Os biógrafos de Gabriel García Márquez costumam dividir sua longa e afortunada existência em duas metades: antes e depois de 1967.

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Naquele ano, foi publicado o romance Cem Anos de Solidão. Foi essa obra que o transformou de escritor obscuro de meia-idade em megacelebridade capaz de cobrar US$ 20 mil por entrevista e fazer um bem-sucedido lobby pelo Nobel de Literatura para si mesmo.

Pontos de mutação semelhantes são comuns em sua ficção. Em Cem Anos, a guerra civil transforma o ourives amador Aureliano Buendía em chefe militar de 32 revoluções. Em O Outono do Patriarca, por meio de um golpe de Estado, um camponês andino se torna o ditador que canoniza a própria mãe e vende o Mar do Caribe. É difícil não ver, nessas e em outras criaturas, uma metáfora magistral de uma das obsessões do próprio Gabo: o poder.

Gabo era excessivamente vaidoso e bem-humorado para se ajustar ao figurino de escritor engajado na tradição europeia. Na metade dos anos 1970, porém, tornou-se uma espécie de satélite intelectual de Fidel Castro. Jamais existiu na história da América Latina uma ligação tão relevante entre um chefe de Estado e um artista.

Gabo fora entusiasta de primeira hora da Revolução Cubana. Afastou-se de Havana durante 14 anos, sem jamais chegar à ruptura. A partir da metade dos anos 1970, ocorreu uma reaproximação, desta vez em caráter irrevogável.

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O escritor orgulhava-se de não receber direitos pela venda de edições cubanas de suas obras e de enviar originais para Fidel – privilégio estendido apenas a sua mulher, Mercedes. Alguns sustentam que Castro via no amigo colombiano um alter ego, alguém “que gostaria de ser numa outra vida”.

Para outros, Fidel encarnava, na imaginação do escritor, a figura de seu mítico avô, que servira de modelo para o coronel Buendía. Há evidências, no entanto, de que havia razões mais pragmáticas para uma amizade tão desprovida de independência e distanciamento.

Questionado uma vez sobre o motivo de não ter rompido com o ditador cubano, como haviam feito Mario Vargas Llosa e tantos outros, respondeu:

– É muito mais importante para a América Latina que eu seja amigo de Fidel do que eu rompa com ele.

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A história dessa relação – para alguns exemplar, vergonhosa para outros – é uma das tantas que Gabo deixa por contar.

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