O Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC) pediu o afastamento de três servidores comissionados da Fundação do Meio Ambiente de Itajaí (Famai) por suspeitas de facilitarem o licenciamento ambiental do empreendimento Porsche Design Towers Brava. Entre eles, o atual superintendente, Victor Silvestre. O projeto, polêmico e alvo de ações judiciais, inclui a construção de quatro torres em meio à Mata Atlântica, na morraria da Praia Brava. As investigações apontaram para um suposto acordo de R$ 1,5 milhão de propina em troca da liberação da licença para a obra.

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A denúncia, entregue essa semana à Justiça, inclui seis pessoas e duas empresas – a Carelli, construtora responsável pela obra, e a Proteger Consultoria Ambiental, que pertence a Regines Roeder. Além dele e de Victor Silvestre, superintendente da Famai, estão na lista o diretor de Licenciamento do órgão ambiental, Patrick Soares, a assessora jurídica Isabella Platt, e os empresários Cauey e Dalmo Carelli, donos da construtora Carelli. As suspeitas apontadas pelo Ministério Público incluem corrupção e crimes ambientais.

As investigações partiram de diligências da Polícia Federal (PF), que integraram a operação Conexão Miami. A construtora Carelli é um dos alvos do inquérito, que apura suspeitas de crimes contra a ordem financeira – o que levou, em maio, ao cumprimento de uma série de mandados de busca e apreensão. E-mails interceptados ao longo da investigação e documentos recolhidos em sedes da empresa, encaminhados à 10ª Promotoria de Justiça de Itajaí, levaram o promotor Álvaro Pereira Oliveira Melo a concluir que havia uma “criminosa simbiose” entre a direção da Famai e a empresa Proteger para beneficiar a construtora.

Operação Conexão Miami interceptou troca de e-mails

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O atual superintendente da Famai, Victor Silvestre, é casado com a sobrinha de Regines, dono da Proteger, e trabalhou como coordenador de projetos na empresa de consultoria. Em janeiro deste ano, quando ele assumiu a chefia do órgão ambiental de Itajaí, a Operação Conexão Miami interceptou e-mails em que havia uma minuta de contrato de R$ 1,5 milhão entre a Carelli e a Proteger. Era uma entrada de R$ 200 mil, e o restante pago através de quatro salas comerciais.

Essa segunda parcela era condicionada, na minuta, à obtenção da Licença Ambiental Prévia (LAP) – o que a consultoria, em tese, não teria como garantir sozinha. Para o Ministério Público, essa garantia seria “chancelada por Victor e Patrick (diretor de licenciamento, também ex-funcionário da Porteger), junto à Famai”.

Aparentemente, essa minuta não foi assinada e, no entender da promotoria, foi substituída tempos depois por um segundo contrato – que embora tivesse data de 2016, só teve firma reconhecida este ano. Era um acordo para que a Proteger fizesse estudos ambientais para o processo de licenciamento de um outro empreendimento entre as Ruas 1001 e 1101, em Balneário Camboriú.

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Coincidentemente, o valor de entrada era o mesmo da minuta interceptada no e-mail: R$ 200 mil. Esse contrato foi apreendido pela Polícia Federal no dia 9 de maio, no local que era chamado pela construtora de QG – uma sala sem identificação, onde eram mantidos os documentos referentes à obra do Porsche Towers Brava. De acordo com a denúncia, a pasta, identificada como BCA 1101, continha documentos da Porsche. “Tal constatação reforça o fato de que o contrato no valor de R$ 200 mil, também encontrado no QG e ligado à suposta obra na Rua 1101, foi utilizado para mascarar o pagamento de propina no contrato da Proteger”, conclui o promotor na denúncia.

Suspeitas recaem sobre contrato

Para comprovar se o contrato da Proteger com a Carelli tinha de fato o objetivo de licenciar o empreendimento em Balneário Camboriú, a 10ª Promotoria de Justiça de Itajaí pediu apoio ao Grupo de Apoio Operacional de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). As investigações apontaram que há um projeto de 2015 da Carelli na Rua 1101. No entanto, as secretarias de Planejamento ou do Meio Ambiente de Balneário Camboriú, e a Fatma, informaram não ter pedido nenhum estudo em relação àquele projeto.

Chamado a depor, Regines, o dono da Proteger, apresentou um formulário protocolado junto à Fatma, com um Relatório Ambiental Prévio da Rua 1101, como comprovação de que a empresa havia mesmo prestado o serviço. Segundo a denúncia, no entanto, a Fatma informou que o formulário não possuía documentos anexos, apenas a “capa”. Esse protocolo, afirma o promotor, foi cancelado um dia após Regines ser ouvido pelo Ministério Público.

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Os R$ 200 mil negociados por esse projeto teriam sido, de fato, pagos pela Carelli à Proteger com a transferência de três veículos, que estavam em nome de terceiros. Os comprovantes dessa transação foram apreendidos pela Polícia Federal no QG da Carelli.

Embora oficialmente não houvesse contrato entre a Proteger e a Carelli para o empreendimento, o Ministério Público relata que houve uma reunião entre representantes da construtora e da Famai na prefeitura em março, em que o dono da Proteger também estava presente. “Se nada tinha a ver com o empreendimento da Porsche Design Towers Brava, o que fazia o proprietário da Proteger, Regines Roeder, em uma reunião conjunta com a presença do prefeito municipal, dos donos da Carelli, Cauey e Dalmo, e do superintendente da Famai, Victor Silvestre, oportunidade em que, justamente, se ‘abraçou’ o projeto?”, questiona o promotor.

Embora não houvesse contrato oficial, servidores da Famai relataram ao MP-SC terem encontrado funcionários da Proteger, em janeiro, no local onde a construtora pretende erguer a obra. Eles estavam em um carro identificado, que foi fotografado pelos servidores. No local foi encontrado, no mesmo dia, um crachá de uma bióloga da Proteger – o que, para o MPSC, seria indicativo de que já teriam passado ali outras vezes.

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Pareceres técnicos desconsiderados

Testemunhas relataram que a mudança de gestão na Famai, a partir de janeiro deste ano, teria alterado também o tratamento dado ao processo do Porsche Towers Brava. Depois de o licenciamento ter sido negado três vezes por servidores do órgão ambiental, e pelo fato de estar em área de Mata Atlântica, o processo teria ficado trancado na sala do superintendente.

Segundo relata o Ministério Público na denúncia, Victor, Patrick e Isabella, procuradora da Famai, teriam passado a ser os únicos servidores com acesso à papelada. A intervenção deles, no entender do MP, teria ocorrido “através de atos penalmente relevantes, em especial, omitindo e separando, de forma enganosa, a discussão acerca da vegetação de Mata Atlântica no local, fato que evidentemente impediria a emissão da licença”.

Os servidores teriam desconsiderado a informação de que os terrenos da Carelli estão em área com estágio médio e avançado de recuperação, e também que foi encontrada no local uma espécie de ave em extinção – o que, em tese, impediria a obra. O argumento era de que esses fatos seriam avaliados no processo de corte de vegetação, o que foi considerado irregular pelo Centro de Apoio Técnico do Ministério Público.

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Os documentos juntados à denúncia revelam, ainda, uma coincidência entre textos produzidos pela assessoria jurídica da Carelli, recolhidos no QG da empresa em maio, e o parecer jurídico feito pela procuradora da Famai. São trechos idênticos, que levantaram suspeitas de interferência da empresa nos pareceres do órgão ambiental –”uma absurda sintonia entre os interesses meramente privados (…) e o interesse público”, afirma o promotor.

Segundo o MP, os servidores da Famai só voltaram a ter acesso ao processo do empreendimento da Porsche Design após ter sido deflagrada a Operação Conexão Miami, em 9 de maio.

CONTRAPONTO

Cauey e Dalmo Carelli

Denúncia: Corrupção ativa

O advogado Luiz Eduardo Cleto Righetto, que representa os empresários, classifica as suspeitas do pagamento de R$ 1,5 milhão em propinas como ¿infundadas e desprovidas de provas¿. Segundo ele, a Proteger não prestou serviços a Carelli nesse empreendimento. “A Proteger tinha interesse em prestar serviços no empreendimento da Porsche, mas friso: Não foi contratada”, diz. Sobre a mudança de postura da Famai na análise da licença, o advogado afirma que não houve interferência da Carelli. “Tudo que fez até então (a construtora) está dentro da legalidade, com estudos ambientais inclusive”. Em relação à Operação Conexão Miami, da Polícia Federal, a defesa afirma que o inquérito ainda está correndo e não há denúncia.

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Carelli Propriedades Construtora e Incorporadora Ltda

Denúncia: crime ambiental

O advogado Luiz Eduardo Cleto Righetto afirma que a empresa não praticou conduta que afronte o meio ambiente, que o empreendimento ainda está em fase de estudos e que só iniciaria as obras após receber as devidas autorizações.

Regines Roeder

Denúncia: corrupção passiva e crime ambiental

Proteger Consultoria Ambiental

Denúncia: crime ambiental

Regines Roeder disse que chegou a fazer uma proposta à Carelli para o empreendimento da Porsche Design, mas a empresa não foi contratada por “divergências técnicas”. Ele confirma que funcionários da Proteger estiveram no local da obra para fazer uma vistoria, mas diz que não houve sequência do trabalho. Sobre o condicionante da obtenção da licença ambiental para o pagamento da segunda parcela, no texto da minuta contratual, ele afirma que esse é o procedimento padrão.

Em relação ao processo aberto na Fatma para estudo ambiental, que foi cancelado por falta de documentos anexados, ele diz que o cancelamento ocorreu porque a construtora não pagou a guia, necessária para dar sequência ao processo. “Fizemos o trabalho, temos o estudo pronto. Não temos nada que nos comprometa”.

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Isabella Platt

Denúncia: crime ambiental

A assessora jurídica da Famai diz que o parecer questionado pelo MP faz parte de uma comunicação interna, requerida pelo superintendente da Fundação. “Minha incumbência dentro deste procedimento é de dirimir dúvidas legais, e não ensejar qualquer viabilidade ao empreendimento”. Ela afirma que destaca no parecer que o corte de vegetação em área com espécie ameaçada de extinção demanda medidas compensatórias e mitigadoras para garantir a conservação. Isabella se disse surpreendida pela denúncia por entender que um advogado não poderia ser responsabilizado criminalmente pelo parecer no exercício da advocacia.

Em relação à suposta similaridade entre trechos do parecer jurídico da Famai e da empresa Carelli, a assessora afirma que o texto diz respeito a transcrições de um parecer da Procuradoria Geral do Município de Itajaí e de uma Lei Complementar municipal.

Patrick Soares

Denúncia: corrupção passiva e crime ambiental

O diretor de Licenciamento da Famai nega ter havido uma mudança de entendimento do órgão ambiental em relação ao projeto da Porsche Design. “A uma, porque o projeto não tinha sido indeferido, e, a duas, conquanto é dever do Órgão Ambiental, embasado pela Resolução CONAMA nº 237/97, oportunizar a complementação e esclarecimentos quanto aos estudos apresentados”. Ele complementa: “Sendo assim, em cima das informações prestadas é que se deve o Órgão Licenciador se posicionar definitivamente quanto ao projeto, deferindo ou indeferimento”.

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Patrick nega que o processo estivesse indisponível. “Todos os processos são disponibilizados as partes requerentes, ou seja, corpo técnico desta Fundação e postulante”.

Victor Silvestre

Denúncia: corrupção passiva e crime ambiental

O superintendente da Famai diz que ainda desconhece o teor da denúncia. Segundo ele, não houve qualquer mudança de postura em relação ao licenciamento, mas o cumprimento de resoluções e decretos que estabelecem a obrigatoriedade do órgão ambiental de solicitar esclarecimentos e complementações durante a análise do processo de licenciamento. Ele diz que os pedidos de complementação são procedimentos normais, e não indica, decisão final de viabilidade – o que só é feito com a licença ambiental.

Victor afirma ainda que está desligado da Proteger desde 2015 e diz desconhecer contratos de prestação de serviço entre a empresa e a construtora Carelli. O superintendente nega, ainda, que o processo estivesse trancado em sua sala. Diz que isso ocorreu somente na semana em que a Famai recebeu um drone – pelo preço do equipamento, o armário, onde também ficava o processo da Carelli, permaneceu trancado.

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