Até há pouco sem cobertura trabalhista, a situação dos trabalhadores domésticos vem sofrendo mudanças nos últimos anos. A principal foi a regulamentação da chamada PEC das Domésticas, sancionada em 1º de junho pela presidente Dilma Rousseff. Como a maioria das mudanças tem prazo de 120 dias para vigorar (a contar da data da sanção), os novos direitos assegurados aos domésticos – que também representam novas obrigações para os empregadores – passam a valer, de forma integral, a partir do dia 29.

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Se antes ajudar na criação dos filhos era uma tarefa habitual da doméstica, em uma relação que Maria da Graça Marchina, da PUCSP, define como “uma promiscuidade entre o trabalho e o afeto”, a tendência é de que, agora, os laços fiquem mais formais.

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– As trabalhadoras vão ter mais poder de barganha, e esse aspecto mais emocional tende a diminuir. É claro que não é simples. Uma vez que você se insere em um círculo familiar, é impossível ficar indiferente ao que ocorre dentro dele – diz o sociólogo Jefferson Freitas, que estudou o cotidiano do trabalhador doméstico em sua dissertação de mestrado.

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A ternura que se estabelece entre uma criança e alguém que cuida dela diariamente (quando os patrões saem para trabalhar, é a doméstica quem lida com comida, banho e brincadeira) é comum a várias gerações de trabalhadoras.

– Em busca de uma vida melhor, muitas mulheres deixavam, e ainda deixam, os filhos no Interior, aos cuidados de outra pessoa. Então, o afeto “físico” que não conseguem direcionar aos seus próprios filhos é transferido para o da patroa. Normal se apegar – revela a presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, Creuza Maria Oliveira.

Entenda as novas medidas da Lei das Domésticas

A nova lei, para ela, é uma garantia de que o trabalhador doméstico, ao exigir seus direitos, não seja acusado pelo patrão de ingratidão – como costuma ocorrer hoje nas relações trabalhistas alinhadas apenas pela confiança.

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– Quando as pessoas trabalham fora, as domésticas são os olhos delas dentro de casa. Não dar valor a isso as frustra, as faz perder a estima, a identidade, principalmente quando já estão mais velhas e precisam se aposentar – salienta a advogada Beatriz Vasconcelos, que trabalhou com a categoria junto à ONG Themis Gênero e Justiça e à Entidade das Nações Unidas para Igualdade de Gênero e Empoderamento das Mulheres.

O receio do desemprego

De acordo com Renato de Oliveira, sociólogo e professor da Univates, não é só o trabalhador doméstico que pode ser prejudicado nesta relação desarranjada, até então, pela ausência da lei. Ao passo que o empregador cobra fidelidade, também o trabalhador pode se utilizar desta relação de submissão para, na hora de buscar a solução de conflito, “dar o troco”, acionando a Justiça:

– É um atraso social que parte do pressuposto de que o trabalhador é um sujeito incapaz, que precisa da tutela do Estado, e, por outro lado, que o empregador é um escravocrata em potencial.

Um dos medos que acometem a categoria a partir da validade da nova legislação é o do desemprego. O presidente do Instituto Doméstica Legal, Mario Avelino, afirma que, sim, tem havido demissões, mas, proporcionalmente, aumentado o número de empregados com carteira assinada, hoje correspondente a apenas um terço dessas relações de trabalho:

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– Na nossa avaliação, é preferível ter 2 milhões de pessoas com carteira assinada do que 4 milhões sem direito nenhum.

Avelino, autor do livro O Futuro do Emprego Doméstico no Brasil, aponta que, em 10 anos, o serviço no país vai se equiparar ao que ocorre na Europa e nos EUA: a mão de obra vai escassear, a procura será maior que a oferta e os custos para manter o trabalhador doméstico aumentarão.

– Em um país desenvolvido, ter doméstica cinco dias por semana é privilégio da classe média alta ou da classe alta – afirma.

Com a lei, considerada por Avelino justa, o serviço doméstico deve perder, pelo menos um pouco, os ares de subemprego. O presidente do instituto deixa o alerta:

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– Não é porque o trabalhador doméstico tem direitos que ele vai deixar de ser confiável.