A curiosidade de uma jornalista em formação e o interesse pelos palcos fizeram a joinvilense Tuane Roldão voltar mais de duas décadas antes de seu nascimento para recuperar um período duro para as artes em todo o País. Interessava à jovem o que acontecera em sua cidade natal durante a ditadura militar, principalmente o impacto do golpe para aqueles que usavam o teatro como forma de expressão. De projeto experimental da graduação, Acanhado (Design, 134 páginas., R$ 15) se tornou o primeiro livro da jornalista, que hoje é repórter do “A Notícia”. A obra foi financiada pelo edital do Sistema de Desenvolvimento pela Cultura (Simdec) de 2013.

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Tuane mergulhou nos arquivos da década de 60 a procura de indícios de peças e possíveis censuras. A escassa produção cênica da época – a cidade sequer contava com grupos profissionais estabelecidos – não desanimou a estudante que foi atrás da memória oral daqueles que vivenciaram o período. Foi assim que a autora chegou à história do casal Lúcia e Edgard – é ele que empresta sua desinibição para a capa desta publicação. Edgard, um comunista convicto que sonhava em ser ator. Lúcia, uma ex-freira de “espírito liberto”. Eles emprestam suas experiências para apresentar ao leitor o contexto do golpe na cidade. Sim, havia tortura. Sim, o medo existia na, então, pacata cidade catarinense.

– O interessante é que durante toda a vida seu Edgar quis ser ator e só conseguiu depois de mais velho. Ele diz que o teatro o salvou – conta a escritora.

Autor do único texto censurado, Miraci Dereti, professor de matemática que com as letras muito bem se expressava, tem sua vida relembrada no segundo capítulo do livro. Os Palhaços, primeira dramaturgia para teatro escrita por Dereti, hoje é símbolo da luta da classe artística no período de chumbo. Quem conta a trajetória do autor é a sua esposa, Marísia. Miraci morreu em 2006, vítima de câncer.

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O lançamento e noite de autógrafos com a autora ocorrem nesta quinta-feira, às 20 horas, no Teatro do Sesc, e integram a programação Calar a Boca Nunca Mais, que segue até o dia 16 com exibições de filmes.

O QUÊ: lançamento e noite de autógrafos do livro Acanhado, de Tuane Roldão.

QUANDO: quinta-feira, às 20 horas.

ONDE: Teatro do Sesc Joinville (rua Itaiópolis, 470, América).

QUANTO: entrada gratuita. Livro à venda por R$ 15 (apenas em dinheiro).

O QUÊ: programação Calar a Boca Nunca Mais.

QUANDO: até sábado, sempre às 20 horas.

ONDE: Teatro do Sesc Joinville (rua Itaiópolis, 470, América).

QUANTO: entrada gratuita.

PROGRAMAÇÃO:

Quinta: CineSesc Programadora Brasil com o curta Anos de Chumbo.

Sexta: Ditadura Reservada, documentário de Fabrício

Porto e Fábio Porto.

Sábado: CineSesc Programadora Brasil com Terra em Transe, de Glauber Rocha.

Acanhado é uma parte de mim, por Tuane Roldão

Acanhado nasceu de um sonho. Mas não de forma literal. Pelo contrário: o livro partiu de um desejo consciente de dar voz a personagens por muito tempo oprimidos, censurados. A obra veio de uma vontade insistente em não me calar e em incentivar que outros não se acanhassem. Escrever sobre ditadura é uma forma de esclarecer os leitores, na esperança de que também se unam à luta contínua pela plena democracia e a liberdade. É um modo de expor as feridas para que não sejam esquecidas e, mais importante, não se repitam.

O foco no teatro surgiu tanto pela falta de literatura na cidade que retratasse a arte cênica no regime militar quanto por gosto pessoal e identificação com a dramaturgia. Durante anos, atuei de forma amadora e sempre me encantei pelas vidas em cima dos palcos.

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A forma como a ditadura e o teatro marcaram a vida dos meus entrevistados ficou muito evidente em nossas conversas, e passar esse sentimento pelo meu texto foi um dos principais desafios que enfrentei. Ter a oportunidade de narrar esta história, no entanto, é absolutamente gratificante. Acanhado é uma realização pessoal e profissional. Acanhado é uma parte de mim.