Nova era

A editora Globo iniciou uma verdadeira revolução neste mês de abril: novas edições, com projetos gráficos de cair o queixo, da obra de Monteiro Lobato. Até o final do mês as livrarias catarinenses receberão Reinações de Narizinho, com ilustrações de Eloar Guazzelli, prefácio de Ruth Rocha e nota biográfica de Luciana Sandroni. A escolha de Reinações de Narizinho para começar as reedições não é aleatória: o clássico reúne onze histórias nas quais Lobato apresenta as primeiras aventuras no Sítio do Picapau Amarelo, com personagens conhecidíssimos do público, como Narizinho, Emília, Pedrinho, Dona Benta, Marquês de Rabicó e Visconde de Sabugosa.

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Monteiro Lobato (1882-1948) investigou as aspirações e os sentimentos do brasileiro e fez um expressivo retrato do país e de sua gente. Sempre abordando temas de cunho universal dentro de uma perspectiva brasileira, fez desta mistura um cenário cheio de frescor e com o colorido das tradições locais e, por isso, permanece sempre atual não só porque traz à tona debates sociais urgentes em nossa sociedade, mas também porque incorpora um tratamento de estilo raro, que se mantém eterno e móvel.

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Contista

Poucos conhecem a veia adulta de Lobato: mas seu clássico Urupês conquistou uma verdadeira legião de admiradores e encanta gerações desde seu lançamento, em 1918. O livro é composto por catorze contos que mostram não só a vida cotidiana e mundana do caboclo do interior (com ironia e humor refinados), mas também as asperezas humanas. Elementos expressionistas e pré-modernistas atravessam todos os contos, e se em Bocatorta, Meu conto de Maupassant, Pollice verso e O estigma Lobato exerce seu teatro da crueldade, em O Engraçado Arrependido e O comprador de fazendas a ironia chega a limites quase intoleráveis. Mas o livro ficou mesmo conhecido pelos contos regionalistas (a maioria) que criticam a “lassidão infinita” da zona rural e fundam o “caboclismo”.

Gosto muito de O Engraçado Arrependido, um dos contos mais engraçados que já li, e que apresenta a história de Pontes, um típico piadista que para arranjar um cargo no funcionalismo público resolve matar o Major Antônio, que sofre de um aneurisma prestes a estourar, por qualquer esforço. Pontes usa seu estoque inesgotável de piadas para forçar o aneurisma do Major, e quando finalmente consegue, o remorso o despedaça.

Herança

A trama do destino que me apresentou Urupês: quando meu avô resolveu dissolver sua biblioteca, há quinze anosa, acabei sendo o novo guardião da segunda edição de Urupês, publicada em 1947 pela Editora Brasiliense. Um detalhe memorável desta edição é que ela mostra a capa da primeira edição, com o desenho de um mata-pau (árvore da família das moráceas, título de um dos contos do livro), feito por Wasth Rodrigues.Me empolguei tanto com o livro que comecei a desenvolver uma peça de teatro, que permeava não só os principais contos, mas também a vida do autor. A correria habitual, porém, estancou o projeto (que espero poder terminar).

Também guardo com carinho duas obras de um dos grandes pesquisadores da obra de Lobato no Brasil, o escritor catarinense Eneás Athanázio, que reside em Balneário Camboriú. Ele publicou As 3 dimensões de Lobato e As antecipações de Lobato, que para além da literatura, também dialogam com a multiplicidade de Lobato (promotor público, editor de livros, precursor do realismo fantástico, ensaísta, crítico de arte e literatura, pintor, jornalista, empresário, fazendeiro, advogado, sociólogo, tradutor e diplomata). Envolvido em diversas polêmicas, Lobato soube esculpir sua marca, sua erudição e sua vontade, que resistiram muito bem (com algumas ressalvas) ao verdadeiro e único crítico de arte confiável, o tempo.

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