A apuração do caso que chegou a ser considerado pela polícia e pelo Ministério Público como um dos maiores golpes já praticados em Joinville teve desfecho contrário ao que indicavam as investigações: em sentença publicada nesta segunda-feira, a Justiça apontou que não houve comprovação de que o casal Marcos Queiroz e Ana Cláudia Queiroz tenha articulado algum tipo de fraude para enganar pessoas e obter vantagens econômicas.

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O caso veio à tona em agosto de 2013. Naquele ano, ambos foram denunciados pelo MP sob a acusação de terem vendido centenas de apartamentos na planta, sem ter condições de entregá-los, além de não entregarem uma série de mercadorias aos clientes das duas lojas de materiais de construção que o casal mantinha em Joinville. Delegados dedicados ao inquérito afirmavam que os valores obtidos com as vendas dos apartamentos poderiam chegar a R$ 10 milhões.

Na denúncia, eram atribuídos a Marcos Queiroz e Ana Cláudia os crimes de formação de quadrilha, estelionato, fraude na entrega de coisa, apropriação indébita e crime contra a economia popular. As mesmas acusações pesavam contra cinco ex-funcionários do casal. A sentença, no entanto, confirma apenas o crime de apropriação indébita em relação a Marcos Queiroz, pelo sumiço de um contêiner, e também condena o casal por crime contra a economia popular.

Segundo o juiz César Tesseroli aponta no documento, os dois agiram de maneira criminosa ao anunciar seis condomínios, divulgando informações básicas de projeto e valores, sem que os empreendimentos estivessem regulares e aprovados pelo poder público. Assim, a pena de Marcos foi fixada em 7 anos, 10 meses e 12 dias de reclusão no regime semiaberto, enquanto a sentença de Ana Cláudia define 6 anos, 10 meses e 12 dias de reclusão, também no semiaberto. Há possibilidade de recurso e ambos continuam em liberdade.

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Todas as demais acusações foram afastadas e os cinco ex-funcionários foram absolvidos.

“O que se conclui é que Marcos, um sujeito bem articulado, com talento natural para vendas, porém ambicioso, sem muito escrúpulo, sem experiência no ramo da construção civil e na administração de empresas e que gostava de posar de ‘empresário agressivo’, perdeu-se no rumo dos negócios e entrou em crise financeira”, escreveu o magistrado.

Ainda conforme o juiz anotou na sentença, não há no processo “elementos concretos, seguros, fortes, consistentes de que os réus, em especial Marcos e Ana Cláudia, tenham empregado algum tipo de fraude, com dolo de ludibriar terceiros e obter vantagem econômica”.

Tesseroli aponta ainda que não havia prazo previsto para o início das obras nos contratos negociados, somente as datas de término, com datas de entrega para o final de 2014, 2015 e 2016. O que ficou comprovado, anotou Tesseroli, foi que Marcos Queiroz sonegava impostos e descumpria normas tributárias quando vendia os empreendimentos sem nota fiscal, por exemplo. Esse tipo de crime, no entanto, não era objeto de investigação naquele processo.

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Sentença aponta falhas na investigação

Erros cometidos na fase de investigação são apontados na sentença como lacunas que não sustentam a maioria das acusações formalizadas pelo Ministério Público. O documento lembra que o caso veio à tona quando um e-mail anônimo foi disparado para funcionários do grupo, indicando que Marcos Queiroz arquitetava um golpe e que era um estelionatário procurado pela Justiça.

Em meio aos rumores, Queiroz deixou de comparecer a uma reunião e o boato se espalhou. Clientes das lojas de materiais de construção, funcionários e até mesmo estranhos, diz a sentença, decidiram fazer justiça com as próprias mãos e saquearam as unidades. Mas, destaca o juiz, não havia nenhuma investigação contra Marcos Queiroz na época. A origem do e-mail nunca foi comprovada e o próprio sumiço de Queiroz, observa o magistrado, só veio a público em boletins de ocorrência e por meio da imprensa.

O juiz César Tesseroli ainda aponta que a polícia e o MP não comprovaram que a viagem do casal em meio às suspeitas se tratou de fuga, “pois não investigaram a fundo as questões envolvendo a viagem, não pesquisaram os pormenores relacionados à compra das passagens, não verificaram se os objetos pessoais foram levados. Também restaram dúvidas quanto à apuração do caixa de Marcos Queiroz e das empresas para confirmar se houve alguma retirada ou transferência expressiva de valores nos dias que antecederam o suposto desaparecimento dele.

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A investigação, conforme apontado na sentença, também não procurou apurar por qual valor Queiroz comprava e vendia mercadorias nos materiais de construções para confirmar que estaria vendendo itens a preços irrisórios.

O CASO

O chamado Grupo Marcos Queiroz mantinha uma imobiliária e dois materiais de construção em Joinville até agosto de 2013. O grande atrativo da empresa era a venda de seis edifícios na planta. Mais de 300 apartamentos foram vendidos. Os materiais de construção também eram conhecidos por praticar preços abaixo do mercado. A propaganda indicava que o grupo aproveitava os próprios materiais de construção para tocar as obras nos investimentos. Mas somente um prédio começou a ser erguido, parcialmente, e as licenças dos demais imóveis nunca saíram. Com a repercussão de que Queiroz supostamente havia aplicado um golpe e já estava fora da cidade, clientes e compradores dos imóveis saquearam os dois materiais de construção na tentativa de minimizar prejuízos, em agosto de 2013. Marcos Queiroz foi preso semanas mais tarde no interior paulista. Ele seria solto somente dez meses depois. As investigações viraram processo na Justiça, com sete réus, e os negócios mantidos pelo grupo foram paralisados.

A DEFESA

A defesa de Marcos e de Ana Cláudia Queiroz sustenta que as suspeitas contra a atuação do casal tiveram origem numa mensagem anônima, de cunho falso, e foram disseminadas em notícias e nas redes sociais. O argumento é de que, após os saques às lojas do grupo, as pretensões comerciais do casal foram arruinadas e prejudicou a todos com quem tinham relações. A defesa ainda reforça que não havia nenhum empreendimento em atraso na época dos fatos e funcionários já trabalhavam nas obras iniciadas.

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