Val é como se fosse da família, mas sabe que seu lugar é da cozinha para os fundos da casa. Jéssica, filha de Val, também é como se fosse da família, mas a distinção protocolar é levada a sério pela garota que chega para tensionar afetos e relações de poder em uma mansão do Morumbi, bairro abastado da cidade de São Paulo.

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Veja o comentário de Roger Lerina sobre o filme:

Personagens centrais de Que Horas Ela Volta?, filme que estreia nesta quinta-feira nos cinemas, Val (Regina Casé) e Jéssica (Camila Márdila) são exemplos do processo de mobilidade social registrado nos últimos anos no Brasil. E é pelo olhar delas que a diretora Anna Muylaert (de Durval Discos) aborda, com potente delicadeza, o preconceito, o desconforto e a hipocrisia que costumam guiar a tentativa de tornar menos profundo o abismo que separa ricos dos pobres e remediados no país.

Val chegou de Pernambuco há mais de 10 anos para trabalhar na casa de Bárbara (Karine Telles) e do “doutor” Zé Carlos (Lourenço Mutarelli), que vivem mais da herança familiar dele do que do trabalho dela com “tendência e estilo” – embora Bárbara seja do tipo que acha fino, e não cafona, ostentar sua serviçal uniformizada em locais públicos. Foi Val quem criou Fabinho (Michel Joelsas), adolescente que encontra na ex-babá e agora empregada o caloroso afeto que desconhece da própria mãe.

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O contato de Val com Jéssica, deixada aos cuidados dos avós, rareou com o tempo. A jovem chega a São Paulo para prestar vestibular na conceituada Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, pretensão que causa o primeiro impacto na família. Jéssica também acha justo ocupar o quarto de hóspedes sem uso, e não dormir no colchão no chão do cubículo abafado de Val.

Jéssica é cria de outra realidade brasileira. Seu confronto com a iletrada Val se dá não apenas pelas cicatrizes do abandono na infância, mas por sua inconformidade com o papel submisso e resignado da mãe na relação com os patrões. A indisposição da jovem com Bárbara é previsível, e esta faz uso de seu poder na casa grande para intimidar a hóspede que cruzou o território demarcado.

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Que Horas Ela Volta? é mais uma bela contribuição do cinema brasileiro para um debate pertinente. Se o recente Casa Grande – com foco na tomada de consciência de um adolescente obrigado a sair da bolha no condomínio de luxo da zona sul carioca em razão da falência do pai – investiu em um tom panfletário, Que Horas Ela Volta? é ainda mais contundente em sua proposta. Por refletir na aparentemente afetiva relação entre patrão e empregada doméstica questões mais sérias que historicamente ficavam escondidas sob o tapete da sala.

Nesta quarta, às 19h30min, no CineBancários (General Câmara, 424), será realizada uma sessão especial de Que Horas Ela Volta?, com presença das atrizes Camila Márdila e Karine Telles. A entrada é gratuita, mediante retirada de senhas.

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Filme é cotado para o Oscar

Que Horas Ela Volta? teve première no Festival de Sundance (EUA) em janeiro passado, onde Regina Casé e Camila Márdila ganharam o prêmio de melhor atriz da mostra World Cinema. Apresentada na seção Panorama do Festival de Berlim, em fevereiro, a produção foi aclamada com o Prêmio do Público de melhor filme de ficção.

Estas láureas e mais a boa recepção da crítica internacional já fazem Que Horas Ela Volta? ser cotado para representar o Brasil na disputa pela indicação ao Oscar de filme estrangeiro. A badalação deve ser considerada pela comissão do Ministério da Cultura que vai anunciar o filme selecionado em 10 de setembro.

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QUE HORAS ELA VOLTA?

De Anna Muylaert. Drama, Brasil, 2015, 112min.

Estreia quinta-feira no circuito. Sessão de lançamento nesta quarta, às 19h30min, no CineBancários, com entrada gratuita e presença das atrizes Camila Márdila e Karine Telles. Entrada gratuita, mediante retirada de senha a partir das 19h.

Cotação: cinco estrelas de cinco

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