Florianópolis é sede do Congresso Brasileiro de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (Hemo 2016), que começou na quinta-feira e segue até domingo com palestras, aulas e conferências de profissionais de destaque nos cenários nacional e internacional para cerca de 5 mil profissionais da saúde. Um dos destaques da programação do evento é o armazenamento de sangue de cordão umbilical, que pode ser utilizado no tratamento de doenças sanguíneas, como a leucemia, dada a capacidade regenerativa. No Estado, esse procedimento é realizado de duas formas: voluntária, que serve de doação, no Centro de Hematologia e Hemoterapia de Santa Catarina (Hemosc), e para uso pessoal, em bancos privados provenientes de outros Estados que atuam localmente (leia mais abaixo).

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Especialista em hematologia e hemoterapia pela Universidade Federal de Minas Gerais e em transplante de medula óssea pela Universidade de Paris VII, Vanderson Geraldo Rocha é um dos grandes nomes do país em se tratando de células-tronco. Junto à referência mundial no assunto, a hematologista francesa Eliane Glunck que fará a conferência magna do congresso, estabeleceu a rede brasileira que integra os bancos públicos de armazenamento de sangue de cordão umbilical e placentário: BrasilCord, que funciona aos moldes da Redome, focada em doação de órgãos.

O médico, que também ficou conhecido por curar o ator global Reynaldo Gianecchini, estará presente no Hemo 2016. Ao desembarcar em Florianópolis, o coordenador médico da unidade de transplante de medula óssea do Hospital Sírio Libanês conversou com a reportagem do Diário Catarinense. Confira:

O diferencial do sangue de cordão ambilical são as células-tronco?

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Sim, são as células-tronco hematopoiéticas, que vão produzir as células do sangue e circulam no nascimento no cordão umbilical e na placenta. Por isso é que se chama sangue de cordão umbilical e placentário.

Como funciona o armazenamento e o transplante de sangue de cordão umbilical?

As células são colhidas e congeladas em bancos públicos, onde chegam por meio de doação e podem atender pacientes do mundo todo, e privados, onde são armazenados a um custo e ficam restritas à família do bebê. Existem dois tipos de transplante: o halogênico, quando as células do sangue de cordão de um bebê beneficiam outra pessoa que, em uma eventualidade de não encontrar doador compatível, o utiliza, é o mais comum porque geralmente as mães doam para um banco público. É um material que seria jogado fora, mas que pode curar doenças hematológicas [relacionadas ao sangue] e salvar vidas. Já o outro tipo, o autólogo, quando as células-tronco beneficiam o próprio paciente de onde foram retiradas, é o mais complicado.

Por quê?

Existe um interesse privado da indústria, que fala para as mães guardarem esse sangue e utilizarem no futuro. Mas até hoje não tem nada demonstrando que isso seja válido. Não há comprovação que as células-tronco do sangue de cordão umbilical placentário possa se diferenciar em outras células. Em países da Europa, por exemplo, os bancos privados são proibidos. Somente em alguns, como a Suíça, é possível armazenar e aí depois transplantar. Mas a chance de vir a utilizar esse material é de menos de 1%.

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Qual é a justificativa para proibir?

Eu trabalhei por 20 anos na França, junto à doutora Eliane Gluckman, tentando ver quais fatores que vão influenciar os melhores resultados nesse tipo de transplante. O que já se sabe é que o número de células transplantadas, o quilo do paciente que irá receber (quanto menor, melhor, e por isso o resultado é melhor em crianças) e também a compatibilidade. E, geralmente, o sangue de cordão umbilical placentário tem poucas células-tronco. Por esse motivo, acaba sendo insuficiente para a própria pessoa que armazenou. Chegamos a usar o sangue de dois cordões em um paciente, para se ter ideia.

Quanto pode custar esse serviço em bancos privados?

Isso depende do banco. Pode ser entre R$ 1 mil e R$ 3 mil a coleta e, depois, de R$ 100 a R$ 500 de manutenção por ano. Mas eu reforço: se um paciente precisar do uso autólogo será na idade adulta. E aí o número de células congeladas vai ser ineficiente. Se tiver doença hematológica, não vai adiantar esse transplante. É possível tirar células-tronco da medula óssea ou do sangue periférico do próprio paciente adulto. Não existe garantia de nada. O que existe é um interesse econômico em cima da ansiedade das mães.

O SERVIÇO EM SANTA CATARINA

Bancos privados

Em nota, a Associação Brasileira de Bancos de Células-Tronco (ABBCT) diz que não cabe à entidade opinar sobre o armazenamento de sangue de cordão umbilical placentário. “[Nosso papel é] oferecer recursos para que os pais possam tomar uma decisão livre e esclarecida em relação ao valor dessas células, um material rico que é diariamente descartado nas maternidades do país.”

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A associação ressalta que “o serviço de armazenamento de células-tronco do cordão umbilical não pode ser entendido como um seguro de vida.” Também diz que “não há nenhuma garantia sobre o resultado dos tratamentos ou terapias. O sucesso desses dependerá de vários fatores, como: a doença a ser tratada, o estágio, a compatibilidade do doador, entre outros.”

Ainda conforme a ABBCT, a esperança de que as chances de utilização das células-tronco de filhos neles próprios aumentem no futuro é o que move o trabalho dos bancos privados.

Não há nenhum com origem em Santa Catarina, mas existem empresas de fora que, por meio de parceiros, atuam aqui. São exemplos:

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Cryopraxis – 0800 606 7777

Hemocord – 0800 600 3450

Cordvida – 0800 707 2673

Bancos públicos

Parturientes que cumprem os requisitos são abordadas por enfermeiros capacitados pela rede BrasilCord para informar se desejam ou não doar o sangue do cordão umbilical de seu bebê. Esse procedimento é feito, principalmente, no Hospital Regional de São José e na Maternidade Carmela Dutra, em Florianópolis. Depois, o sangue segue para o Hemosc para ser avaliado, processado e armazenado. Desde 2009, 700 bolsas de sangue foram catalogadas e, até hoje, nenhuma utilizada.

— Estamos em um momento muito crítico do banco de cordão porque mundialmente os transplantadores estão usando muito pouco essa técnica. Estamos mantendo os aparentados [família que tem um filho doente e que acabou tendo outro para manter e tratar o irmão], mas a maioria está reduzindo. Não se sabe qual vai ser futuro e coletar para não ser usado é impensável na crise, por ser muito caro — contextualiza a diretora-geral do Hemosc, Denise Linhares Gerent.

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