraram com o tempo e muita gente achou que eu fosse desabar e morrer no fundo do mar. Mas mamãe me criou para ser forte e estou aqui, de pé.

Em 2005, um antes de eu chegar completar 80 anos, uns políticos me prometeram umas cirurgias e até tratamentos estéticos. Me empolguei com a ideia de ser uma senhora conservada. Mas estou esperando desde então (acho que estão me sacaneando). Até tem um povo fazendo uns curativos, mas certas horas penso que nunca vou sarar.

Trabalhei tão bem nessa vida que até hoje tem gente que quer me botar de volta no serviço – falam até em me modernizar, colocando uns trens futuristas. Outros só querem ficar me admirando no horizonte (de tanto falarem, sou obrigada a admitir que sempre fui bonita. É a genética da mamãe).

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Das minhas memórias só tenho um arrependimento: não conhecer papai. Foi governador três vezes (que orgulho) e tinha o sonho de me ver reinando sobre o mar. Infelizmente a doença veio antes disso. Seus amigos notaram que a saúde dele não estava boa e construíram uma réplica minha de madeira, bem pequena, só 18 metros, ligando o Miramar até a Praça XV. O velho Hercílio Luz caminhou em cima da minha cópia 12 dias antes de falecer. Se não fosse ele, eu não estaria aqui e Florianópolis não seria tão grande e de quebra ainda teria que escolher outro cartão postal”.