Tudo que é proibido tem seu encanto, e Sara do Nascimento sabe disso. Mas nada no mundo terá para ela o charme do Sol. É amor proibido aos 11 meses de vida, quando os pais descobriram nela o xeroderma pigmentoso – XP, para os íntimos. Como feitiço lançado, Sara não pode sentir a luz do dia na pele para todo o sempre. Mas a menina não nasceu apenas XP. Tem também veia de escritora. Enredou um modo próprio de cruzar seu caminho e o do Sol sob o céu de Joinville.
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– Sempre fui tachada de menina da Lua. Só que eu não gosto muito da Lua. Prefiro o Sol. Tudo que tu não pode, tu quer ter. A Lua eu já tenho – diz Sara.
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Por não gostar nem um pouco do título, Sara envolveu sua própria mãe em um plano. Rosana do Nascimento gosta muito de fotografar. Nada melhor para uma mãe aspirante a fotógrafa e para uma filha de 15 anos, então, que um book à luz do Sol. Um plano simples para a maioria, mas tão arriscado quanto irresistível para a menina. O eclipse entre Sara e o Sol será no dia 28 de dezembro de 2015, data em que a menina se tornará debutante e desafiará o XP. O ensaio, para ela, vale muito mais que a festa.
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– Ela sabe do risco que corre. Mas ela já se protegeu tanto, já viveu tanto dessa forma – apoia a mãe Rosana.
A primeira valsa é sempre do pai, que o diga seu Tarcísio do Nascimento. Mas a segunda, essa será do Sol, por quem Sara sempre passa correndo, protegida em mil camadas. Além de dois protetores solares, um para criar uma barreira química e outro, física, a menina precisa usar chapéu, óculos escuros, luvas e uma roupa especial, de mangas e pernas compridas.
– Saio sempre apressada – descreve Sara o próprio jeito de ir para a Escola Municipal Professora Eladir Skibinski, que tem uma sala adaptada às necessidades dela, que cursa o nono ano.
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Sara ainda não escolheu onde fará as fotos. Talvez no Zoobotânico, o último lugar em que ela foi antes de descobrir o XP. Mas tudo sob a luz do poente. Aliás, se não tivessem películas protetoras, as janelas de onde ela mora seriam inimigas. Em 2012, a família Nascimento ganhou uma casa nova, dessas que se constroem de sonhos realizados em programas de televisão. Para evitar radiações nocivas, todas as lâmpadas da residência são de Led. Mas parte da arquitetura também já é de Sara. Acima de onde ela cultiva o sono de todas as luas, agora existe uma frase em francês:
– Osez rever – pronunciou ela, traduzindo: ouse sonhar.
Uma devoradora de livros
O quarto de Sara tem saída para a brinquedoteca, onde ela organiza os livros com os quais passa a maior parte do tempo a imaginar um mundo que é Sol dentro dela. Como boa leitora, ela devorou nove obras de 400 páginas em pouco mais de um mês. O último calhamaço mal durou dois dias. Foi tão rápido que fez a bibliotecária da escola ficar cismada e não aceitar a devolução ao acervo, descrente de que a aluna tinha lido aquilo tudo mesmo.
De livro em livro, Sara se transforma de leitora em escritora. Das 7 às 11 horas, ela se senta perto da janela e se entrega à imaginação. Logo de cara, elaborou uma trilogia, já com 178 páginas e 22 dos 30 capítulos que ela projetou para o primeiro volume. Ela só não escreve mais porque divide o tempo com a irmã Maria, de nove anos – “o melhor presente” que os pais poderiam ter dado a Sara, segundo ela mesma.
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Maria imita cada pose da irmã mais velha sob o olhar atento do pai. Quando não está seguindo os passos de Sara, está brincando com Pateta, filho da gata Crochê. O jeito de pegar na aba e fazer o corredor de passarela é quase o mesmo da primogênita. Mas o chapéu que venda os olhos é estilo único da caçula, que nasceu com problemas neurológicos e tem dificuldade para falar e andar – mas se cair, conta com um Tarcísio atento para segurar. E tem a Sara, que faz as vezes de mãe enquanto Rosana vai à igreja para cumprir alguma missão e o pai está na faculdade de biomedicina ou no trabalho.
O próximo encontro entre Sara e o Sol deve ser na Cidade Luz, em Paris. Ela já colocou na mala outra frase de sotaque francês que aprendeu com um de seus médicos.
– Combien ça coûte? Quanto custa isso? – diz, antes de gargalhar.
Sara desfila os instrumentos de proteção de uma diva: chapéu e óculos escuros
Bom humor: o melhor remédio
São tantos anos de convivência com os sintomas do XP que os pais sabem tudo que precisam para ajudar Sara a viver bem e feliz. Isso incluiu tratar com leveza os capítulos da história. Não foi sem chorar que a menina recebeu a notícia de que um câncer de pele, causado pela doença, tomara conta do seu nariz. Mas não faltou abraço ao sair do consultório do cirurgião plástico Cláudio Mokross.
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O procedimento deixou uma cicatriz quase imperceptível ao longo da lateral direita do nariz. Com uma foto antiga nas mãos, usando biquíni, Sara mostra:
– Meu nariz era assim.
Ao olhar para a mesma foto, a mãe mostrou evidências da doença. A menina tinha marcas da fralda, como se estivesse bronzeada. Bastavam as lâmpadas incandescentes ou fluorescentes para que ela literalmente queimasse. Além da pele, que tinha algumas pintas mais claras e escuras que o tom natural aos dois meses de idade, Rosana reparou que a filha lacrimejava demais. Os olhos também são sensíveis à luz. Foram alguns meses para que do oftalmologista a família chegasse a um diagnóstico feito por um dermatologista.
Entre lesões malignas ou não, Sara já teve mais de 50 e passou por mais de dez cirugias. E se precisar de mais uma, ela já aponta para a orelha esquerda, que ainda não foi mexida e que pode doar cartilagem para um segundo nariz novo, se preciso.
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– Eu ainda desafio alguém a contar as minhas pintinhas. Tem dia que brinco de ligar pontos. As pessoas precisam de papel para isso. Eu faço na pele – diz ela.
Além de ser bem-humorada. Sara é também conectada. No Facebook, a menina que quer o Sol coleciona amigos padres. Tem mais de 30 batinas. Fora a escola, a igreja é um dos únicos lugares que tiram a família toda de casa. A imagem de Jesus está no fundo do corredor pelo qual Sara desfila ares de diva de luvas, óculos e chapéu. Participar de projetos sociais da igreja virou missão dos pais dela, que escrevem uma história sem vilões. Coisa de quem vive a acreditar em Deus e a querer o Sol.